Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O sobrenatural pode ser digital?

Até aqui nos filmes de terror o Mal, fantasmas e maldições sempre se espalharam principalmente por meio de linhas telefônicas, monitores de TV e ondas de rádio. Isso sem falar das contaminações biológicas pelo sangue ou ar. Ou seja, o Outro Mundo sempre nos alcança no mundo cinematográfico através das tecnologias analógicas e meios físicos. O que dizer então de filmes recentes onde o sobrenatural manifesta-se através das tecnologias digitais como Internet e dispositivos móveis? É verossímil espíritos agirem através de sinais fragmentados e binários? Se os fenômenos ocultos, mágicos ou espirituais baseiam-se em um princípio de semelhança (o Outro Mundo precisa sempre de um meio físico ou contínuo para estabelecer uma ponte com o mundo físico), seria possível fantasmas ou forças espirituais manifestarem-se por meio das mídias digitais? 

Em postagem anterior sobre o filme The Zohar Secret, discutíamos como a partir do Império Romano e a instituição da Igreja Católica como a nova religião oficial, os fenômenos ocultos e místicos foram relegados ao mal e a demonização. Baseando-se unicamente na Teologia e na fé a Santíssima Trindade, relegou todos os fenômenos místicos ao campo do Mal levando a séculos de combate às “heresias” e a instituição dos tribunais de Inquisição na Idade Média.

A descoberta da eletricidade nas suas diversas formas (contínua, alternada, raios catódicos, ondas hertzianas, eletromagnetismo etc.) nos séculos XVII-XVIII inesperadamente tirou os fenômenos ocultos do campo religioso para o científico. A Era da Informação trouxe o encontro entre eletricidade, informação e espiritualismo.

Pesquisadores como Erik Davis  acreditam que o Espiritualismo foi a primeira religião da Era da Informação. Os fenômenos mediúnicos, mesas girantes, escritas automáticas etc. estudados por Alan Kardec e pela Teosofia de Madame Blavatsky e Leadbater no século XIX, surgem simultaneamente à descoberta do eletromagnetismo e na transformação da eletricidade em informação com o telégrafo. Os próprios fenômenos paranormais começam a ser interpretados como fenômenos eletromagnéticos de comunicação spiritual – leia DAVIS, Erik, Techgnosis – myth, magic and mysticism in the age of information, New York: Serpent Tail, 2004.

Com a literatura gótica no século XIX o oculto, o místico e o fantástico saem do campo  religioso para ingressarem no científico (Frankenstein de Mary Shelley) ou na luta da ciência vitoriana contra o Mal – Drácula de Bram Stoker.

Ciência, espiritualismo e filmes de terror

Nessas antigas conexões entre o Gótico, a ciência e o espiritualismo talvez estejam as raízes de um tema recorrente nos filmes de terror – a transmissão do Mal através da eletricidade e eletromagnetismo: televisão (ondas hertzianas ou raios catódicos) como no filme Poltergeist, telefone com chamadas de mortos ou do futuro (Uma Chamada Perdida, 2003), fitas VHS (O Chamado, 2002), ondas de rádio (Pontypool, 2008), gravadores que captam vozes de espíritos (Vozes do Além, 2005) ou a própria eletricidade (Choque Mortal, 1998 onde um impulso inteligente de eletricidade toma conta das casas).

Mas em todos esses filmes há um outro ponto comum: entidades espirituais transportam-se ou comunicam-se por meio das tecnologias analógicas, isto é, por meio de sinais que analogamente imitam a fonte – o espiritual, o Mal etc.

O que podemos dizer sobre filmes atuais onde o Mal ou entidades espirituais manifestam-se por meio de tecnologias digitais? Em filmes como Tron (1982 e 2010), Pulse (2006) ou Unfriended (2015) o espírito humano ou do além manifestam-se através de bytes ou sinais descontínuos – em Tron um usuário é digitalizado para o interior de um computador onde encontra programas malignos, em Pulse onde um misterioso sinal na Internet proveniente do além que pretende controlar as pessoas levando-as ao suicídio e em Unfriended um espírito de alguém que se matou vítima de cyberbullying busca vingança nas redes sociais.

Se pensarmos que os fenômenos ocultos, mágicos ou espirituais baseiam-se por um princípio de semelhança (o Outro Mundo precisa de algum liame físico ou contínuo para estabelecer uma ponte com o mundo físico), seria possível fantasmas ou forças espirituais manifestarem-se por meio da digitalização? Espíritos podem ser convertidos em bytes? Ou apenas poderiam manifestar-se nesse mundo por meio de fenômenos físicos por interpretação analógica?

Um horror verossímil?

Em um mercado saturado como é o dos filmes de horror que já mexeu com as criaturas mais assustadoras dos mais diversos estilos e nas mais diversas tecnologias, por que não abordar uma que tenha origem nas mídias digitais? Claro, estamos no mundo da ficção e gostamos de bons momentos de sustos e tensão, mas os ambientes digitais permitem criar um horror verossímil?

Para penetrarmos nesse tema tão estranho vamos fazer uma breve introdução sobre as noções de “analógico” e “digital” e uma rápida passagem pela, por assim dizer, semiótica da comunicação espiritual.

A Magia ou a Grande Ciência Sagrada é uma forma de Ocultismo onde estuda-se os segredos da Natureza conectando-se com as faculdades internas espirituais e ocultas humanas. A descoberta da eletricidade como uma energia livre existente na Natureza seria a descoberta dessa manifestação física da própria espiritualidade. 

Essa manifestação se basearia no princípio da semelhança – a eletricidade seriam ondas análogas as que cruzam as águas de um rio ou os sons que atravessam o ar. Formas fluidas que se assemelhariam aos espíritos, assim como a fumaça do charuto do médium ou “mula” em terreiro de umbanda ou líquidos condutores como a cachaça, a água benta, água da pia batismal ou a água do rio onde os iniciados serão batizados.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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