O antifascista que ‘criou’ a história do filme Casablanca, por Jota A. Botelho

por Jota A. Botelho

A ‘verdadeira história’ de Casablanca
Errata: Randolfo Pacciardi nasceu em 1899.
https://www.youtube.com/watch?v=jpRziE4yFDo align:center]


Pacciardi na Brigada Garibaldi durante a Guerra Civil Espanhola e a matéria sobre sua história do filme Casablanca.

O ANTIFASCISTA E GUERRILHEIRO RANDOLFO PACCIARDI – Em seu livro autobiográfico, Pacciardi narrou seu encontro com o escritor norte-americano Ernest Hemingway, naquela época correspondente da Guerra Civil Espanhola, e com sua companheira Martha Gellhorn: “Em um momento de repouso da Brigada convidamos alguns jornalistas e escritores estrangeiros presentes em Madrid. Fazia as honras da casa o poeta Alberti que nos animou com as suas improvisações poéticas facilmente cativantes, como uma paródia de ‘Cucaracha’. (…) Hemingway apareceu com uma jornalista de rara beleza, Martha Gellhorn, que é também correspondente em outros jornais americanos”. Em uma carta de sua correspondência, intitulada ‘Cuernavaca, 1950’, Gellhorn escreve: “O tempo que eu amei Ernest – e eu realmente amei – foi por causa de Pacciardi: nós nos encontramos em Valencia com roupas civis, o governo havia dissolvido as Brigadas Internacionais, deixando-o sem dinheiro e documentos, sem um futuro. Pacciardi retornaria à França, apátrida e na penúria, o coração estava partido, mas não se lamentou, ele não disse uma palavra. De repente senti Ernest chorando, encostado na parede – eu nunca o tinha visto chorar – mas chorava por Pacciardi, como se o odiasse qual a um rival no amor”. Posteriormente, Gellhorn se inspirou em Pacciardi para o protagonista do romance ‘The heart of another’ e o reviu novamente como Ministro da Defesa, em Roma, depois da guerra.


O cineasta Michael Curtiz com o Produtor Hal B. Wallis e os atores Humphrey Bogart e Ingrid Bergman no set de filmagens de Casablanca. 

Pacciardi ficou alguns meses em Nova York (1942), e recebeu um telefonema do diretor Michael Curtiz, prestes a filmar o filme Casablanca, com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, com um convite para ver as cenas e aconselhar sobre a atmosfera e os personagens. Pacciardi aceitou, sobretudo pela semelhança da história do personagem de Victor Laszlo e sua esposa (Ingrid Bergman no filme), com a que ele realmente viveu em 1941, autorizando – anos mais tarde – o Secolo d’Italia a especular que o filme foi inteiramente inspirado na figura do antifascista italiano. Todavia, Giuseppe Loteta, que tinha recolhido as memórias de Pacciardi, mesmo incluindo o ‘conselho’ deste para as filmagens de Hollywood, negou categoricamente esta hipótese. (1)

Mas eis a dúvida que vamos tirar com Sebastião Nery, na Tribuna da Internet.(2)

A VERDADEIRA HISTÓRIA DE “CASABLANCA”

Nunca uma mulher foi tão bela no cinema como Ingrid Bergman em “Casablanca”. Nunca, no cinema, uma canção saiu tão maravilhosa de um piano quanto “As time goes by” dos dedos do negro Sam. Nunca um olhar foi mais fascinante na história do cinema do que o de Ingrid Bergman para Humphrey Bogart, no “Rick” de Marrocos.


“Rick” era italiano…

Pois essa história houve. Não bem assim, mas quase assim. O dono dessa eterna história de amor e guerra, resistência e liberdade, que fez de Casablanca um dos três mais citados em todas as listas dos melhores filmes, existiu e o conheci senador. Morreu em Roma em abril de 1991, com 92 anos.
O filme, todos o vimos. Um tcheco, Victor Lazlo, guerrilheiro, líder antinazista, caçado por Hitler na Europa inteira, chegou à Casablanca com a mulher, para conseguirem passaportes e fugirem, porque Marrocos ainda era francês, embora os alemães, ocupando a França, também lá estivessem.

INGRID BERGMAN

O tcheco vai com a mulher, a luminosa e doce Ingrid Bergman, ao cassino para um encontro, atrás de passaportes falsos. No piano, um negro. A mulher de Lazlo o reconhece: “Sam, toque aquela canção”. Ele diz que o patrão proibiu. Ela insiste, de repente aparece o dono do cassino, Rick, o elegante Humphrey Bogart, cigarro nos dedos, e manda: “Toque”.

As Time Goes By, a canção inesquecível de Casablanca
https://www.youtube.com/watch?v=Z7cyVw7DMBk align:center]

Ele toca “As time goes by” (“Enquanto o tempo passa”). Os dois tinham sido namorados em Paris, até a ocupação alemã, quando fugiram, cada um para seu lado, e agora ela era a mulher do líder tcheco. Tiros, mortes, invasão do cassino, uma arrepiante “Marselhesa” cantada de pé.

La Marseillaise em Casablanca
https://www.youtube.com/watch?v=MmQEv7-w6NQ align:center]

Depois de noites desesperadas, acabam os dois, o tcheco e a mulher, fugindo para Lisboa em um velho avião, com passaportes arranjados por Rick, que, ajudado por um oficial francês, matou o comandante alemão, que foi ao aeroporto impedir a fuga. No cassino, Sam tocava “As time goes by”.

Cenas Finais de Casablanca
https://www.archive.org/details/CenasFinais align:center

O GUERRILHEIRO

Esse é o filme. Na vida real, foi um pouco diferente, mas também fascinante. Randolfo Pacciardi (nasceu em 1889) jornalista, advogado e guerrilheiro, não era tcheco, era italiano. Em 1923, interrompeu um comício de Mussolini na Praça Veneza, e o já quase ditador o chamou de “advogadozinho idiota”.
Quando Mussolini tomou o poder, Pacciardi entrou na luta, foi para Paris. Em 36, estourou a Guerra Civil espanhola, com Hitler e Mussolini apoiando Franco. Pacciardi foi para a Espanha, fundou a Brigada Garibaldi, com André Malraux, Hemingway, o brasileiro Apolônio de Carvalho e outros.
O Partido Comunista espanhol, que comandava a luta contra Franco, deu à Brigada Garibaldi a missão de ir a Barcelona matar os trotsquistas e anarquistas, que também lutavam contra Franco, mas Stalin queria aproveitar a guerra para liquidá-los. Pacciardi negou-se a cumprir a ordem e foi combater Hitler na França. De lá, seguiu para a África (Argélia) para se encontrar com de Gaulle. E acabou em Marrocos com a Ingrid Bergman, dentro de um filme.

COM DE GAULLE

Perseguido pelos alemães e italianos, Pacciardi internou-se em um hospital de Marrocos, para se operar, embora não estivesse sentindo nada. O médico negou-se a operá-lo e acabou descobrindo tudo. Era francês, amigo do comandante francês, levou Pacciardi para casa, arranjou-lhe um passaporte falso (ele era Renné Pigot) e o embarcou no navio português Serpa Pinto.
No navio, ele reencontrou, também fugindo dos alemães, e também com passaporte falso, uma antiga namorada da juventude em Paris, agora mulher do também antinazista, Mendes France, mais tarde primeiro-ministro da França, e que lutava na resistência com De Gaulle. Em Nova York, Pacciardi conheceu Michael Curtiz, diretor de cinema de Hollyood, contou-lhe sua rocambolesca história. Curtiz chamou um roteirista e nasceu “Casablanca”.

Cenas famosas de Casablanca
[video:https://www.youtube.com/watch?v=RIk_yAPMvBI align:center 

O SENADOR PACCIARDI


Na foto (esq/dir): De Gaspari, Saragat e Pacciardi.

Acabada a guerra, Pacciardi volta à Itália, funda o jornal La Voce Republicana, ajuda a fundar o Partido Republicano, elege-se para a Assembleia Constituinte e com Saragat torna-se vice-presidente do Conselho, no governo democrata-cristão de De Gaspari. E ministro da Defesa de 1948 a 1953.
Togliati e o Partido Comunista italiano não lhe perdoaram jamais por se ter negado a cumprir na Espanha as ordens de Stalin para eliminar os anarquistas e trotsquistas, aliados deles. Fizeram uma campanha terrível contra Pacciardi, acusando-o de “traidor” e “vendido aos Estados Unidos”.
Para Togliati (como Agildo Barata para Prestes), Pacciardi era um “bandido, lacaio da CIA”. Quando Berlinguer, líder do Partido Comunista Italiano, começou o eurocomunismo, os comunistas reviram o que diziam de Pacciardi e, no seu enterro, ele já era um “herói da Pátria, da liberdade”.
Em 1990, em Roma, o conheci já velhinho, senador vitalício, com 91 anos e lançando as memórias, “Cuore da Battaglia”, na qual conta a história de Casablanca.

Depoimento e Posse de Pacciardi no Governo Gasperi
Randolfo Pacciardi (1899-1991), Ministro da Defesa no Governo de Alcide De Gaspari e fundador do Partido Republicano Italiano.
[video:https://www.youtube.com/watch?v=FPjatcKLSU8 align:center

RECORDAR É VIVER: O filme Casablanca

[video:https://www.archive.org/details/MichaelCurtiz align:center

(1)Tradução aos trancos e barrancos, em curiosidades, do site Wikiwand – Randolfo Pacciardi
(2) Nos meus arquivos havia este artigo de Sebastião Nery, que foi publicado na Tribuna da Imprensa, em 18/11/2005, e que me inspirou este post.
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Jota Botelho

13 Comentários

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  1. Ótima história, pequeno reparo.

    Apenas um pequeno reparo a uma excelente história. No filme, um dos meus favoritos, quando Sam começa a tocar “As time goes by”, Rick chega e diz que aquela música estava probida. Sam apenas aponta Ingrid com o olhar. Mais tarde é que Rick, já curtindo a dor do reencontro, insiste para Sam tocar novamente a canção.

    1. Ô João,

      Certamente o Nery deve ter escrito de cabeça, isto é, no calor da hora, sem as conferências devidas, baseadas em suas lembranças afetivas. Vamos lhe dar este desconto.  Um abraço.

  2. Narrativa fascinante,

    Narrativa fascinante, fantastica, encantadora. A Gueera Civil Espanhola é um dos “momentos da verdade” do Seculo XX

    e sob os ceus de Espanha todos os dramas se desenrolaram, historicos, pessoais, politicos, ideologicos.

    Escrevi aqui no blog mais de 20 artigos sobre a Guerra Civil Espanhola, inclusive tres sobre Enrique Lister, maior comandante miliitar do lado da Republica, com patente de general conferida pela Espanha, outra pelo URSS por sua luta no cerco de Leningrado contra o Exercito alemão, outra conferida por Tito pela sua defesa da Iugoslavia contra Hitler e mais uma patente conferida por Fidel Cstro por seu comando de uma das colunas da Revolução Cubana.

    Poucos lideres militares tiveram atuação em tantas frentes de tantos paises como Lister e como todas as ironias da Historia, morreu de velho, na cama, em Madrid.

     

    1. Caro Andre,

      Concordo com você, e agora eu estou com isso: buscar conexões com a história. Embora meus cursos acadêmicos que foram Relações Internacionais e História ficaram lá pra trás, mas eu sempre tive uma paixão muito grande pelo estudo da história. De fato, a Guerra Civil Espanhola foi um dos grandes momentos de verdade do séc. XX. Sempre me pareceu que o mundo inteiro estava dentro da Espanha. E se quisermos fazer um estudo da derrocada da esquerda foi lá, não tenho nenhuma dúvida. Foi uma guerra que serviu tanto de experimentos para o fascismo no que ele tem de mais bárbaro quanto para as correntes de esquerda das mais variadas, inclusive para Pacciardi que se recusou a cumprir as ordens de Moscou. O trotskismo perdeu lá. Embora eu sempre achei Tróstky um grande sonhador e um grande equivocado, pois basta olhar para quem ainda o representa na esquerda. Se ele tivesse triunfado, a antiga União Soviética seria hoje um imenso quintal do capitalismo. Como aqui, com os equivocos permanentes de nossas esquerdas de cartilhas. Na verdade, para ser internacional é preciso ser nacional antes, a própria etimologia da palavra nos explica: inter + nacional, quer dizer, entre nações. E em última instância foi o que se deu na Espanha: o conflito que era para ser nacional, se internacionalizou-se. Um país que fora imperial e colonialista, monárquico e parlamentarista, ditatorial e republicano, além de profundamente religioso, tudo isso em menos de 40 anos, e atrasado, que adotou um capitalismo tardio, marcado pela miséria, só poderia explodir e entrar em chamas. Temos que ter muito cuidado com o que se passa hoje no Brasil. Vejo riscos imensos com esses golpismos geracionais. E tal como a Espanha naquela época, que ficou escancarada, de porteira aberta, hoje estamos também literalmente escancarados. Não cabe mais nenhuma farsa que nos convença sob quaisquer perspectivas, exceto no otimismo do Nassif. Um país freudiano, que permanece vivendo com seus traumas do passado, ao invés de se definir como projeto de futuro. Fhc é freudiano, com suas veleidades intelectuais de araque tendo que conviver com seus fracassos. Serra é freudiano, com seu sonho infantil de ser presidente enquanto estupra a própria mãe, ou seja, a pátria. Aécio é freudiano, que fez de Minas um tobogã para escorrer até as sereias nas areias do Rio. Alckmin é freudiano, por se sentir rejeitado entre seus pares no próprio partido. Dilma é freudiana, com seus fantasmas do passado que nos dá a impressão que às vezes surta. Ela nos deve uma explicação pelo seu isolamento de quase um ano e meio. Até Lula é freudiano, com aquele berreiro todo ao receber a diplomação de Presidente. Parecia alguém no programa A Porta da Esperança. O seu discurso se centra no próprio ego de sua heróica luta para vencer na vida, cuja base é uma mãe coragem, e não na ação coletiva de um processo histórico. Não à toa que aqueles que ascenderam a partir de seu governo também se tornaram egolatras, meritocráticos. A nossa elite só pensa no que vê: nela, na mulher, nos filhos e netos, os bisnetos que ainda não nasceram, portanto que ela ainda não os viram, pouco importa. Isto é Freud puro! Uma total falta de visão no longo prazo. Um bom domingo. E obrigado.

      1. A Guerra da Espanha

        Sobre a Guerra Civil Espanhola e sua famosa quinta coluna (até hoje usado como argumento pela direita contra a “esquerda sanguinaria”), vi ha duas semanas um documentario excelente sobre o assunto, rico em imagens: filmes, fotos… Robert Capra e sua mulher na época, a grande fotojornalista Gerda Taro, que morre durante a guerra, fizeram um trabalho de documentação fantastica dessa guerra. Todos os dois judeus, com passaportes falsos, lutando contra o crecendo fascista na Europa. Alias, é Capra quem faz as fotos dos ataques à Guernica, que resultara na famosa tela de Picasso. Acho que em nenhuma guerra houve a participação de tantos intelectuias reunidos, lutando em diversos fronts.

        http://www.lemonde.fr/televisions-radio/article/2016/10/25/un-documentaire-sur-la-tragedie-des-brigades-internationales_5020227_1655027.html

        1. Maria Luisa,

          Obrigado pela informação, parece que encontrei o vídeo completo no Youtube – “La tragédie des Brigades Internationales”, de Patrick Rotman, 2016. 
          Patrick Rotman oferece um documentário histórico clássico sobre os trinta e cinco mil voluntários estrangeiros das Brigadas Internacionais que lutaram ao lado da República Espanhola. O filme é composto inteiramente de imagens originais, muitas vezes raras, e mesmo sem precedentes, que segue de perto a cronologia da Guerra Civil Espanhola (1936-1939): o levante nacionalista de 17 e 18 de julho de 1936, a revolução social nos dias de maio de 1937 em Barcelona até a retirada, em fevereiro de 1939, de mais de 450.000 republicanos cruzando a fronteira franco-espanhola, na sequência da queda da Segunda República Espanhola e a vitória do general Franco. O compromisso de artistas e intelectuais ao lado da República é trazido à luz, como dos fotógrafos Gerda Taro, Henri Cartier-Bresson e Robert Capa, escritores como John Dos Passos, George Orwell, Saint-Exupéry, Ernest Hemingway e André Malraux que recolhem material para um ou mais livros, além de artigos na imprensa internacional.

          Veja no YouTube Aqui ou Aqui (já tentei incorporarar mas está proibitivo).
          ___

          A Despedida das Brigadas Internacionais, 1938 
          E o discurso de Dolores Ibárruri Gómes – ‘La Pasionaria’ – em Barcelona, 1938

          [video:https://www.youtube.com/watch?v=e1LoECR58y8 align:center]
          ___

  3. Os chapéus mais bem filmados do cinema.

    Dois grandes e simples momentos de Casablanca: o policial francês diz para os guardas irem atrás dos “suspeitos de sempre”, para proteger o amigo americano; e a última frase de Bogart para Bergman, a enigmática “here’s looking at you, kid”, pouco antes que ela parta. Consegui saber que a expressão é um americanismo antigo para brindar a alguém, e no contexto (do olhar dele para ela que vai embora) significa, mais ou menos, “tudo de bom pra você, garota”.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=HXuBnz6vtuI%5D

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=Bv8MGYnP820%5D

  4. O enredo de Casablanca é uma
    O enredo de Casablanca é uma colcha retalhos criada por 4 roteiristas diferentes trocados ao longo do próprio processo de filmagem que foi tão confuso que a própria Ingrid Bergman em certo momento ja não tinha ideia de como era seu personagem. Parece mais plausível que essa história verídica tenha sido o embrião inicial, o que no jargão da indústria chamam de argumento inicial.

    1. “colcha retalhos criada por 4

      “colcha retalhos criada por 4 roteiristas diferentes trocados ao longo do próprio processo de filmagem que foi tão confuso que a própria Ingrid Bergman em certo momento ja não tinha ideia de como era seu personagem”:

      Nao senhor!  voce esta falando do caotico (e detestavel) “Gone With The Damn Wind, Dear” e a confusao da atriz e seus 12 diretores!

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