Indiana Jones e a perdição dos ocidentais, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Há um abismo entre a forma como os outros povos vivem (e se representam para si mesmos) e como eles são representados no cinema produzido pelos EUA. Um abismo ainda maior pode ser encontrado entre os norte-americanos cinematográficos e aqueles que povoam as violentas (e na fase atual, decadentes) cidades dos EUA. Em ambos os casos o que predomina é sempre a ideologia. No cinema “made in USA” o pior dos americanos é melhor que o melhor dos estrangeiros. Os outros povos quase sempre fornecem os vilões que serão derrotados pelo herói norte-americano ganancioso e, paradoxalmente, altruísta.

Um caso típico deste fenômeno pode ser visto no filme “Indiana Jones e o Templo da Perdição” (1984). O herói e seus acompanhantes acabam se envolvendo na disputa entre aldeões pobres, cujos filhos foram raptados, e o marajá que governa a região. Indiana Jones descobre que um assessor do governante reiniciou o culto dos tugues. Os adoradores de Kali praticam sacrifícios humanos e pretendem reconstruir seu poder infame encontrando pedras mágicas que, juntas, irão conferir imenso poder ao seu dono.

O contexto histórico da rebelião dos tugues não é objeto do filme. A extrema brutalidade com que ela foi suprimida pelos ingleses também não é objeto de qualquer referência. Tudo que desacredite a superioridade ocidental ou que justifique o levante dos exasperados adoradores de Kali na Índia é cuidadosamente omitido no filme referido.

O expectador ocidental é, intencionalmente, levado a formar uma imagem positiva do ocidente e negativa do oriente. O orientalismo, processo de construção desta imagem distorcida do oriente por ocidentais (fenômeno que ocorre em  “Indiana Jones e o Templo da Perdição”) foi bem descrito por Edward  W. Said.

Nos últimos meses os EUA foram chacoalhados por um crescimento exponencial dos tiroteios com vítimas fatais. Os incidentes envolvendo atiradores estão ficando cada vez mais comuns e sangrentos. As motivações dos autores das chacinas são bizarras, absurdas e incompreensíveis para os brasileiros.

Em alguns casos, as tragédias foram motivadas por racismo e/ou por causa da derrota do sul na Guerra Civil em meados século XIX. O anacronismo político destes neo-confederados que invadem igrejas para matar dezenas de negros é evidente. Em outros casos, os tiroteios ocorreram entre quadrilhas de criminosos (guerra entre gangues de motoqueiros, envolvidos com drogas, pelo controle do estacionamento de um Shopping). A loucura homicida dos foliões fantasiados de zumbis que se matam uns aos outros numa passeata é inexplicável. Todos estes incidentes são sintomas de um único mal: a imensa facilidade dos norte-americanos para comprar armas automáticas e munição em grande quantidade.

Barack Obama está tentando impor restrições à venda de armas automáticas e de munição. Dificilmente ele conseguirá ter sucesso. A população norte-americana resiste a ser desarmada. Políticos dos dois grandes partidos aceitam contribuições eleitorais dos fabricantes de armamentos nos EUA e, obviamente, não prejudicarão seus padrinhos. O cristianismo é uma religião que valoriza a vida. Mas nos EUA ela acabou se transformando num culto de morte, pois até mesmo os pastores mais conhecidos (aqueles que pregam na TV) rejeitam o controle da produção e venda de pistolas e fuzis.

Ainda há seguidores de Kali na Índia. Nada indica, porém, que eles pretendam reconstruir um “poder tugue” como sugerido no filme “Indiana Jones e o Templo da Perdição”. A violência por razões religiosas na Índia se limita aos conflitos que ocorrem ocasionalmente entre os membros das diversas seitas religiosas que existem naquele país. Nos EUA, contudo, a violência homicida tem invadido até as Igrejas evangélicas. Mas eu não vi nenhum filme indiano satirizando o culto disfarçado de Kali nos EUA. Por isto resolvi dar uma cutucada nos norte-americanos através do Twitter:

In Brazil, @BarackObama, I have seen many movies made in the USA satirizing the Kali cult in @Indiagovin.

Every day @BarackObama countrymen are killed in shootings and by Cops. But I did not see a @Indiagovin movie satirizing Kali cult in the US.

Não há no oriente nenhum movimento cultural relevante que se pareça ao orientalismo largamente praticado nos EUA e na Europa desde o século XVIII. Suprema ironia: os bárbaros orientais idealizados por ocidentais seguem sendo bem mais civilizados do que norte-americanos e europeus. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

6 Comentários

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  1. Sabe aquela história, Fábio,

    Sabe aquela história, Fábio, “ele é boa pessoa, não fala mal de ninguém”?

    Pois é, estou prá ver algum país mais malediscente e intrigueiro do que os EUA e sua indústria cultural. Pior que a fofoqueira maldosa do bairro, aquela que fica no portão de casa falando mal da vida dos outros. Para ela ninguém presta exceto ela mesma, claro. Esse é o U.S.A….

  2. elite culta e o comedores de pipoca e hotdog
    Como todos sabem nos EUA tem uma elite culta bastante reduzida nas grandes cidades(NY,Boston etc) e o resto são comedores de pipoca ;hotdog sem grande aspirações.

    Para esses é natural os tiroteiros diarios, pois a vida segue.

    Não há muito que filosofar sobre esse tipo de gente…

  3.  
    Duas coisa que eu nunca

     

    Duas coisa que eu nunca entendi nos filmes de cowboys. Por que os índios nunca aparecem usando revólveres? E por que os brancos não usam cavalos malhados? 

     

  4. Tenho um amigo americanista

    Tenho um amigo americanista mesmo. Morou lá muitos anos, inclusive. Ele diz assim mesmo: “eu amo os EEUU de verdade. Por isso acredito que o melhor deles so poderá ressurgir depois que uma meia dúzia de bombas atômicas explodirem por lá.”

  5. Debate

    Bem, o texto explicita uma visão, até certo ponto, simplista/fácil da questão dos estereótipos. Apesar de os estadunidenses verem o mundo “por sua lente”, penso que o artigo demonstra também um ponto de vista estereotipado nosso em relação aos “gringos”.

    Vamos lá: os EUA são um país de 320 milhões de habitantes (1,5 pop. Brasil, com tamanho de território similar, excetuando-se o Alasca) iminentemente de classe média. Apesar de o “estereótipo nosso” de impingir-lhes uma “imagem demoníaca”, trata-se de país com comprovadas virtudes (e também fracassos!), onde se respeita a liberdade individual de uma forma que em nosso Brasil nunca jamais vimos. São idiotas? Alguns sim, outros nem tanto e muitos de verdade não o são. Não seriam potência só por causa dos tanques. Há muita gente que pensa (à direita e à esquerda)

    Em termos de violência, a taxa de mortes violentas nos EUA em 2014 girou em torno de 12.000 (12.009 acho para ser mais exato – http://www.statista.com/statistics/195331/number-of-murders-in-the-us-by-state/ ). Em nosso País, infelizmente, as estatísticas oficiais (sabidamente “pedaladas”), registrou algo próximo a 55.000. Concordo sim com que o texto disse: eles estão realmente apavorados com a explosão de violência (vivo nos EUA em um subúrbio de Baltimore), mas comparemos….

    Por fim, penso que o mal que aflige o Brasil passa pelo fato de sempre tentarmos culpar os outros pelos nossos problemas/desfortúnios. Infelizmente, nem sempre (ou quase nunca o “Império do Mal”) está por trás de nossas crises. Que eles se aproveitem de nossas fraquezas, isso é sabido, até porque são pragmáticos ao excesso, ao contrário da gente… Ou seja, aceitemos nossos fracassos, lambamos nossas feridas e resolvamos nossas questões, independentemente de ficarmos sempre à busca de um culpado.

    Abs,

    Carioca desterrado

    1. Sua defesa apaixonada dos EUA

      Sua defesa apaixonada dos EUA não me faz chorar, apenas rir. Você é ao mesmo tempo vítima do orientalismo (fenônemo que não questionou porque ignora a obra de Edward Said) e um instrumento do mesmo apesar de ser apenas um ocidental com complexo de vira lata. Ha, ha, ha… você realmente me fez rir bastante. Continue, por favor…

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