Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O estranho que se esconde no cotidiano em Survivor Style 5+, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Cinco modos de sobrevivência. Um marido que não consegue matar a esposa; uma dupla de ladrões gays enrustidos; uma criativa que produz vídeos publicitários que só ela consegue gostar; um pai de família que pensa ser uma pomba depois de um show de hipnose mal sucedido; e um assassino de aluguel que faz a mesma pergunta a todos que querem contratá-lo: “qual a sua função na vida?”. Mas sobreviver a quê? Ao cumprimento obrigatório dos papéis familiares, de gênero, profissionais, familiares etc. Esse é o estranho e bizarro filme japonês “Survivor Style 5+” (2004) uma avalanche de alusões, referencias e metalinguagens de “O Iluminado”, “Laranja Mecânica”, Kubrick, Tarantino e Guy Ritchie. Onde, em questão de segundos, a narrativa vai dos extremos do assustador e da comédia. “Survivor Style 5+” revela não só como a cultura pop japonesa liquefaz toda a cultura Ocidental como também, através da estética do chamado “filme estranho” (“Weird Movies”), chama a atenção para o mal estar que coexiste no cotidiano não só japonês, mas da sociedade em geral. 

Para nós ocidentais, a palavra “sentido” tem um forte significado ontológico: a busca da “essência”, do porquê das coisas, a procura da ligação entre palavras e coisas. Buscamos algo fixo, definitivo e estático que dê um propósito para os eventos, a existência, a vida. A busca de uma ordem por trás daquilo que parece aleatório e incerto.

Mas na cultura Oriental a palavra “sentido” parece ter um outro, por assim dizer, “significado”: não como algo fixo, mas um sentido para o qual aponta um fluxo, movimento, deslocamento. Não é mais pensado como “essência”, mas estilização.

Por exemplo, para o escritor e filósofo catalão Rubert de Ventós o gênio japonês estaria no mimetismo, na imitação: o Japão entra na órbita cultural e tecnológica do Ocidente segundo um velho princípio taoísta de que consegue-se a vitória não afirmando-se, mas absorvendo a força do oponente – leia VENTÓS, Rubert de, De La Modernidad, Barcelona, Ediciones 62, 1982.

No filme Encontros e Desencontros (Lost in Translation, 2003) percebemos a inacreditável capacidade de estilização da cultura pop ocidental: programas de TV com apresentadores freaks estilizando de forma caricata a linguagem MTV e karaokês onde cantores amadores encarnam punks, metaleiros e românticos.

 

Liquefação cultural

Esse liquidificador cultural japonês, que se afirma diante do Ocidente liquefazendo-o pela extrema estilização, pode ser visto no inacreditável filme Survivor Style 5+ (2004) do diretor Gen Sekiguchi – com produções esparsas em curtas e participação como codiretor na comédia Sabi Otoko Sabi Onna (2011). 

Duas horas de filme com cinco histórias paralelas que misturam o Tarantino de Pulp Fiction, com Guy Ritchie de Jogos Trapaças e Dois Canos Fumegantes (1998) e Snatch: Porcos e Diamantes (2000); diversas alusões a O Iluminado e Laranja Mecânica de Kubrick; com a simetria, paleta cromática e tipografia dos filmes de Wes Anderson. Além de camadas e camadas de cenografia com mix de referencias a Art, Noveau, Art Deco, Pop Art, Psicodelismo e Expressionismo. E uma trilha musical que vai da música clássica ao punk e headbanging.

O resultado é um filme detalhado, colorido, bizarro e estranhamente engraçado – não há um tom definitivo entre humor negro, non sense ou surrealismo.

Para muitos críticos é um filme insano, maluco, demasiadamente aleatório que produz efeitos limítrofes entre o assustador e a comédia rasgada.

 

O diretor Sekiguchi tem uma grande capacidade de desenvolver personagens fellinianos na cultura japonesa: o marido que não consegue matar a esposa; uma dupla de ladrões gays enrustidos; um pai de família transformado permanentemente numa pomba depois de um show de hipnose mal sucedido; uma criativa que imagina roteiros de filmes publicitários que só ela acha engraçados; um astro de shows de hipnose que acha que seu propósito na vida é fazer as mulheres chegarem rapidamente ao orgasmo; e um personagem metalinguístico: o ator inglês Vinnie Jones interpretando os próprios personagens que fez nos filmes de Guy Ritchie Snatch e Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes.  

O título de filme fala em “estilos de sobrevivência”: são cinco estórias, com cinco modos de sobrevivência ao cumprimento forçado dos papéis sociais, conjugais, familiares e de gênero. Mas modos diferentes de tudo que o leitor já viu antes no cinema.

 

O Filme

Survive Style 5+ abre com um homem chamado Ishigaki à noite numa floresta enterrando secretamente sua esposa. Joga o corpo no buraco e a observa, até perceber chocado que o rosto ainda move-se. Possesso, pula no buraco com a pá para esmagar impiedosamente o rosto dela. Para depois voltar para casa, abrir calmamente a geladeira e descobrir que sua esposa já está lá, sentada à mesa com um olhar sinistramente calmo.

Inicia-se entre os dois uma luta entre vida e a morte que aos poucos vai se entrelaçando com outros quatro contos: uma criativa publicitária chamada Yuko tem um relacionamento insatisfatório com um hipnotizador; um inglês chega ao Japão convidado por um escritório de assassinos de aluguel para atender aos contratos de Ishigaki e Yuko para matar seus respectivos parceiros.

Além disso temos um grupo de assaltantes de residências com uma impagável dupla de gays enrustidos que, toda vez que se entreolham, toca a música leitmotiv “come to me”…; e um esforçado pai da perfeita família japonesa (com uma esposa que mais parece uma gueixa) que consegue comprar ingressos para todos irem ao show do famoso hipnotizador que vai terminar muito mal – hipnotizado permanentemente, passa a arrulhar e andar como uma pomba, diante de uma esposa-gueixa indiferente.

 

Tudo pode parecer incrivelmente complicado e estranho. Mas acredite: essa descrição acima não é spoiler e sequer arranha a superfície de tudo que as duas horas de filme têm a oferecer.

A primeira metade do filme é a descrição dos conflitos de cada um desses contos (narrados de maneira alternada, mas consistente e compreensível), para depois as linha narrativas se misturarem de forma surpreendente e hilariante.

O que é um “Filme Estranho”?

Definitivamente, Survive Style 5+ entra na categoria do “Filmes Estranhos” (Weird Movies), um tipo de filme que muitas vezes com a noção de “filme gnóstico” analisada pelo Cinegnose.  

Na acepção do conceito, “filme estranho” (do latim “extraneum” – o que é de fora, estrangeiro) é uma combinação do fantástico, do excêntrico, de tudo aquilo que é incomum, com a ideia de estrangeiro, de estranhamento, tanto dos protagonistas da narrativa quanto dos espectadores.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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