Ninguém faz cinema sozinho, diz Fontoura, por Sofia Paschoal

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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“Ninguém faz cinema sozinho”, diz Fontoura

por Sofia Paschoal

Em entrevista, o diretor e roteirista conversa sobre família, inspirações, paixões, angústias, principais influências e próximos projetos. Comemorando 50 anos da estreia de seu primeiro longa-metragem, o cineasta fala, também, sobre a sua relação com o cinema e diz que não pretende parar de trabalhar enquanto a idade permitir

Numa casa bucólica localizada no Rio Comprido, bairro histórico do Rio de Janeiro, vive o cineasta Antonio Carlos Fontoura. Muitos livros, plantas por todos os lugares, cartazes dos seus próprios filmes e quadros que dão vida às paredes, como A Bela Lindonéia, de Antônio Amaral, e o famoso cachorro Rex, de Angelo de Aquino, ambos seus amigos. Em uma estante, uma Coca-Cola zero grafada com “Antonio” e uma garrafa de Biotônico Fontoura fazem referência ao nome do diretor. Assim é a moradia que divide com Letícia, sua esposa há 30 anos, e com Glorinha, um filhote de Podengo Português que mais parece gente. A casa ao lado é ocupada pela sua produtora, Canto Claro, provando que, para Fontoura, a linha entre trabalho e descanso é, de fato, muito tênue. Aos 78 anos, diz que os 80 são os novos 50 e que não pretende parar de trabalhar tão cedo. Atualmente, comemora meio século do lançamento de seu primeiro longa e se prepara para realizar seu novo projeto, o filme de ficção Alma.

“Glorinha, temos visita!”- acena com a cachorrinha no colo e conta que, desde que seu filho mais novo se mudou para Portugal, encontraram em Glorinha a fonte de energia da casa. A família é uma das coisas mais importantes para Fontoura, que já foi casado outras duas vezes e tem três filhos — dois do segundo casamento e um do atual — e cinco netos, com idades que variam entre dois e 20 anos.

Antônio Carlos Fontoura estreou sua carreira com o curta Heitor dos Prazeres(1965), sobre a vida do compositor e artista plástico. Seu primeiro longa, Copacabana me engana, foi lançado em 1968 e obteve um público muito acima do esperado: mais de um milhão de espectadores. Hoje, com uma carreira composta por cerca de oito longas, 16 curtas-metragens e diversas minisséries e programas de TV, Antônio se divide entre a casa no Rio Comprido e o seu refúgio particular: um pequeno sítio em Friburgo, interior do Rio, onde exerce sua profissão nas horas vagas: comercializa as verduras e frutas orgânicas ali cultivadas.

Acorda cedo, toma café na varanda, lê o jornal — “o jornal é uma fonte interminável de ideias para roteiros”, diz Fontoura –, passeia com a cachorrinha, trabalha muito nos vários projetos que pretende tirar do papel e, nas horas vagas, vai ao cinema. Essa é sua rotina. Quando pode, vai para o mato. A natureza é a sua inspiração.

Sobre a coisa mais inesperada que já fez na vida, a resposta não vem assim tão fácil. “São muitas. Até porque o artista recebe tantas coisas do inconsciente coletivo, dos seus antepassados e até mesmo do seu próprio DNA que fica difícil citar uma só situação”, conta. “Mas, entre tudo o que eu vivi, me tornar Ogã de Candomblé por seis anos foi uma coisa que nunca imaginei que pudesse acontecer comigo. Foi lá que me ensinaram uma lição muito importante: aprendi a dar passagem. Tudo o que vier pra você, você deixa vir, não rebate. É isso que o artista precisa fazer”, completa.

Formado em Engenharia Geológica para agradar seus pais, se tornou cineasta por acaso: “eu sempre fui apaixonado por jazz, então quis ser músico. Sempre amei artes plásticas e também quis ser pintor. Por fim, como leitor voraz que sou, quis me tornar romancista. Como não tinha talento para nenhuma das três coisas, fui parar no cinema, a única coisa no mundo que reúne tudo isso”, diz. No entanto, a faculdade de engenharia não se perdeu por completo: “eu tenho uma coisa muito forte que é herança da minha formação acadêmica: assim como os engenheiros, eu gosto mesmo é das coisas simples, cotidianas. O pão sobre a mesa, o cheiro do café. O meu cinema, por exemplo, não é um cinema complexo. Eu tento sempre ter uma linguagem simples e direta”. Para completar, Fontoura diz que é uma frase do Picasso que melhor o define: “eu não procuro, eu acho”.

Antes do cinema, sua primeira participação no mundo das artes foi no Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes, o CPC da UNE. Por meio da UNE volante, viajou todas as principais cidades do país. Era ator e roteirista de peças comunistas que eram apresentadas em teatros de arena e no meio das ruas. Quanto ao cinema, sua primeira experiência foi ao participar das filmagens de Cabra Marcado Para Morrer, uma das obras cinematográficas mais importantes da história do cinema brasileiro, dirigido por Eduardo Coutinho em 1964.

Das pessoas que mais o inspiraram na vida, estão Sidarta Gautama (o Buda), o cineasta italiano Luchino Visconti, os escritores estadunidenses John Steinbeck e Norman Mailer e, por fim, os poetas brasileiros João Cabral de Mello Netto e Carlos Drummond de Andrade. Se pudesse jantar com qualquer pessoa do mundo, atualmente convidaria o escritor japonês Haruki Murakami. “Embora eu não goste de tudo o que ele faz, é uma pessoa que eu admiro muito, sou fã de carteirinha. Ele é de uma criatividade descontrolada, chega a ser impressionante”, explica.

De todos os seus filmes, o que mais gosta é Rainha Diaba, de 1974. Quando questionado sobre a intencionalidade da representação de minorias em plena década de 70, diz que é uma questão natural. “Sempre fui muito aberto quanto à sexualidade, classes sociais, enfim, quanto a tudo. Naquela época, a galera do cinema fumava muita maconha. Um dia, pensei: ‘quais são as mortes que estão por trás desse barato?’ e resolvi fazer um filme sobre a guerra da maconha. Conversando sobre o assunto com Plínio Marcos, ele me contou a história da Rainha Diaba, uma traficante travesti que comandava o tráfico em Santos. Eu apenas dei passagem e aceitei a sugestão”, completa.

Entre o roteiro e a direção, sempre preferiu escrever. Hoje em dia, mudou de ideia: prefere dirigir. “Talvez porque seja mais difícil”, explica. “Escrever é uma coisa que a gente controla. Tendo um tema legal, eu faço um bom roteiro sozinho. Aliás, a escrita é um trabalho muito solitário. Dirigir, por outro lado, é um desafio. O que me estimula na direção é a obrigação de lidar com todos os tipos de pessoas. Do diretor do banco ao carregador do refletor, todo mundo é importante. Ninguém faz cinema sozinho”, reflete. Além disso, diz que o diretor é apenas um padeiro que faz filmes, uma profissão normal, que não deveria ser romantizada. Por fim, critica um hábito muito frequente entre os brasileiros: o endeusamento do diretor simplesmente pela posição que ele ocupa.

Quanto à coisa que mais lhe incomoda no mundo, Fontoura diz, sem pensar duas vezes, que a pior de todas é a desigualdade social. “É vergonhoso, é criminoso, que um grupo tão pequeno de pessoas detenha a maior parte do dinheiro do mundo”, diz. Sobre a crescente tendência entre a população brasileira de pedir pela volta da ditadura, se indigna: “Eu sofri muito com a ditadura, mesmo não tendo sido censurado. Nunca fui militante, só participei da Passeata dos Cem Mil, mas muitos amigos foram presos, outros morreram. É muito irresponsável querer isso de novo, a ditadura não tem e nunca vai ter nada de bom”.

Sobre os próximos planos, Fontoura está lutando contra as dificuldades de financiamento do audiovisual para realizar seu próximo filme, Alma, adaptado de um livro que escreveu há mais de 20 anos. O enredo conta a história de uma personagem que nasceu menino, mas foi criado desde sempre como menina e vira ícone de feminilidade ao se tornar garota propaganda de uma marca de cosméticos. “A história, como tudo, veio por acaso: vi na TV um comercial da Roberta Close para a Denorex e acabei tendo essa ideia. Curiosamente, o restante da história veio do bandido Cara de Cavalo, criado desde criança como menina pelos pais”, finaliza.

Sofia Paschoal – fotógrafa e estudante de jornalismo que trabalha com cinema

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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