Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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“Kaili Blues” desafia espectador ocidental com sensibilidade budista, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Numa dos mais ousados planos-sequência do cinema recente, 40 minutos acompanhando a viagem do protagonista no interior de pequenos povoados da China, o diretor Gan Bi busca uma sensibilidade budista mística sobre os pequenos eventos do cotidiano. O filme “Kaili Blues” (2015) é um desafio para um espectador ocidental: enquanto estamos acostumados com um cinema que tematiza as crises existenciais e da perda de identidade, o cinema chinês de Gan Bi busca, ao contrário, o fluxo e a superfície das águas de um rio – a crise surge quando tentamos buscar a permanência nas memórias e na própria identidade. Ilusões que escondem o fluxo contínuo (“samsara”) da vida. Fluxo tão desafiador como o plano-sequência no qual acompanhamos a viagem de um médico que retorna a sua terra natal passando por uma estranha cidade.  

Nos filmes ocidentais a crise existencial toma a forma da crise de identidade em questões como a memória, a morte, o amor e a juventude – o medo do fim e da busca de uma essência interior que faça alguém permanecer autêntico no devir dos acontecimentos. O melhor exemplo é o cinema existencial de Ingmar Bergman (Juventude, O Sétimo Selo, Morangos Silvestres) que explora aquilo que chamamos de “humano, demasiado humano”, marca do cinema europeu.

Ao contrário, o cinema asiático, particularmente o chinês, descreve a concepção budista da fluidez das almas e da arbitrariedade da experiência individual. O “humano, demasiado humano” ocidental é substituído pelas reflexões do ser no fluxo de um rio que chamamos de existência (“samsara” ou “fluxo contínuo”): a busca da permanência ou de algum sentido é cair na ilusão de permanência.

Enquanto o cinema ocidental é hermenêutico (busca um sentido ou permanência), o cinema asiático é fenomenológico – busca o fluxo, movimento numa realidade que é apenas um ilusão, um sonho.

O filme chinês Kaili Blues (2015) é um bom exemplo que comprova essa tese. Um filme que busca no cotidiano ordinário de pequenos vilarejos na China uma sensibilidade budista mística, onde memória e passado são apenas impressões de uma realidade ilusória e a identidade nada mais é do que uma expressão convencional – estados mentais passados, presentes e futuros não têm substância ou existência. 

Na estreia do escritor e poeta Gan Bi, Kaili Blues tenta encontrar na superfície da banalidade do dia-a-dia as manifestações da ilusão do “samsara”.

Um desafio para o espectador ocidental

Nesse filme há muito para um espectador ocidental desvendar. Digamos que o filme exija de nós uma paciência zen para capturar conexões que dificilmente em apenas uma visualização será possível. Estranhas transmissões de TV sobre reportagens sobre avistamentos de um “homem selvagem” (algum tipo de “pé grande”), cenas com uma bola de discoteca, relógios desenhados na parede que funcionam, um trem tridimensional que emerge da parede em uma projeção, imagens de sonhos subaquáticos e uma viagem deslumbrante por meio de paisagens de pequenos vilarejos onde casa e costumes antigos estão sendo substituídos pela modernidade chinesa.

E muitos fragmentos de diálogos espalhados por várias cenas cujas conexões são sutilmente implícitas. Realidade e memória, vivos e mortos vão se fundindo na narrativa. Chegando até sugerir que alguns personagens aparecem em idades diferentes na viagem do protagonista da pequena província de Kaili para um vilarejo chamado Zhenyuan. 

Uma viagem na qual passado, presente e futuro irão se fundir, comprovando a epígrafe que abre o filme, extraído do Sutra do Diamante: 

“não importa quão numerosos são os seres vivos na terra de Buda. Porque as mentes particulares não têm existência real, são somente formas de expressão convencional. E por que? Porque é impossível apreender estados mentais passados, presente e futuros, já que nenhuma das suas atividades da mente tem substância ou existência”. 

O Filme

 O argumento de Kaili Blues é aos poucos introduzido nos diálogo ao longo dos diálogos da primeira meia hora. O médico Chen Seng (Yongzhong Chen) atende pacientes com a ajuda da sua idosa paciente (Daqing Zhao) na pequena cidade de Kaili. Entre as consultas eles discutem sonhos significativos que envolvem os calçados da mãe falecida que flutuam em um rio e amantes que se perderam há muito tempo.

Em meio a essas viagens pela memória, Chen entra num conflito com o meio irmão chamado “Crazy Face” (Lixun Xie) que negligencia seu filho Weiwei (Feiyang Luo). Chen fica enfurecido, por razões que são ao mesmo tempo óbvias (manda o filho embora para Zhenyuan), mas também misteriosas. Crazy Face está mais interessado em fumar, beber e jogar bilhar nos bares com os amigos.

Essa introdução é sugerida de forma elíptica, já que a proposta do diretor é mostrar as ações de forma fluida. Aos poucos descobrimos que Chen é um ex-presidiário, a sua ligação com Monk, um ex-gangster para quem Crazy Face entregará o filho. Monk tem uma estranha fixação por relógios, que os coleciona e os utiliza das maneiras mais inusitadas.

Determinado a recuperar o sobrinho, Chen embarca em uma viagem para Zhenyuan  numa das mais impressionantes utilização da técnica de plano-sequência: são 40 minutos em uma única tomada, em tempo real, com giros de 360 graus, travelings, zoons in e out em torno dos personagens e ações que faria o pioneiro russo Dziga Vertov (O Homem da Câmera, 1929) aplaudir de pé. 

A viagem de trem e motocicleta e a chegada à lamacenta Zhenyuan na qual engata um passeio em um moto-táxi com um adolescente pouco confiável, viaja por um breve tempo em uma pick-up junto com uma banda de rock pop (com a qual mais tarde fará uma apresentação em um karaokê improvisado) tem sua camisa remendada por uma famosa costureira da província (que é seguida pelo adolescente da moto-táxi e sonha virar guia-turístico em Kaili) para depois ter o seu cabelo lavado por uma esteticista antes da apresentação da banda pop.

Em constantes movimentos da câmera, o diretor rastreia os diálogos das pessoas através das ruas enlameadas, escadarias estreitas e becos. Há uma desordem autoconsciente e uma coreografia magistral que criam uma inquietação que está em sintonia com as próprias inquietações de Chen.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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  1. A História de Buda

    A versão extra oficial da vida de Buda

    Sidarta Gautama, foi um príncipe, em um Reino da Índia, pois na época a Índia era dividida em vários Reinos. Viveu mais ou menos 500 anos antes de Cristo. Buda é um adjetivo que deram a sidarta que significa “Iluminado “

    Conta a lenda que Sidarta era um Rei que não se importava a mínima para questões existenciais, e vivia sua vida na luxuosa corte, com esposa, filho, e curtindo todo o luxo que a realeza lhe proporcionava.

    Veio um dia, que o Reino de Sidarta foi atingido por terrível guerra, ele foi invadido por um Rei do reino vizinho. sidarta, que voltava de uma caçada na floresta, com sua comitiva, foi assaltado no trajeto de volta ao palácio, em plena floresta. Lutaram corajosamente, mas toda a comitiva morreu. Apenas Sidarta sobreviveu, dado como morto, inconsciente devido a hemorragia. E Sidarta foi resgatado após a batalha por um grupo de saqueadores que passava para pilhar os despojos dos mortos, cuidaram de sidarta até ele recuperar de seus ferimentos de batalha.

    Após voltar para o palácio, tem uma surpresa. seu palácio foi destruído, o Reino vizinho venceu a guerra, sua família e amigos aparentemente morreram na guerra, e sua cabeça estava a prêmio. Então ele  teve de fugir disfarçado de mendigo para outros países.

    Aqui começa a aventura de Sidarta

    ——

    Em seus muitos anos de peregrinação como mendigo, Sidarta adquiriu humildade, Sabedoria, experiência de vida. E mais, adquiriu uma visão de como os pobres de seu povo viviam. Isto foi importante.

    Após ter aprendido muito com vários Mestres Espirituais da Índia, Sidarta ressurge, desta vez como um líder religioso de seu povo. 

    As vivências com a guerra o levaram a reconhecer o valor do pacifismo e da não violência. As vivências com a pobreza extrema o levaram a defender os mais pobres, pois Sidarta passou a aceitar mendingos e párias nos seus mosteiros, com a mesma naturalidade com que aceitava Reis. 

    A vivência nas florestas o levou a ter um grande respeito pela vida selvagem, por todos os animais e plantas. Dizem que Sidarta tinha o raro dom de se comunicar com animais. Ele podia entrar em uma floresta cheia de tigres, cobras, elefantes e crocodilos, e não ser atacado, e isto lhe rendeu imensa fama e admiração. Na verdade isto é apenas uma das consequências da meditação profunda, pois os animais só atacam o ser humano se perceberem o medo nele. Como a pessoa que medita com frequência adquire incrível serenidade, acaba não sendo atacada por animais de espécie alguma.

    Uma das poucas coisas que lhe sobrou na vida foi meditar, arte que se dedicou muito.

    Criou um sistema filosófico baseado na não violência; no pacifismo, na humildade e espírito de renúncia; na ética e respeito por todos os seres vivos; no respeito por todas as classes sociais; na renúncia de todos os vícios e pendores; na serenidade perfeita do espírito; na ausência de desejos e paixões terrenas; no respeito ao meio ambiente; na meditação, Paz Interior,  e introspecção.

    Os exemplos de Sidarta sobre a não violência inspiraram Mahatma Gandhi, quando este lutou pela libertação da Índia do domínio colonial inglês.

    ———-

    Como líder, Sidarta nunca incentivou o povo a exigir seus direitos, mas sim, buscar em si mesmo a causa de seus infortúnios. Segundo ele, cada ação resulta em uma reação, o que ele chamou de carma. Cada um cria seus infortúnios para si mesmo, com ações erradas. Segundo Sidarta, não basta tirar o povo da miséria, mas é preciso tirá-lo da ignorância, que é a maior de todas as misérias.

    Muitos não consideram o budismo uma religião, mas apenas um sistema filosófico. Existem pessoas que embora tenham suas religiões, procuram aprender mais sobre os ensinamentos de buda. Como dizem os Mestres Zen, você pode gostar de pêssegos e maçãs simultaneamente, uma coisa não interfere na outra.

    Até hoje, milhões de mendigos, párias e pessoas de todas as classes sociais da Índia, procuram seguir os ensinamentos de Sidarta talvez por estas e outras a Índia seja um dos países onde existe grande respeito ao meio ambiente e a vida selvagem. Também a Índia é um dos países com grande número de religiões convivendo pacificamente entre si graças a estes ensinamentos.

    Toda religião ou sistema filosófico que ajudem a melhorar o ser humano, são válidos.

     

    ” A Luta não é do bem contra o mal, mas da Sabedoria contra a ignorância. “

    ” Uma pessoa só é nobre quando consegue sentir compaixão por todas as criaturas.”

    ” Jamais, em todo o mundo, o ódio acabou com o ódio; o que acaba com o ódio é o amor. “

    ” A causa da derrota, não está nos obstáculos, ou no rigor das circunstâncias, está na falta de determinação e desistência da própria pessoa. “

     

    ” Toda sensação de perda vem da sensação de posse. “

     

    ” Por mais que na batalha se vença um ou mais inimigos, a vitória sobre si mesmo é a maior de todas as vitórias. “

     

    ” A causa de todo sofrimento humano está no desejo e no apego. “

     

    Sidarta Gautama

     

     

     

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