Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Filme “Resolution” faz jogo mental com o espectador

O filme Resolution (2012) é um desafio conceitual ao espectador. Em uma estimulante combinação de desconstrução metalinguística e misticismo gnóstico o filme é um verdadeiro sopro de renovação no subgênero “horror-em-cabanas-remotas” de filmes como “A Morte do Demônio”, “A Cabana do Inferno” ou “A Bruxa de Blair”. Não espere festas com jovens bebendo e fazendo sexo enquanto demônios estão à espreita para matar. Ao contrário, o filme oferece um enigmático jogo mental onde, enquanto o protagonista tenta desintoxicar um amigo viciado em crack, cresce o mistério entorno daquela cabana onde estão: será que os estranhos acontecimentos fazem parte de alguma conspiração de seitas ocultistas, de alienígenas ou apenas de traficantes? Ou a realidade é tão ilusória quanto uma película cinematográfica. A resposta pode ser mais radical do que filmes como “Matrix” e “A Origem”.

Dentro da história da linguagem cinematográfica vivemos uma momento cada vez mais auto-referencial e metalinguístico. E não estamos falando de filmes de arte ou de vanguarda, mas de filmes que integram circuitos comerciais de distribuição, filmes que parecem querer desconstruir o gênero, a cultura pop e a própria linguagem cinematográfica.

Após o gnosticismo pop de filmes como Show de TrumanMatrix e A Origem onde a realidade é desconstruída a tal ponto que o protagonista não consegue mais distinguir o que é simulação e realidade, acompanhamos nesse início de século uma nova tendência de desconstrução, dessa vez do próprio cinema, onde o roteiro, produção, linguagem etc. acabam se tornando o próprio tema dos filmes.

De filmes como Mais Estranho Que a Ficção (onde o protagonista descobre que a sua vida é uma narrativa que está sendo criada por uma escritora), passando pelo experimentalismo de David Lynch em Império dos Sonhos (onde assistimos a mais de três horas de um filme cuja narrativa caótica se deve ao fato de que estamos diante de cenas de uma produção não editada) até chegar em O Segredo da Cabana (onde a desconstrução do gênero se encontra com a desconstrução da própria realidade ao melhor estilo Matrix), vemos amostras do crescimento de um sensibilidade contemporânea cada vez mais auto-referencial e metalinguística.

Já havíamos observado essa tendência também em produções audiovisuais para públicos infantis como a série da BBC Mister Maker ou das animações Hora de Aventura e Apenas Um Show: conteúdos infantis na mídia deixam de ter uma narrativa épica (centrada na ação e heroísmo – cavaleiros, bruxas, piratas, trens a vapor etc.) para adquirirem uma narrativa metalinguística, reflexiva, irônica.

A produção independente de baixíssimo orçamento Resolution dos diretores Justin Benson e Aaron Moorhead, a princípio é mais um filme que confirma essa tendência contemporânea ao fazer um meta filme de horror: faz constantes referências aos clichês do subgênero “horror na cabana” (A Morte do Demônio, Cabana do Inferno, A Bruxa de Blair etc.) para subvertê-los. Mas, conceitualmente, é um filme desafiador, pois o seu exercício metalinguístico não se limita ao cinema, mas alcança a própria realidade: como o próprio pôster promocional sugere, a própria realidade pode ser uma produção cinematográfica e a textura do real uma película.

Por isso Resolution é uma novidade dentro dos filmes gnósticos: se em Matrix vemos um filme que denuncia que a realidade pode ser uma manipulação virtual, em Resolution a realidade não só pode ser uma manipulação fílmica como o próprio filme que assistimos pode fazer parte disso! É o que poderíamos chamar de um filme cuja narrativa é essencialmente recursiva.

O Filme

O filme começa quando somos apresentados a Mike (Peter Cilella), um homem de família com um bebê a caminho que perplexo assiste a um vídeo enviado por e-mail mostrando o seu amigo de infância Chris (Vinny Curran) em flagrantes de sua vida em uma cabana remota, viciando-se em crack e totalmente fora de si. No final do vídeo é mostrado um Google Map apresentando a localização e os caminhos para se chegar à cabana. Mike interpreta aquilo como um pedido de socorro e vai até o local para tentar submeter o amigo a um programa de desintoxicação para salvá-lo.

Como era previsto, Chris resiste a qualquer forma de reabilitação, obrigando Mike a algemá-lo a um cano para que ele enfrente à força a síndrome de abstinência. A tensão começa a aumentar quando Mike começa a examinar a cabana e seu entorno e começa a encontrar estranhos objetos (fotografias antigas, livros velhos, rolos com estranhos filmes) e personagens (traficantes, um misterioso e solitário francês que mora em um camping trailer etc.). Tudo piora quando três homens chegam à cabana para ameaçá-los: eles estão em uma reserva indígena e têm que sair de lá sob a ameaça de serem mortos.

Aos poucos, Mike começa a suspeitar que por trás de tudo isso está acontecendo alguma coisa sinistra e sobrenatural: os rolos de filmes mostram pesquisadores franceses envolvidos com telecinesia, UFOs, fantasmas, Nikola Tesla ou arqueologia sobrenatural. Ao redor da cabana indícios  do que parecem ser altares rituais de pedra indígenas e cavernas com estranhas pinturas nas paredes.

E o maior mistério de todos: quem enviou o vídeo com o suposto pedido de socorro de Chris se a cabana não tem computador ou conexão com a Internet?

Um filme recursivo

Como dissemos acima, o filme é um desafio conceitual. Desde o pôster promocional do filme (a imagem da cabana onde se pode observar nas margens do pôster os furos tradicionais de um rolo de película cinematográfica) passando pelas pistas que vão sendo plantadas ao longo da narrativa até a cena-chave onde Mike conversa com o misterioso francês do trailer, percebemos que nada é o que aparenta ser.

Para começar, não temos os tradicionais personagens desse subgênero: festas de adolescentes que bebem e fazem sexo em uma cabana remota enquanto demônios e fantasmas estão à espreita. Temos um homem casado com sua esposa à espera de um filho tentando ajudar um amigo de infância que fez as piores opções possíveis na vida.

E depois as pistas que são jogadas aleatoriamente ao espectador que remetem aos clichês de filmes de terror (conspiração de alguma seita ocultista?; fantasmas indígenas?; alienígenas?; um slasher movie com traficantes e drogados?) são meros artifícios metalinguísticos de desconstrução do gênero. Isso sem falar que Resolution explora a xenofobia norte-americana: o mal só pode vir de estrangeiros, representados no filme por indígenas e misteriosos franceses. Esperamos que em algum momento essas figuras suspeitas liberem toda a maldade prevista.

A cena chave da compreensão do conceito do filme está precisamente no encontro de Mike com Byron, o misterioso francês que mora em um camping trailer próximo. O diálogo é desconcertante e aparentemente sem sentido: “às vezes olho para cima e olho para o infinito… eu vejo um filme… uma película lá, e por trás dela está outra, e outra e uma outra…”, diz Byron, enquanto manipula um pequeno espelho que reflete Mike e o outro espelho atrás dele, criando um efeito recursivo infinito de espelhos que se refletem mutuamente até perdermos a distinção entre o refletido e o reflexo.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

3 Comentários

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  1. Restou a nostalgia

    Trocaram “jovens-fazendo-sexo” na cabana pela “conspiração-alienígena-de-outro-planeta”.

    Interessante mudança, não? Reflexo desta chatíssima época que vivemos.

    Gostaria de ler o que minha ídola, a cineasta italiana Lina Wertmuller, diria a respeito.

    Desapareceram “sedução, anarquia e sátira” e restou a nostalgia. No original, em italiano:

    “Anche la trama e le azioni principali degli attori riflettono i conflitti socio-economici (come per esempio la lotta di classe) presenti nella storia dell’Italia. Malgrado questo, il cinema wertmülleriano è raramente didattico e/o didascalico ma spesso riflette le sensibilità iconoclaste della regista.” ( fonte: http://it.wikipedia.org/wiki/Lina_Wertm%C3%BCller )

    Foi uma boa época e sabíamos disso.

    1. Leia o texto melhor e/ou veja o filme – ou vice-e-versa

      Leia o texto e veja o filme – ou vice-e-versa… o filme é mais inteligente do que isso. A “conspiração-alienígena-de-outro-planeta” é mera cotina de fumaça para um jogo muito mais instigante do que essa mera substituição que o Sr. Bintje sugere.

      1. Ou ele não assistiu, ou se o

        Ou ele não assistiu, ou se o fez, não entendeu. E por falar em entendimento, não apreendi aquele gesto de Chris no fina(não vou citar para não ser spoiler).

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