Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O capitalismo é apenas mais uma forma de gerir o hospício humano em “Insanidade”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

O filme checo “Insanidade” (“Silení, 2005) é para poucos pela sua alta carga de niilismo e humor negro. O diretor Jan Svankmajer volta à crítica da sociedade de consumo do filme anterior “Little Otik” (2000), mas dessa vez por um viés político e ontológico: a história humana é comparada a um problema de gestão de um manicômio no qual há duas formas de fazê-lo – ou a liberdade absoluta na qual o prazer e orgia se aproximam do crime e da morte, ou o totalitarismo da dor e castigo que também flerta com a morte. Um jovem tem recorrentes pesadelos até encontrar um milionário excêntrico que emula o próprio Marquês de Sade. Ele apresenta o médico gestor de um manicômio que apresenta uma técnica supostamente revolucionária que irá livrá-lo dos seus pesadelos. “Insanidade” é uma fábula sobre como a História até aqui não conseguiu conciliar Eros e Thanatos, prazer e morte. E como o capitalismo é mais uma forma de gerir essa loucura.

Uma camisa desce do cabide, rasteja pelo chão para escalar a porta até a fechadura e girar a chave por sua própria vontade, enquanto seu assustado dono pede que pare. A camisa consegue o intento, abre a porta e dela aparece dois corpulentos enfermeiros segurando uma camisa de força, para tentar arrastar o nosso herói para um asilo.

Essa fusão entre live action e animação é a marca registrada do diretor surrealista checo Jan Svankmajer de filmes como Alice e o já analisado filme nesse CinegnoseLittle Otik (2000) – um olhar surreal sobre a cultura do consumo baseado na regressão infantil à compulsão oral – clique aqui.

Em Insanidade (Silení, 2005) Svankmajer volta à carga contra a sociedade de consumo, mas agora com um viés mais político e ontológico: a história humana como o drama da gestão de um manicômio no qual há dois modos institucionais de fazê-lo: ou encoraja a liberdade absoluta, ou então o método obsoleto de comprovada eficiência de controle combinado com punição. Dois extremos.

Mas para o diretor há um terceiro modelo, que seria o manicômio no qual vivemos hoje: uma sociedade que reúne os piores excessos daqueles dois modelos extremos.

Para figurar essa tese, Svankmajer livremente se inspirou em dois contos de Edgard Allan Poe (“O Sistema do Doutor Tarr e do Professor Fether” e “O Enterro Prematuro”) e nos escritos de Marquês de Sade. No prólogo do filme, vemos o diretor definindo sua obra como “um filme de terror, com toda a decadência própria do gênero” – a combinação do horror metafísico de Allan Poe com a decadência aristocrática de Sade.

 

Insanidade é um filme para poucos pela sua carga de niilismo e humor negro – simultaneamente instiga o pensamento, o horror e o riso. Ao ver o capitalismo como mais uma forma de gerenciar o hospício da história humana, parece que Svankmajer concorda com o pensador Herbert Marcuse de que toda revolução é uma revolução traída: haveria no psiquismo humano um elemento de autoderrota ao não conseguir resolver o conflito entre Eros (o princípio do prazer) e Thatos (o princípio da morte) – leia MARCUSE, Herbert, Eros e Civilçização, LTC, 1982.

O libertino Sade e o horror sistemático e metódico de Allan Poe são os polos que Insanidade trabalha, polos inconciliáveis e intercambiáveis: a cada revolução, a cada golpe de Estado, a cada reforma, ou Eros ou Thanatos assumem nos seus aspectos mais extremos e incontroláveis. E Svankmajer vai transformar um hospício qualquer num distante lugarejo no microcosmo desse conflito psíquico que não alcança a redenção.

O Filme

Insanidade abre com o protagonista Jean Berlot (Pavel Liska) vivendo um pesadelo no qual dois corpulentos enfermeiros tentam coloca-lo numa camisa de força para arrastá-lo a um hospício. Jean resiste e destrói todo o quarto de uma pensão, até ser despertado. É um jovem pobre. Como pagará os prejuízos para o proprietário da pensão?

Acaba aceitando a generosidade de um hóspede chamado “Marquês” (Jan Triska), um rico excêntrico que se veste como um aristocrata do século XVIII e seu meio de transporte é uma luxuosa carroça puxada a cavalos. Marquês paga os prejuízos e o convida para conhecer sua propriedade. Enquanto Jean teme que esses pesadelos recorrentes de ser prisioneiro em um manicômio o faça ter o mesmo destino da sua mãe, que morreu louca em um hospício.

 

Já na imensa propriedade do Marquês, furtivamente Jean testemunha seu anfitrião em um estranho ritual no qual martela pregos em uma estatua de Cristo crucificado, entre outras profanações, em meio a uma orgia que faz lembrar o filme Saló ou Os 120 Dias de Sodoma de Pasolini. Jean reconhece que uma das participantes mais relutantes é Carlotta (Anna Geislerová), hóspede da pensão e que trabalha em um manicômio nas proximidades.

Após simular sua própria morte, o Marquês convence o jovem Jean a participar de uma terapia supostamente revolucionária no manicômio local, supervisionada pelo Dr. Coulmiere (Martin Huba) – os próprios pacientes aplicam seus tratamentos como, por exemplo, a terapia artística de jogar tinta sobre modelos obesas nuas.

O que torna ainda a narrativa mais estranha e surreal é que as sequências são pontuadas por animações grotescas em stop-motion de línguas, olhos, cérebros e fatias de carne bovinas que se arrastam e dançam como se brevemente fossem ativadas por centelhas de vida. Como se relembrassem que todas as ações humanas caricatas narradas pelo filme fossem nada mais do que danças de postas de carne, destinadas à morte e apodrecimento.

Mas tudo não é o que parece. Em conluio com o Marquês, Coulmiere encenou um golpe de Estado naquele manicômio, trancando o verdadeiro diretor (Dr. Murloppe – Jaroslav Dusek) e sua equipe no porão. Para comemorar o aniversário da sua perfídia, o Marquês sugere um entretenimento teatral para os internos: uma recriação da famosa tela de Delacroix (“A Liberdade Guiando o Povo”). Claro, com requintes das orgias sadomasoquistas.

Apaixonado por Charlotte (acredita que ela é apenas uma doce jovem, vítima da loucura do Marquês), Jean ajuda ela a libertar Murloppe para retomar o poder da instituição. Porém, da pior maneira descobrirá que o outro doutor tem uma abordagem sobre a doença mental bem diferente: o controle através da dor e do castigo.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

3 Comentários

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  1. Eu quero aprender ou ser

    Eu quero aprender ou ser convencido.

      Qual é alternativa para o capitalismo ?

         Desnecessário dizer, alternativa aonde o esforço,estudo e conhecimento são recompensados.

               Escrevo sem ironia.

    1. Sem ironia mas a grosso modo:

      Sem ironia mas a grosso modo: esse negócio de esperar recompensa vinda de fora da gente é coisa de criança.

      “Faça bonito que eu te dou um doce.”

      Ou pior, mais achacador ainda:

      “Faça bonito que eu te dou uma demonstração de afeto.”

      Note que o que vale é a concepção do achacador sobre o que é e o que não é bonito. Por exemplo, há uma fase em que as pessoas acham lindos os seus cocôs. Em determinados meios sociais ganha afeto e reconhecimento quem “tem a moral” de fritar outra pessoa presa dentro de uma pilha de pneus velhos; em outros, ganha uma recompensa (ou pelo menos acha que faz por merecê-lo) a pessoa que se autoflagela.

      De qualquer forma e acima da idade, há pessoas que têm a capacidade, por exemplo, de um Grigori Perelman, matemático russo forrmado numa universidade da U.R.S.S. que, por ter resolvido um dos mais difíceis problemas da Matemática, a chamada Conjectura de Poincaré, fez por merecer uma Medalha Fields, um prêmio de US$ 1 milhão e ainda foi insistentemente convidado a mudar para os EUA e dar aulas em universidades dos EUA como Satnford e Princeton. Simplesmente recusou essas coisas e ainda hoje dá aulas na Universidade em São Petersburgo.

      Claro que noticiosos alinhados com o capitalismo o pintaram como um louco. Talvez os mesmos noticiosos que publicaram que Fidel era um dos homens mais ricos do mundo ou que o Lulinha era dono da Esalq. Mas consta que esse senhor vive bem, continua trabalhando e estudando. Se quiser continuar nas celebridades, podemos, sem ironia, citar Mohandas Gandhi, Karl Marx além de uma infinidade de pessoas que não fazem questão de holofotes e não põem as recompensas externas acima do prazer de se respitarem.

      De qualquer forma, pode parecer estranho a quem está doutrinado no sentido contrário mas fato é que nem todas as pessoas se deixam explorar pela propaganda capitalista. E essa propaganda explora justamente uma das fissuras mais delicadas e fundamentais da humanidade: a necessidade e o desejo de pertencimento. Por isso quem se deixa levar por essa doutrinação depende da aprovação externa. Já viu criança em loja de brinquedo ou até em supermercado? Infantilizar é garantia de manter consumidor.

      Dá para aprofundar e afinar o questionamento da doutrinação capitalista mas acho que melhor faz quem vai atrás de respostas, quem antes de perguntar aos outros se pergunta.

      Bom trabalho!

  2. sobre o texto

    a questão meu caro, é qual capitalismo, se esse nosso dos dias de hoje, truculento e concentrador ou aquele  que em momenos historicos tornou um pouco mais justa a contenda…………  

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