O jornalista e cineasta pernambucano João Lucas

 

Por Antonio Nelson

O jornalista e cineasta pernambucano João Lucas fala sobre seu curta-metragem “Noites Traiçoeiras”, que teve exibição no Festival Janela Internacional de Cinema do Recife, em 2014.

Noites Traiçoeiras é o seu primeiro filme de ficção como diretor e roteirista, onde tem a participação do artista plástico, também pernambucano, Walter Damatta, que faz um motorista de ônibus, no qual a protagonista do filme – Dori – dona de casa, mulher do povo, batalhadora etc. está em busca de um amor verdadeiro. E vem a paixão!

Na conversa, João discorre sobre suas inquietações quanto à produção cinematográfica no Recife, a percepção do diálogo dos cineastas pernambucanos com a contracultura pernambucana, o conceito sobre crítica cinematográfica e bem fundamentada são alguns temas expostos com exclusividade para site do Luís Nassif. Confira!

Antonio Nelson – “Pernambuco não é pra amadores”, asseverou o cantor, compositor e intérprete pernambucano Lula Queiroga, na entrevista com Lenine, no Roda Viva. Parafraseando o Lula, Pernambuco não é pra amadores?

João Lucas – Pernambuco é uma terra fértil de artistas. Prefiro pensar por aí. Acho que sempre existiu aqui uma dicotomia entre pensamentos conservadores e de vanguarda, mesmo nas artes. Pernambuco é um dos estados mais complexos, sua história é bem representativa, talvez por isso sempre surgem grandes referências intelectuais (ou não) e artísticas nacionais. Então, não gosto tanto do elitismo que às vezes se instala, porque todo pensamento artístico é em sua essência amador, ainda mais quando é experimental e inovador. Questiono essa frase de Lula Queiroga, pois vejo nela uma certa arrogância, tipicamente pernambucana de quem tá num status quo, ou seja, na cena.

Antonio Nelson – Como foi sua descoberta no cinema?

João Lucas – Queria ser músico. Meu pai é músico compositor e pianista. Acho que ele foi quem me influenciou indiretamente a tentar caminhar por outro caminho nas artes, isso faz tempo. Eu tinha uns 13 anos quando pensei que queria fazer cinema. Fiz graduação em Jornalismo na UFPE pois na época ainda não tinha o curso de Cinema. Estudei cinema em Buenos Aires em 2009 e fundei junto a 3 amigos (Hugo Coutinho, Pedro Andrade e Rafael Amorim) a Jacaré Video em 2010. Hoje trabalhamos com Cinema, Televisão, Streaming, entre outras coisas aleatórias…

Antonio Nelson – Quais tuas inquietações quanto à produção cinematográfica no Recife? Qual sua percepção do diálogo dos cineastas pernambucanos com a contracultura pernambucana? Quais os contra-sensos?

João Lucas – Em Pernambuco sempre teve cinema. É um dos pioneiros no Brasil, desde o começo do século passado, com Jota Soares, Ary Severo, etc. Hoje a “turma” que faz cinema aqui é extraordinária, pra mim é top no brasil. Teve a retomada nos anos 1990 que foi importantíssima, mas nos anos atuais, podemos dizer que a partir do início do século (milênio), o cinema Pernambuco expandiu muito e continua em expansão. Tem muita, mas muita, gente genial e competente. Não é a toa que grande parte dos prêmios nos principais festivais nacionais desde o ano passado contemplam filmes daqui. Essa classe também está muito bem conectada com a contemporaneidade, com o que acontece no mundo. Então está sempre dialogando e influenciando toda a cultura do estado. Para Pernambuco, o cinema de hoje tem a importância do que foi o Movimento Mangue há 20 anos atrás.

Antonio Nelson – Quais os desafios?

João Lucas – Acho massa que temos hoje uma classe politicamente muito coerente, não são apenas diretores egolombras. Então, as questões que envolvem as políticas públicas para a área foram bem discutidas e tivemos assegurados muitos avanços, como a Lei do Audiovisual. Talvez agora seja um momento de solidificar mais ainda, pois sempre teremos espaços para crescimento, ou seja, a ideia é que realmente surjam mais e novos filmes geniais por aqui. Um problema é que ainda existe no Brasil uma enorme defasagem na distribuição de filmes independentes, esse é um ponto que precisamos alterar.

Antonio Nelson – Seu curta “Noites Traiçoeiras” é exibido no Festival Janela Internacional de Cinema do Recife, em 2014. Como nasceu o curta. Quais os critérios do elenco?

João Lucas – Esse filme foi inspirado na figura que praticamente me criou aqui em Recife, o nome dela é Fátima, o apelido é Titia. Quem a conhece sabe a figura é. E faz tempo que eu pensei em fazer um filme inspirado nela, no início tinha dúvida se seria um documentário, mas como sempre quis fazer ficção, essa foi a escolha, ela inclusive é super arredia as câmeras. Então o roteiro foi sendo feito desde 2008, de lá pra cá mudei muita coisa, todo ano eu mudava algo que me surgia. Até que no fim de 2012 ele foi aprovado no Ary Severo, uma premiação para roteiros dentro do edital do Funcultura. O elenco era uma coisa complicada, pois a maioria dos atores tinham que ter mais de 40 anos. Então fizemos uma seleção específica, primeiro uma chamada na internet, que funcionou muito bem, os atores mandavam fotos e perfil, a partir dai chamávamos para uma entrevista. Não existiu fila ou coisa do tipo, acho importante que cada um tenha seu tempo nesse momento. Então de acordo com o perfil dos personagens, fizemos as escolhas. A grande exceção era a protagonista, Dori, ela participa de todas as cenas do filme, o cuidado foi bem maior. Fomos extremamente felizardos por ter Suzana Costa nesse papel, ela é maravilhosa e comprou a ideia do filme de uma forma muito especial, não sei se teria sido a mesma coisa com outra atriz. No fundo, fico com a impressão que só poderia ter sido ela mesmo.

Antonio Nelson – O Festival Janela Internacional de Cinema do Recife 2014 têm como objetivo fomentar um fórum de trocas da produção realizada em Pernambuco, e as imagens externas. Curtas e longas, com base na qualidade bruta de filmes feitos no Recife, entram num diálogo com obras do Brasil e do mundo! Há muita produção de qualidade que a grande mídia não tem interesse em veicular? Por quê?

João Lucas – Esse assunto é praxe, pois desde sempre a grande mídia tem critérios terríveis em suas escolhas editoriais. Não é critério crítico, entra em jogo a panelinha, a grana, a “vendabilidade” etc. O Janela está indo para 7a edição e já é um dos principais festivais do país. Isso se deve a essa essência crítica dele, isso é uma característica que dá credibilidade no meio, tanto nacional como internacional. Aí fica o lance, temos duas salas de cinema sempre lotadas, uma quantidade enorme de gente prestigiando o festival, muita discussão na internet. Então isso contempla essa defasagem de informação na grande mídia. A exibição do filme já é um grande trunfo.

Antonio – Qual seu conceito sobre crítica cinematográfica? Existe crítica bem fundamentada no Recife? No Brasil? Quem são os críticos?

João Lucas – Por aqui tem muito crítico bom e essa capacidade crítica só tende a crescer. Esse é outro fator que enfatiza como o cinema de Pernambuco é de vanguarda. A crítica e a formação acadêmica estão evoluindo muito, o Janela é bem preocupado com isso, tanto é que existe o Janela Crítica. Se na minha época de universidade só tínhamos um cineclube, o Barravento, inclusive eu fiz parte, hoje são inúmeros. O Cineclube Dissenso foi um que se garantiu muito também. Com a graduação e pós em cinema na UFPE, é muita gente estudando e pesquisando. Temos muitos críticos no Brasil, alguns sites que são referência, muita pesquisa acadêmica, alguns projetos de formação bem interessantes, como o Inventar Com a Diferença. É legal saber que estamos nesse caminho em PE. Sobre nomes, o próprio Kleber Mendonça Filho é um cineasta/crítico e é uma grande referência, posso citar alguns mais novos, como Rodrigo Almeida, Luis Fernando Moura, outro é o André Dib.

Antonio Nelson – O público pernambucano é exigente?

João Lucas – De repente precisa ser mais, não sei, acho que aqui não temos uma inclinação para um cinema bem popular, como essas comédias globais, muito longe disso. Tem o público dos multiplex claro, mas temos um público interessante que lota o cinema São Luis e aplaude e se entusiasma com um filme como Em Trânsito, de Marcelo Pedroso. O problema daqui talvez seja o bairrismo, essa coisa da cena.  

 

 

 

 

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador