O “lixo branco” Ocidental na série “The End of the F***ing World”, por Wilson Ferreira

Jovens que vivem numa espécie de “Nowhere” psíquico sem um plano: não querem ficar onde estão, e muito menos chegar a parte alguma.

por Wilson Ferreira

 

Filmes e series cada vez mais estão escolhendo o “White Crap” Ocidental como anti-herois: o “lixo branco” – depois de negros, hispânicos e imigrantes terem sido explorados até o bagaço, agora é a vez dos brancos caucasianos, filhos de uma classe média que acreditou no sonho que deu errado. São niilistas, ressentidos e cheios de raiva. Esperando apenas que o mundo acabe ou que apareça algum tipo de botão “eject”. Essa é a série Netflix “The End of the F***ing World” (2017-): um jovem tem certeza de que é um psicopata. E escolhe como vítima de estreia uma garota da escola, tão ou mais niilista e cínica que ele. Também à espera do fim do mundo para acabar com uma vida suburbana medíocre. Surge uma improvável estória de amor. Uma espécie de Romeu e Julieta pós-moderna que evolui para Bonnie e Clyde, com assassinatos e fugas. Jovens que vivem numa espécie de “Nowhere” psíquico sem um plano: não querem ficar onde estão, e muito menos chegar a parte alguma.

We are the Fall
Northern white crap that talks back
We are not black. Tall.
No boxes for us.
Do not fuck us.
We are frigid stars.
We were spitting, we were snapping “Cop Out, Cop Out!”
as if from heaven.(“Crap Rap 2” – The Fall)

 

O lixo branco Ocidental está tomando as telas do cinema e séries. Desde Vida Sem Destino (Gummo, 1997), passando por Juno (2007) e chegando a Coringa (Joker, 2019), os losers brancos caucasianos, niilistas e raivosos ganham cada vez mais espaço na indústria audiovisual. Depois de devastar negros e hispânicos, a radicalização da desigualdade promovida pelo subemprego, precarização do trabalho e as decorrentes desordens familiares batem agora nos brancos da outrora classe média.

Desorientados, ressentidos e cheios de ódio convivem agora também com abusos, indiferença, violência de um sistema que não tem mais tempo ou recursos para cuidar de gente como essa. São as novas vítimas desses “tempos malucos” dos quais se referia o personagem desajustado Arthur Fleck no filme Coringa.

Alimentam-se do lixo produzido por esse mesmo sistema que os excluiu (fast food em lanchonetes e cafés de beira de estradas ou das periferias urbanas) e do lixo cultural da TV ou de formas de entretenimento baratas. Depois que o capitalismo já explorou até o bagaço negros, hispânicos, refugiados e imigrantes, agora é a vez dos filhos brancos de uma classe média que acreditou num sonho que deu errado.

Tudo isso vai produzir uma espécie de releitura pós-moderna do drama de Romeu e Julieta. Esse é mais um produto cultural que expressa a nova escória de brancos excluídos:  a série The End of the F***ing World (2017-), co-produção da TV britânica Channel 4 e Netflix, baseada na HQ do norte-americano Charles Forsman.

Essa é a primeira camada interpretativa da série: um produto audiovisual que exprime o recorte sociológico do seu tempo: como as sociedades atreladas ao modelo econômico da Globalização cria uma nova categoria de excluídos – aqueles que nem mais para serem explorados servem. Condenados à ausência de perspectivas e alimentando o ressentimento e niilismo.

Mas The End the F***ing World vai mais além: transforma essa metáfora em alegoria – a rebeldia e fúria da entrada do jovem na vida adulta. Um casal de jovens que tentam eternizar o último grito de rebeldia contra a adaptação na vida adulta.

Até aqui, nenhuma novidade: a chamada geração baby-boomer nos anos 1960 já havia descoberto que seus pais eram alcoólatras e a sociedade de consumo era uma grande armadilha para jovens se endividarem e fazerem a primeira hipoteca – o que resultou nos protestos da contracultura, hippies até chegarmos ao punk.

Mas a rebeldia natural da adolescência encontra no século XXI uma situação totalmente inédita: não há mais no horizonte utopias tribais, anarquismo ou expansão psicodélica da percepção. E muito menos uma sociedade para ser revolucionada. Simplesmente o sistema ficou indiferente – toda uma geração está rapidamente sendo descartada pelas revoluções tecnológicas e novas e oportunistas organizações que precarizam o trabalho.

Restou o “White Crap” que apenas espera que o mundo acabe.

A Série

 Entre o título estilo punk do tipo “Mate-me, por favor!” e as primeiras cenas com referências à automutilação adolescente, matança de animais, psicopatia e assassinato, The End of the F***ing World nos mostra que estamos entrando numa terra onde os fracos não têm vez.

Acompanhamos as desventuras dos adolescentes James (Alex Lawther) e Alyssa (Jessica Barden). James é um jovem de 17 anos que acredita ser um psicopata e que, por isso, mata animais regularmente. E Alyssa uma colega de classe que vive uma vida medíocre suburbana com sua mãe divorciada chamada Gwen (Christine Bottomley), seu padrasto Tony (Navin Chowdhry) e seus bebês gêmeos.

Alyssa é uma jovem rebelde que vê em James a chance de escapar da sua vida familiar tumultuada. Mas tem um problema: James está tão convencido com o seu autodiagnostico de psicopatia que decide começar a matar seres humanos. E elege Alyssa como sua vítima de estreia.

“Eu pensei que seria interessante mata-la”, pensa James num interessante recurso narrativo: constantemente James e Alyssa fazem comentários em voz over laconicamente engraçados. Isto é, no espírito do humor negro britânico que combina adversidades com personagens fleumáticos.

Temos de um lado o niilismo agressivo de James; e do outro o autodistanciamento irônico de Alyssa. Logicamente vai surgir um improvável centro terno e romântico no encontro desses dois desajustados. Ele, por encontrar alguém ainda mais radicalmente niilista do que ele. E Alyssa, que está em busca um botão “eject” qualquer para cair fora da sua vida.

Os oito episódios da primeira temporada são essencialmente estória de dois jovens psiquicamente feridos pelo abandono (familiar e da própria sociedade) que encontram um consolo temporário um no outro. Tudo temperado com assassinatos e perseguições de um road movie, fazendo a narrativa evoluir da releitura de Romeu e Julieta para o drama de Bonnie e Clyde.

Na segunda temporada, Alyssa até tenta buscar alguma solidez satisfazendo o sonho da mãe de vê-la casada com um jovem promissor, enquanto trabalha como garçonete em um café. Mas novamente, assassinatos, fuga e perseguições voltam a cruzar o caminho da jovem.

 

Nas duas temporadas fica evidente a condição existencial desses dois exemplares “White Crap”: sem qualquer plano definido, estão sempre ansiosos em não ficar onde estão. Mas também não querem chegar em parte alguma.

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Redação

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