O Jovem Marx, por Fábio de Oliveira Ribeiro

O Jovem Marx

por Fábio de Oliveira Ribeiro

O filme O Jovem Marx já está disponível no YouTube com legendas em português.

Quatro coisas chamam atenção no filme. A primeira é a simetria inversa dos dois casais. Sempre sem dinheiro, o judeu Marx é casado com Jenny von Westphalen, aristocrata alemã que trocou o luxo pela pobreza. Filho de um rico industrial inglês Engels se casa com Lizzie Burns, irlandesa pobre que se recusa a abandonar sua condição.

O amor que não respeitou as fronteiras nacionais e sociais quando da formação dos dois casais une-os numa luta ainda maior. A lema desta luta é apresentado ao final: “Trabalhadores de todos os países, uní-vos.” Ironicamente, as vidas amorosas de Marx e Engels representam uma negação ao lema que eles criaram. O que uniu cada um deles à sua respectiva esposa não foi a identidade de classe e sim um sentimento capaz de romper com a estrutura básica da luta entre duas classes consideradas antagônicas.

A segunda coisa que chama atenção é a profundidade, coerência e coesão do roteiro. Apesar de ser um filme curto (pouco menos de duas horas), O Jovem Marx proporciona ao cinéfilo um mergulho na história da vida cotidiana, da brutalidade policial, das disputas políticas e do universo intelectual da Europa em meados do século XIX. As contradições criadas pelo capitalismo (o esgarçamento da coesão familiar, que pode ser visto no conflito entre Engels e seu pai; a reação instintiva ao processo industrial de desumanização, evidente na conduta da operária Lizzie Burns, futura amante de Engels; o surgimento do movimento político de contestação ao poder político do capital liderado por socialistas utópicos como Proudhon)  ajudam a compreender a evolução do pensamento de Engels e de Marx.

Os heróis do socialismo científico, porém, não foram retratados como heróis imaculados. Marx faz sexo com sua esposa, fuma charutos baratos e vomita após uma noitada de bebedeira. Engels apanha de um operário irlandes e corre da polícia como se fosse um marginal. A humanidade de ambos fica ainda mais evidente durante a reunião em que eles propositalmente rompem com os socialistas utópicos e provam a cisão na Liga dos Justos. A transformação desta em Liga dos Comunistas, porém, não é tranquila. Engels chega a brigar com Marx porque ele não consegue cumprir o prazo que lhe foi dado para escrever o Manifesto Comunista.

Cuidadosa e detalhista, a produção de O Jovem Marx conseguiu recriar o ambiente material em que os personagens se movimentam. A velocidade deste movimento não é lento, pois o deslocamento geográfico dos personagens (Marx foge da Alemanha para a França, da França para a Bélgica e desta para a Inglaterra; Engels viaja da Inglaterra para a França, depois da Inglaterra para a Bélgica) mostram como o capitalismo já estava criando uma comunidade européia durante o século XIX. Esta é a terceira coisa que chama atenção neste filme inteligente e visualmente provocante.

A quarta e última coisa interessante nesta obra de arte é a técnica utilizada pelo haitiano Raoul Peck. O Jovem Marx é um filme que parece não ter sido dirigido: ele simplesmente acontece na tela grande como se fosse uma sucessão de episódios históricos. O cuidado que o diretor teve de não se fazer aparecer, de conduzir o filme sem transformar seu trabalho num elemento narrativo, contrasta com a técnica muito difundida entre os cineastas que se submetem aos padrões exigidos pela indústria cultural.  Raoul Peck deu luz a um verdadeiro clássico para ser visto e revisto.
 
Fábio de Oliveira Ribeiro

4 Comentários

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  1. Caro Fábio
    Obrigado pela

    Caro Fábio

    Obrigado pela dica.

    Bonito filme.

    Marx não era nem um pouco republicano.

    Cada um na sua trincheira.

    Saudações

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