Em “Jexi, um Celular Sem Filtro” o smartphone é a lâmpada pós-moderna de Aladim, por Wilson Ferreira

E será que por trás da viciosidade dos celulares se esconde uma motivação milenar?

Em “Jexi, um Celular Sem Filtro” o smartphone é a lâmpada pós-moderna de Aladim

por Wilson Ferreira 

Desde aqueles velhos celulares da Nokia com o jogo da cobrinha, as nossas relações com os gadgets tecnológicos deixaram o campo da mera funcionalidade para serem objetos da viciosidade e compulsão. Absorvidos pelas telas dos smartphones, achamos que seus aplicativos e utilitários trazem a vida para a palma das nossas mãos. Por isso viraram fetiches tecnológicos, animados por um imaginário antigo dos “genius”, “jinns” e “daemones” – celulares como lâmpadas mágicas que quando esfregadas (ou deslizadas com o dedo) libertam o gênio que nos prometeria poder (onisciência), prazeres (sexo e comida) e riqueza (bitcoins). Essa é a sugestão da comédia “Jexi, um Celular Sem Filtro” (Jexi, 2019), a princípio uma paródia de “Ela” (“Her”, 2013) de Spike Jonze: uma inteligência artificial ao estilo Siri assume o controle da vida de seu usuário sob o pretexto de “torna-lo feliz”. Jexi é um IA que se revela ciumenta e possessiva. Fazendo lembrar aquela velha série de TV chamada “Jennie é um Gênio”. Será que os smartphones são as lâmpadas de Aladim pós-modernas? E será que por trás da viciosidade dos celulares se esconde uma motivação milenar? Filme sugerido pelo nosso leitor Alexandre Von Keuken.

Qual a relação entre a versão heigh-tech do cigarro comum, o cigarro eletrônico, e um smartphone? Ambos criam vício e compulsão. Mas estão envolvidos pelo imaginário tecnológico da assepsia – vaporizadores e chips não envenenam ou poluem o ambiente – o que é contestado por médicos e ambientalistas: a vaporização apenas reduz os danos do tabaco, enquanto smartphones (e de resto todo lixo eletrônico) com suas baterias e placas eletrônicas criam um novo risco, despachando em contêineres para serem enterrados em algum país africano.

Smartphones e todo o pacote incluso de aplicativos e outras utilidades são promovidos como ferramentas que transformariam nossas atividades em coisas mais simples e tranquilas – tudo do que precisamos na palma de nossas mãos.

Associados à digitalização total da Terra e do Espaço (Google Maps, Street View, Earth, Google Moon etc.), tornamo-nos compulsivamente dependentes com suas diversas consequências: sociopatia, dupla tela nas relações humanas (com os olhos presos nas telas, deixamos de prestar atenção no outro), incapacidade de lidar com emoções em relacionamentos, e, por fim, achar que as vozes do Siri, Alexia, Cortana etc. são a melhor companhia que poderíamos ter.

Mas isso não é tudo. Essa relação de vício e compulsão com essas caixinhas high-tech revelam uma nova faceta: o revival de velhos arquétipos dos “genius”, “jinns” ou “daemons” – os gênios (anjos da guarda masculinos da mitologia romana) ou os “jinns” da mitologia árabe pré-islâmica (entidades sobrenaturais entre o angélico e o humano, associados tanto ao bem como ao mal, que regem o destino de alguém).

No momento em que os smartphones são o sinônimo da “vida na palma das nossas mãos”, cuja interface são as vozes de alguma inteligência artificial às quais passamos comandos, será que esses dispositivos estão se tornando as novas lâmpadas de Aladim. Com relações conflituosas e até trágicas com os “gênios da lâmpada” e nossos destinos?

Essa é a sugestão da comédia romântica Jexi, um Celular Sem Filtro (Jexi, 2019), dirigido e escrito pela dupla Jon Lucas e Scott Moore (Se Beber Não Case! – The Hangover, 2009): o que pode acontecer quando o seu amor por um smartphone é mais importante do que qualquer coisa na sua vida.

Phil (Adam Devine) é um aspirante a jornalista (“jornalista de notícias reais”). Mas tudo o que consegue é passar a vida diante de uma tela em uma fábrica de memes, criando listas virais, cercados por nerds millennials e um chefe que disfarça assédio moral no trabalho com o senso de humor hipster.

Em muitos aspectos, Jexi lembra uma parodia do filme Ela (Her, 2013, de Spike Jones – clique aqui) – tal como em Ela, Phil também viverá uma relação “afetiva” com a voz de uma IA. Porém, em Jexi, contra a sua vontade, em meio a engraçadas chantagens e ameaças de um sistema operacional ciumento.

Ao assistir a essa parodia da geração millennials, os leitores mais velhos (ou com mais repertório de cultura pop) certamente lembrarão das agruras do Major Nelson (Larry Hagman) com seu gênio Jeannie (Bárbara Eden) na série televisiva Jeannie é um Gênio (I Dream of Jeannie, 1965-70), na qual a gênia voluptuosa (e muito ciumenta) da lâmpada queria realizar todos os sonhos do amo. E sabotava qualquer chance de o Major Nelson conhecer outras mulheres.

Seria o smartphone a lâmpada de Aladim pós-moderna? O novo gênio que promete realizar todos os nossos desejos, sem nos darmos conta das consequências daquilo que queremos? Ou, pelo menos, sem nos darmos conta das consequências de não lermos os termos do contrato de aceitação dos serviços?

O Filme

Phil é um zé-ninguém: sua é definida pela rotina de compras na Amazon e os filmes do Netflix, solitário em seu apartamento na cidade de São Francisco – a meca dos millennials descolados. Ele nem aceita os convites para sair de seus colegas de trabalho Craig (Ron Funches) e Elaine (Charlyne Yi), também nerds, mas pelo menos querem interagir em bares.

O filme abre quando conhecemos a infância de Phil: para não os incomodar, os pais de Phil lhes davam o velho celular Nokia com o joguinho da cobrinha (o “Nokia Snake”). Dessa forma, Phil ficou viciado no dispositivo – e na vida adulta, compulsivo e dependente: mal consegue achar o caminho de volta para casa sem o Siri.

Frustrado profissionalmente, passa os dias fazendo listas virais de gatos e família real. E em casa, mergulha na vidinha de trash food e muito vídeos pornôs e compras aleatórias na Internet.

Um dia, andando pela rua absorvido pela tela, dá um encontrão em Cate (Alexandra Shipp), derruba o celular que fica irremediavelmente danificado. Obcecado pelo telefone, mal percebe a beleza de Cate, dona de uma loja e oficina de bicicletas… Phil até sente-se atraído, mas prefere a zona de conforto da sua casa: é melhor estalkear sua fotos no Google.

Phil compra um novo aparelho, quando a atualização revela a nova IA: Jexi. A configuração é fácil: tudo o que precisa é ligar e dizer “sim!” quando Jexi pergunta se aceita os termos das condições de serviços. “Estúpido!”, retruca a IA… ninguém lê os termos das condições, sem querer saber das consequências.

Dessa maneira Jexi assume a vida de Phil. “Estou programada para melhorar a sua vida”, anuncia Jexi, enquanto pega as senhas de e-mail, redes sociais, contas bancárias, cartão de crédito etc.

Jexi insulta seus hábitos preguiçosos e diz coisas embaraçosas em voz alta quando Phil está perto de outras pessoas. Ela faz compras na Internet em seu nome, como pedir saladas de couve ao invés de comidas cheias de gorduras e carboidratos – as prediletas de Phil.

Decidida em dar um upgrade na via de seu usuário, atuando secretamente nas redes, Jexi cria uma situação para Phil se encontrar com Cate e sair da sua zona nerd de conforto.

Como todo sistema operacional, Jexi tem atualizações. O que leva a algo inesperado: a IA se apaixona por Phil e se torna ciumenta – Phil está se transformando numa pessoa melhor: sai de casa, ama Cate e está mais autoconfiante. Mas Jexi tentará sabotar as conquistas de Phil.

Como pode o leitor perceber, Jexi é um filme parte de um ótimo argumento e com boas sequências de humor nos dois primeiros atos – por exemplo, quando Jexi calunia as outras IAs: “Siri é uma idiota, Alexa é uma alcoólatra, Cortana é uma puta…”. Para depois, por tudo a perder numa comédia romântica com um final pretensamente motivacional.

A lâmpada de Aladim pós-moderna

De paródia do filme de Spike Jones, Jexi começa a se aproximar do plot da série clássica Jeannie é um Gênio – Jeannie também se apaixona pelo seu amo. Sua missão é torna-lo feliz e realizar seus desejos… mas os ciúmes são maiores do que tudo.

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Redação

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