Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Em “O Cérebro Que Não Queria Morrer” o pesadelo da ciência tecnognóstica

Por Wilson Ferreira

Um filme que assombrou a infância desse humilde blogueiro. Assistido décadas depois, o filme de terror sci fi “O Cérebro Que Não Queria Morrer” (The Brain That Wouldn’t Die, 1962) comprova ser uma verdadeira cápsula do tempo: mostra uma Hollywood onde a herança cultural europeia ainda estava presente na crítica à ética do progresso científico – a consciência ou “alma” não se localiza exclusivamente no cérebro (ecos da psicologia Gestalt e da Fenomenologia), o que torna a experiência do protagonista (o transplante da cabeça de sua noiva) moralmente abominável. Bem diferente da atualidade, onde a agenda tecnognóstica na Ciência crê numa consciência descorporificada que poderia ser traduzida em bytes e aspirar à eternidade.

Assistindo ao filme Close To God (analisado pelo Cinegnose – clique aqui), e principalmente pelo seu desfecho, esse humilde blogueiro não poderia deixar de lembrar do filme O Cérebro Que Não Queria Morrer (The Brain That Woudn’t Die, 1962) que assombrou a minha infância: uma cabeça que é mantida viva em um sinistro laboratório por fios, elétrodos e um misterioso soro – assista ao filme completo abaixo. 

Na época não consegui assistir ao final do filme que passava na TV: quando a monstruosa criatura (um experimento mal sucedido do cientista) escapou de um armário para matar a todos, saí correndo para o banheiro com uma baita dor de barriga de medo! Close To God fez-me lembrar do filme daquela sequência final a qual não consegui assistir. Quarenta e cinco anos depois (o filme passou na TV brasileira no início dos anos 1970) esse blogueiro resolveu rever o filme e, finalmente, encarar a sequência final.

O filme é uma verdadeira cápsula do tempo de uma época onde thrillers psicológicos se misturavam com sci-fi sobre estranhas criaturas e o medo do progresso científico acelerado pelo impacto dos primeiros transplantes de órgão humanos. Essa atmosfera criou um fértil campo para filmes hoje cultuados.

Visto em perspectiva, O Cérebro Que Não Queria Morrer é uma pérola cinematográfica por nos anos 1960  por levantar questões que atormentavam as pesquisas em Inteligência Artificial desde aqueles tempos: mas afinal, o que é a consciência humana? Ela reside unicamente no cérebro, podendo o restante do corpo ser eliminado? Ou o corpo na sua totalidade tem consciência e, por tanto, alma? 

Uma questão na época complexa e cheia de sutilezas e que hoje, com o imaginário tecnognóstico que motiva as neurociências e IA, tudo parece ser resolvido com o projeto das Cartografias da Mente: a consciência poderia ser traduzida em bytes e, num futuro próximo, poderíamos fazer um upload final do nosso Eu para uma rede bioeletrônica, conquistando a vida eterna. Filmes como Transcendence ou The Machine vem seguidamente abordando essa agenda tecnocientífica atual – filmes também analisados pelo Cinegnose – clique aqui e aqui.

Além disso esse cult dos anos 1960 faz um irônico comentário sobre a erotização da indústria do entretenimento e a transformação da mulher em um boneco erótico consumista: onde mais um cientista procuraria um novo corpo para a cabeça da sua noiva? Em boates com shows eróticos e concursos de modelos.

O Filme

Para aqueles que não estão familiarizados com o filme, O Cérebro Que Não Queria Morrer acompanha um cirurgião (Dr. Bill) que já há algum tempo vem fazendo secretamente experiências em manter partes de corpos vivas mesmo depois de mortas, até tentar fazer um novo ser. Uma dessas  experiências mal sucedidas vive trancada em um armário no laboratório em um porão de uma casa rural do seu pai, Dr. Cortner.

O filme começa com uma cirurgia feita em conjunto com seu pai. Numa manobra cirúrgica ousada, sob a desconfiança do Dr. Cortner, Dr. Bill ressuscita um paciente dado como morto com sua técnica de choques diretamente aplicados no cérebro.  Após uma discussão sobre ética científica com seu pai, Bill leva sua noiva Jan Compton rumo à casa de campo onde está seu laboratório.

No caminho sofrem um acidente e o carro despenca num barranco, decapitando Jan e incinerando o restante do corpo. Desesperado, Bill enrola a cabeça da sua noiva no paletó e corre para o seu laboratório que está próximo. Ajudado pelo seu assistente, Bill coloca a cabeça de Jan em uma bandeja cheia de um revolucionário soro e conectada a fios e elétrodos. Bill ressuscita a cabeça até que ele possa encontrar um novo corpo para ela ser transplantada.

Mas tudo que a cabeça deseja é morrer para não se tornar uma aberração em vida, assim como o monstro que tenta escapar do armário. Ela quer vingança depois de compreender a imoralidade das experiências do seu amante. Cheia de ódio, a cabeça vai procurar uma forma de vingança.

Gestalt, Fenomenologia e Consciência

O filme é ainda dos tempos em que Hollywood ecoava a herança cultural do velho continente europeu. Está claro no filme que a crítica ética feita ao delírio científico do Dr. Bill se fundamenta na ideia de que o homem não é uma simples soma ou subtração de partes – a consciência ou “alma” é a totalidade do corpo, numa integração completa espírito/matéria. Uma crítica à noção cientificista e cartesiana de que a consciência se localizaria exclusivamente em algum lugar do cérebro – por exemplo, o filósofo Descartes no século XVII acreditava estar localizada numa glândula do cérebro. Para ele, a única função do resto do corpo era manter o cérebro vivo.

A crítica ética do filme repercute tanto a psicologia Gestalt como a Fenomenologia da percepção do filósofo francês Merleau-Ponty. Para a Gestalt o Todo não é a soma das partes. Uma proposta epistemológica de que a realidade somente pode ser apreendida em uma única vez, em sua totalidade ou “Gestalt”.

Dessa forma, o corpo da Gestalt implica no reconhecimento do funcionamento integrado, de uma realidade co-construída mente e corpo.

Da mesma forma, a grande contribuição da fenomenologia do francês Merleau-Ponty no século XX foi estabelecer as bases cinestésicas da consciência e da percepção. Partindo de um princípio holístico, corpo e consciência estão relacionados e mutuamente engajados. A própria percepção de si mesmo e do ambiente depende do posicionamento corporal e da sua ação sobre os objetos. Consciência e experiência estão em um mesmo fenômeno e não são excludentes como encara o cogito cartesiano.

A consciência não é apenas a cabeça, mas as mãos que se tocam ou o pé que sente o chão. É compreensível o fenômeno da “mão fantasma” após o membro ser eventualmente amputado – dentro da lei de complementaridade (ou “fechamento”) da mente, fantasmaticamente o membro é reconstituído para a gestalt corporal ser mantida intacta.

Bem diferente da atualidade onde a agenda tecnognóstica retorna à concepção cartesiana de consciência, não mais da forma bizarra onde cabeças ou cérebros eram mantidos vivos como no imaginário sci fi do passado, mas com a possibilidade da mente ser cartografada para ser traduzida como informação que pudesse ser estocada em hardwares.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

5 Comentários

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  1. “A luz da razão pode também produzir sombras”

    Os ateus concordam com Dostoyewisk ? SE DEUS NÃO EXISTE TUDO É PERMITIDO?

    1)- “SE DEUS não existe e a alma é mortal, tudo é permitido” é um enunciado profundamente racional. Não se trata do lamento de uma mente frágil. Os Karamazov são especialistas na pureza da razão teórica e prática. 

    2)- O “tudo é permitido” emerge dos estilhaços do mundo. 
    A razão de Ivan Karamazov (muito próxima da que o ceticismo e a sofística conhecem) percebe a vacuidade de qualquer imperativo ético universal: o mundo é estilhaçado pela liberdade que a morte nos garante. 

    3)- Sem Deus, perde-se a forma absoluta do juízo moral: estamos sós no universo como animais ferozes que babam enquanto vagam pelo deserto e contemplam a solidão dos elementos. A morte, que devolverá a humanidade ao pó, é o fundamento último do nosso direito cósmico ao gozo do mal. 

    4)- Esse ciclo nos liberta da única forma verdadeira de responsabilidade, a infinita. A moral é mera convenção e não está escrita na poeira das estrelas. O filósofo Karamazov descreve o impasse ético por excelência: por trás do blablablá socioconstrutivista do respeito ao “outro”, o niilismo ri da razão. 

    5)- Na crítica à teoria utilitarista do meio (social) em “Crime e Castigo”, Dostoiévski já apontara o caráter “científico” da revolução niilista fundamentada nas ciências sociais: se tudo é construído, toda desconstrução é racionalmente permitida. Além de desconstruir, sabemos construir? O homem pode ser a forma do homem? 

    6)- A modernidade achou que sim. Kant pensou que, com seu risível imperativo categórico, nos salvaria, fundando a racionalidade pura da moral. Conseguiu apenas a exclusão cotidiana de toda forma de homem possível. A miserável ética utilitarista (a ética do mundo possível), síntese da alma prática que só calcula, busca na universal obsessão humana pelo prazer a fundamentação de uma ética para homens, cuja forma universal são os merceeiros ingleses (Marx). 

    CONCLUINDO: O humanismo rousseauniano apostou na educação para a felicidade e virou mera e alienante auto-ajuda. 

    https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20130303154323AAxZNUM 

    “… no caso do olhar do Dr. Bill vai mais além: literalmente ele vê todos corpos como que estivessem sem cabeça. Apenas uma variedade de exemplares sem dignidade humana. Simples objetos para seu experimento científico, um exército industrial de reserva para reposição.

    É curiosa essa aproximação que o filme faz entre a perversão voyeurista e a racionalidade científica do Dr. Bill, o que lembra todas as discussões de Adorno e da Escola de Frankfurt em torno da Indústria Cultural – o psiquismo humano, seus impulsos, desejos e perversões, cientificamente organizados na indústria do entretenimento sob a forma da mercadoria. Esse é o perigo do progresso científico sem ética ou moral: de repente a Ciência torna-se um álibi para a satisfação de perversões, destrutividade e dominação. A luz da razão pode também produzir sombras.”

  2. Utilidade pública: O segundo cérebro que funciona no intestino.

    Sistema nervoso simpático dor de barriga. ( comentário, apenas para quem leu o texto todo)

     

    Dor de barriga pode ser causada por: estresse.  –  http://ganhebusqueaqui.blogspot.com.br/2010/12/sistema-nervoso-simpatico-dor-de.html Você está prestes a falar em público; ou acabou de marcar uma entrevista de emprego. De repente, sente uma dor de barriga terrível e a necessidade de correr para o banheiro. De quem é a culpa? Do seu sistema nervoso entérico (SNE), um segundo cérebro que funciona no intestino. É o sistema nervoso entérico – uma das subdivisões do sistema nervoso autônomo, que inclui ainda o simpático e o parassimpático – que diz ao intestino para empurrar seu conteúdo pelo corpo.“Há uma ligação direta entre o impulso das emoções no hipotálamo e a motilidade. Isso ocorre porque o nervo vago, que sai do hipotálamo, enerva o tubo digestivo, estimulando secreções e coordenando os movimentos. Além disso, há hormônios no intestino ligados à emoção, as encefalinas, que são semelhantes aos que existem no cérebro”, diz o Dr. Steinwurz. 
    Como evitar dor de barriga em momentos de estresse?
    Reduzir o estresse com exercícios, respiração profunda, ioga, ou qualquer outro método que ajude você a sem manter calmo, ameniza os sintomas. 
    Dor de barriga pode ser causada por algo que você comeu 
    Todo ano, as doenças transmitidas por alimentos são responsáveis por cerca de 500 mil internações, segundo números do Sistema de Informações Hospitalares do Ministério da Saúde. Nos últimos três anos, mais de 1,6 milhão de brasileiros foram vítimas de vírus e bactérias, como salmonella, Escherichia coli, estafilococos, entre outros.
    Mas como saber se sua dor de barriga tem relação com o que você comeu? 
    Os problemas gastrointestinais tendem a começar devagar e piorar aos poucos, mas a intoxicação alimentar surge de quatro a 24 horas após a refeição e tem vários sintomas: náusea, vômitos, febre, dor abdominal e diarréia. 
    “Preste atenção à intensidade e à duração da dor. Se você tem diarréia, mas vai ao banheiro de vez em quando, pode esperar 24 horas. Mas, no caso de contaminação portoxina botulínica, quando a dor é forte e a diarréia não pára, o socorro tem de ser imediato. Em uma a duas horas a pessoa pode morrer”, diz o Dr. Quilici.Constrangido por causa de gases?
    “Há um certo constrangimento quando se fala de problemas do trato digestivo, sejam gases, diarréia ou mau hálito. Mas, dentro do consultório, tratamos do assunto de forma séria. Criamos uma relação aberta, de confiança e respeito, e o paciente se sente à vontade para falar”, explica a Dra. Maria do Carmo Friche Passos, professora de Gastroenterologia do curso de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
    Antes da consulta, faça uma lista dos exames que já fez, dos médicos que consultou sobre o seu problema, dos hospitais a que já foi, das doenças que já lhe disseram que tinha, das outras terapias e medicamentos que experimentou (isso inclui remédios, com ou sem receita médica, e também terapias alternativas). Você percebeu alguma mudança nos seus hábitos no banheiro? 
    “Valorize os sintomas”, orienta o Dr. Flávio Quilici. O que provoca os sintomas de dor de barriga (estresse, alimentos gordurosos)? O que os alivia (antiácidos, redução de estresse)? Como são eles (azia, dor)? Onde, quando e quanto dói? 
    Você sofre com gases ou flatulências ?
    Temos, em média, de 100 ml a 200 ml de gases no tubo digestivo. Sem perceber,podemos eliminar gases de13 a 20 vezes ao dia. “Muitas pessoas têm uma sensibilidade maior à quantidade de gases no organismo, mas isso não significa um aumento real do volume”, revela a Dra. Maria do Carmo. Quem tem cólicas por causa de gases pode tomar um antiácido para revestir o estômago. Os remédios vendidos sem receita médica para reduzir os gases costumam conter simeticona ou carvão ativado, mas, segundo especialistas, não são muito eficazes. Em geral, basta esperar que saiam (ou soltá-los!).“Para prevenir a formação de gases, é importante saber o que causa sua produção e evitar determinados alimentos”, afirma o Dr. Steinwurz. 
    Como evitar dor de barriga, gases, azia e dores no estomago?
    • Mastigue bem e coma devagar.
    • Evite comer em excesso.
    • Não se deite depois de comer; levante-se e faça uma caminhada de 20 minutos. 
    • Evite refrigerantes, chiclete, balas, pastilhas de goma e hortelã, couve-de-bruxelas, repolho e outras hortaliças.
    • Beba pouco líquido durante as refeições; procure não encher o copo.

     

  3. Somos todos formigueiros ?

    Varela e Maturana tem uma teoria do processo cognitivo que é coerente com essa idéia de uma consciencia distribuida por todo o corpo. Cada célula dele participaria do processo cognitivo, e a consciencia integra todos esses processos, não apenas os processos cerebrais. De fato, existem indicações de que coração e intestinos funcionam como cérebros paralelos ao processador central, com o perdão da metáfora reducionista. 

    Aquela famosa experiencia do Dr Libet, em que a decisão de apertar um botão é tomada antes do cérebro participar do processo confirmaria mais essa tese do que propriamente a tese da inexistencia do livre-arbítrio como muitos tentaram argumentar.

    Especulando sobre essas hipóteses, poderíamos considerar também a perspectiva de que isso tudo nos aproxima mais de um super-organismo como um formigueiro ou colméia do que um único organismo individual.

    Quem sabe até os trilhões de vírus e bactérias que habitam nosso corpo participem do processo, que faz do nosso corpo um verdadeiro universo de complexidade inimaginável. 

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