Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Em “Uma Noite de Crime 2: Anarquia” o Capitalismo quer eliminar o “excremento social”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

São as raras as sequências que superam o filme original. “Uma Noite de Crime 2: Anarquia” (“The Purge: Anarchy”, 2014) é um desses raros casos. Não pela estética que, como no original, emula uma produção B. Mas porque é um perfeito documento do espírito de época atual, pós-globalização, no qual o hiper-capitalismo financeiro procura criar uma nova ordem a partir do rescaldo da crise de 2008: o aumento do “excremento populacional” (idosos, aposentados, inválidos, imigrantes, excluídos, miseráveis, refugiados etc.) que nem mais para serem explorados servem. Se o primeiro filme refletia as reações da ultra-direita contra o “Obama Care”, nessa sequência o roteiro de James DeMonaco reflete a nova ordem pós-globalização: formas invisíveis de controle populacional com o objetivo de exterminar o “excedente humano”. DeMonaco dá ao espectador nessa sequência uma noção mais ampla dos efeitos e propósitos da “Purgação” – a noite anual em que todas as formas de crime são permitidas, sob o pretexto de servir de válvula de escape para a besta interior presente em cada um de nós, garantindo a ordem social. Mas os propósitos de controle social são mais sombrios.

A humanidade, que outrora, em Homero, foi um objeto de espetáculo para os deuses olímpicos, tornou-se agora objeto de espetáculo para si mesma. Sua autoalienação atingiu um grau que lhe permite vivenciar sua própria destruição como um gozo estético de primeira ordem.

Walter Benjamin, “A Obra de Arte na Época da Sua Reprodutibilidade Técnica” 

 

Para além dos aspectos estéticos e linguísticos, este Cinegnose interessa-se pelo cinema principalmente como representação do imaginário, sensibilidade ou transformações de uma época. Como o historiador francês Marc Ferro considerava, principalmente o cinema de ficção abre um excelente caminho no campo psicossocial, político e econômico de um momento – as narrativas ficcionais seriam como “verdades parabólicas”, como definia Umberto Eco – leia do pesquisador “Viagens na Irrealidade Cotidiana”.

Embora “parabólicas”, são representações tão próximas da realidade que, em dados momentos, a realidade parece até imitar a arte. Como, por exemplo, as conexões do filme Uma Noite de Crime 2: Anarquia (The Purge: Anarchy, 2014) com os incidentes em Baltimore em 2015 – protestos contra a morte, em circunstâncias misteriosas, de um negro sob custódia da polícia. Motins definidos pela mídia como “A Purgação (“Purge”) de Baltimore”: nas redes sociais circularam mensagens de que uma “purgação” (em referência ao filme The Purge) aconteceria a partir de um shopping e depois iria para o Centro.

Resultado: 144 incêndios em veículos e 15 em prédios. Os motins se iniciaram logo depois do lançamento de Uma Noite de Crime 2: Anarquia (2014), sequência do The Purge de 2013.  

 

 

The Purge como reflexo da Pós-Globalização

O primeiro filme de 2013 nos apresentou um futuro próximo distópico no qual o Governo institucionalizou uma verdadeira noite de crimes chamada “A Purgação”: durante doze horas estão suspensas toda as leis e qualquer cidadão pode cometer crimes sem ser punido.  Uma medida que criaria uma espécie de válvula de escape que diminuiria dramaticamente os números da violência no restante do ano. 

Os ricos usam essa noite de purgação para chacinar as minorias como pobres e inválidos que, supostamente, atrasariam o progresso da América.

O filme foi uma resposta direta à reação popular conservadora que condenou a disposição do então presidente Obama desenvolver um sistema público de saúde (o “Obama Care”) para atender classes socioeconômicas baixas.

O filme focava uma família de classe média que tentava sobreviver àquela noite sangrenta.

Mas na sequência Uma Noite de Crime 2: Anarquia o foco agora é desviado para a periferia – “chicanos” trabalhadores precarizados e personagens de classe média baixa e remediados. No primeiro filme víamos uma nova América recriada pelos “Novos Pais Fundadores” com taxa zero de violência, crescimento econômico e mínima taxa de desemprego. O filme baseava-se na ideia simplista e preconceituosa conservadora: os pobres e inválidos atrasam a nação. Por que? Ora, porque não servem para nada! Pior, vivem às custas do Estado.

Porém, essa continuação detalha com uma precisão sombria o porquê do sucesso econômico da Nova América construída pelos “Pais Fundadores”: matar aqueles que nem mais para sere explorados servem – uma nova e eficiente forma de controle populacional para exterminar o excremento social dos chamados “excluídos”.

 

 

Uma Noite de Crime 2: Anarquia representa um momento bem diferente daqueles dos conservadores se opondo ao “populismo” do “Obama Care”. Aqui, vemos o momento pós-Globalização no qual estamos entrando – uma nova economia que deve lidar com o rescaldo da globalização pós crise de 2008: o aumento da desigualdade, da pulverização das garantias sociais, guerras e terrorismo. O fim dos explorados e o crescimento exponencial dos excluídos: aqueles que nem mais para serem explorados servem ao Capitalismo. Esse é o pano de fundo da necessidade de um brutal controle populacional, como representado pelo filme.

O Filme

Uma Noite de Crime 2: Anarquia leva a “purgação” para caminhos obscuros não abordados no primeiro filme. O filme original parece extremamente controlado perto dessa continuação: aqui, os social e economicamente mais fracos são os mais vulneráveis sem ter como pagar uma proteção (há um mercado negro de venda de proteções). Há agressão sexual, vingança, destruição em massa, saque, roubo e comportamentos verdadeiramente psicóticos.

A história evolui a partir de três conjuntos de personagens que involuntariamente se encontram para resistir à violência reinante:

Leo (Frank Grillo) que sai às ruas armado até os dentes em um carro blindado com uma agenda bem definida: vingar-se do assassino do seu filho – ele o atropelou alcoolizado;

Eva (Carmen Ejogo) e Cali (Zoe Soul), mãe e filha hispânicas que vivem de subempregos cuja renda é para pagar caros remédios para o seu avô com uma doença degenerativa. O seu prédio é invadido por um grupo de choque militarmente organizado que as arrasta para as ruas para serem executadas por alguma forma ritual;

 

 

Shane (Zach Gliford) e Liz (Kiele Sanchez), um casal em conflito de relacionamento que há poucas horas do início da purgação veem-se nas ruas com o carro quebrado e perseguidos por um numeroso bando mascarado.

Relutantemente, Leo resgata Eva e Cali das mãos do misterioso grupo militarizado e na fuga encontram Shane e Liz perdidos nas ruas que ecoam gritos, tiros e explosões. Cabe  a ele, fortemente armado, conduzir esse grupo à salvo no seu destino, e ainda arrumar um tempo para realizar a sua vingança pessoal até os últimos minutos da Purgação.

Leo é o anti-herói taciturno – ele teria tudo para ser mais um “vigilante” assassino, mas encontra um pouco de humanidade em toda selvageria da Purgação. 

Mas a sua ação como um herói que salva pessoas não será aceita por aqueles que gerenciam a noite de crimes. Essa é a vantagem em relação ao filme original The Purge – Uma Noite de Crime 2: Anarquia é uma das raras sequências que consegue ser superior ao original. Isso porque aqui o diretor e roteirista James DeMonaco dá ao espectador uma noção muito melhor dos efeitos e propósitos mais amplos da Purgação.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

2 Comentários

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  1. Ja havia comentado com amigos
    Que essa quadrilogia parece muito com o grande plano de extermínio de pobres pretos e petistas do Bolsonazi.

    Alem do três primeiros filmes, ha um 4o, que é um “prequel” mostrando a 1a noite de crime, e também uma serie em 10 episódios disponivel na Amazon Prime Video.

  2. A realidade e a fantasia
     

    Assistir filmes com esse nível de violência, para mim, é como querer ter saúde me alimentando de carniça.

    A realidade já vem me causando suficiente indigestão.

     

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