Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Fim do Cine Brasília em Santos e projeto oculto da grande mídia, por Wilson Ferreira

Por Wilson Ferreira

O Cine Brasília, em Santos, litoral de São Paulo, foi o último cinema de bairro da cidade a fechar suas portas. Com sua estética modernista que procurava emular a Brasília de Oscar Niemeyer e, assim como todos os outros cinemas de bairro, foi corroído por dois fatores que ajudaram a implantar no País o projeto da grande mídia idealizado pelo Golpe Militar de 1964: concentração do lazer exclusivamente na TV e, principalmente, a recessão econômica e hiperinflação. Não é à toa que cinemas de bairro viraram supermercados, igrejas evangélicas ou bingos – explorar a desesperança oferecendo alguma possibilidade de salvação, seja para o bolso ou para a alma. Esse é o projeto oculto: quanto pior o País, melhor para a grande mídia. Assim, sempre terá uma audiência deprimida e amedrontada. Por isso, fiel e isolada dentro de suas casas diante do neuroléptico da TV. Sem renda para usufruir do verdadeiro lazer, entretenimento e cultura oferecidos por cinemas e teatros.

Todas as vezes que esse humilde blogueiro desce a serra para passar uns dias na cidade natal de Santos, litoral de SP, uma melancolia nostálgica toma o autor dessas mal traçadas linhas. Nem tanto pelas óbvias memórias da infância e juventude universitária a cada esquina, praças ou botecos que vejo. Mas, principalmente, por deparar-me com lugares que no passado foram símbolos de um futuro para o qual, mais uma vez, o País vira as costas.

 

Assim como nesse momento quando o País renuncia ao futuro com pacotes de maldades como, por exemplo, PEC 241 e Operação Lava Jato – em nome do combate da corrupção, joga-se fora a água suja com o bebê junto.

Um desses lugares está na Avenida Pedro Lessa, no bairro de Aparecida, onde outrora foi o Cine Brasília, hoje transformado em supermercado de uma conhecida rede. Um cinema que heroicamente resistiu à extinção dos cinemas de bairro, encerrando suas atividades somente no finalzinho dos anos 1970. Foi o último da sua espécie em Santos, numa época em que todas as salas de exibição já estavam concentradas no centro turístico do Gonzaga, no entorno da avenida Ana Costa e Praia.

O Cine Brasília foi aquele que mais persistiu por ser uma sala de bairro que já contava, na época, com ar condicionado, snack bar, bomboniere e outras comodidades para o público. E um sistema de projeção surpreendente para um cinema de bairro: um moderno projetor italiano para filmes 35 e 70mm.

Cine Brasília em 1977, Santos, SP

Cine Brasília e “Laranja Mecânica”

Além disso, o cinema contava com uma arquitetura inspirada nas retas e curvas da Brasília de Oscar Niemeyer. Na fachada, um imenso mural com as famosas esculturas e formas plásticas como as colunas em curvas e retas do Palácio do Planalto, tudo estilizado por linhas geométricas sobrepostas em contrastes suaves. No saguão e sala de exibição, figuras dos regionalismos brasileiros como o jangadeiro, baianas etc., em estilo geométrico abstrato onde estavam colocadas luminárias spots que projetavam efeitos suaves de luz para o alto.

Um cinema que ousava na programação, inclusive exibindo o polêmico filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick (quando censores da ditadura militar encheram o filme de bolinhas pretas), já nos estertores da sua existência. 

Sem idade suficiente para assisti-lo, esse humilde blogueiro tentou até entrar no Cine Brasília com uma carteirinha de identificação falsa. Mas o rosto imberbe e a cara de moleque me denunciaram, e fui prontamente retirado do snack bar onde preparava-me para assistir ao filme.  

Brasília e Niemeyer: a utopia da Civilização Brasileira

Cine Brasília e a Civilização Brasileira

Mais do que um sala de exibição de bairro, o Cine Brasília inspirava a utopia da civilização brasileira vislumbrada por Oscar Niemeyer – uma civilização industrial repentinamente enxertada no sertão selvagem, ao mesmo tempo que produzia uma linguagem (cinema, artes, arquitetura, música) capaz de expressar universalmente os regionalismos nacionais.

Uma projeto utópico de intelectuais do calibre de Niemeyer, Lucio Costa ou Darcy Ribeiro, tudo abortado pelo golpe militar de 1964 que inseriu no País dois elementos corrosivos cujo fim do Cine Brasília foi um evento particular desse contexto mais geral: a propagação do american way of life através da primeira rede de TV do País, a Globo; e a recessão econômica e hiperinflação. 

Claro que a televisão foi o primeiro fator apontado para o fim dos cinemas de bairro. Mas, o que realmente exterminou essas salas de exibições foi a recessão econômica pós-milagre econômico da ditadura militar – crise e perda do poder aquisitivo fizeram as pessoas ficarem presas diante da TV, com latas de cerveja e enquanto assistiam a um jogo de futebol ao vivo.

Décadas se passaram e esse ainda continua sendo a estratégia de sobrevivência da grande mídia televisiva ao apoiar as atuais medidas ortodoxas neoliberais como Estado Mínimo e PEC 241: recessão e tempos difíceis tornam as pessoas amedrontadas e a TV transforma-se na única forma de lazer. 

Salvação para o bolso e a alma

Com a recessão econômica e portas fechadas, o Cine Brasília transformou-se em supermercado, passando de uma rede para outra. Outros cinemas de bairro da cidade como o São José, Gonzaga, Ouro Verde e Marapé viraram igrejas evangélicas, bingo, estacionamento e mais supermercados.

Extinções de cinemas em série que lembram a ironia do filme A Última Sessão de Cinema (1971) de Peter Bogdanovich: é irônico que os mesmos locais que embalaram sonhos de uma geração se transformem em pesadelo dessas mesmas pessoas quando atingem a velhice – sem renda para o lazer, entretenimento e cultura, resta a compra dos víveres básicos para se manterem vivas.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

4 Comentários

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  1. Quando lemos matérias como

    Quando lemos matérias como esta, o fdp do saudosismo impera na alma. Saudosismo que embaça a visão, a ponto de, no texto, sermos atingido, sempre incrédulo, por uma citação do tipo “jaboti”, como dizem no falido congresso “nacional”… “em nome do combate a corrupção”. É brochante o grau de convencimento e indução que conseguiram incutir nas mentes dos menos avisados… mais brochante é ver que incutiram tambem nos mais avisados…lamentável… E depois lemos em outra matéria: “Gilmar e Moro mandam? como? por que?”… oras, só não vê quem não quer, ou quem assim o quer.  

    1. O autor da matéria utilizacargumentos dentro do medíocre entendimento que tem da real história. Nasci e cresci no bairro e conheci perfeitamente até as pessoas que lá trabalharam.. Vomitar inverdades de que a culpa do fechamento se deu por força do que ele chama de ditadura é pretensioso demais.

  2. As poucas coisas que não

    As poucas coisas que não fazem parte de um mercado altamente volátil são o supermercado e a farmácia. A mídia é mera porta voz dos negócios globais. Por enquanto. O texto me fez lembrar do livro de Naomi Klein  Sem Logo: A Tirania das Marcas em um Planeta Vendido. Tudo muda na paisagem urbana e quando a área perde seu valor, fica à merce do tempo. Parece que estamos retrocedendo para as telas de Hopper, o pintor americano que pressentia o esquecimento das pequenas cidades em face da tecnologia e da rapidez dos grandes negócios. Assim aconteceu com Detroit, o centro da fabricação de carros, hoje relegada e destruída. Cine Brasília e Laranja Mecânica. O cinema desaparece. O que move as pessoas de hoje? Nem Laranja Mecância explica. Como explicar o coice de um homem bem vestido e raivoso em um sem teto que dormia na calçada? Essa imagem não está num filme, mas clicada num telefone celular moderno.

  3. Eu fui criança nos anos 70.

    Eu fui criança nos anos 70. Mas, tenho dúvidas se o Cine Brasília foi o último cinema de bairro a fechar. Até quase o final dos 70, ainda havia o Cine Ouro Verde, na R. Carvalho de Mendonça (Campo Grande). Além do Cine Caiçara, na Av. Conselheiro Nébias (Boqueirão), que durou provavelmente até o começo dos 80.

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