Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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“Onde Vivem Os Monstros” faz cartografia da mente selvagem infantil

Por Wilson Ferreira

Pokemons, Trashpacks, Gogo’s e Monstros da Pixar. Uma série de monstrinhos e seres fantásticos que representam o imaginário de um mundo infantil que resiste em se tornar adulto. “Onde Vivem os Monstros” (Where The Wild Things Are, 2009) de Spike Jonze, baseado num best-seller infantil de 1963 de Maurice Sendak, faz uma obra-prima alegórica sobre um menino, seu quarto, a solidão e o poder da imaginação capaz de criar uma assombrosa cartografia mental da infância. O filme consegue ser superior à cartografia da mente feita pela animação “Divertida Mente”, principalmente porque consegue representar as “coisas selvagens” que habitam a mente de cada criança.

As experiências na infância da perda, abandono, solidão e a necessidade de sentir-se amado talvez sejam o conjunto de experiências mais representadas arquetipicamente por meio de jogos, brincadeiras, contos de fada e, finalmente, no cinema de animação.

Do jogo do “Fort-Da” descrito por Freud (ou o “jogo do carretel” onde a criança jogava o carretel e o puxava de volta com um fio de forma prazerosa simbolizando a tristeza da perda e a felicidade do retorno da mãe), ao contos de crianças solitárias na florestas ameaçadas por lobos e bruxas até chegarmos a animação Toy Story onde os brinquedos temem serem esquecidos pelo seu dono Andy, o conjunto de arquétipos é sempre o mesmo: a experiência do nascimento, perda, solidão, impotência, amor e busca do que foi perdido. 

Essa é a narrativa inaugural da vida de cada um de nós cujos arquétipos ainda ecoam na nossa vida adulta, quando, por exemplo, criamos monstrinhos e seres fantásticos de brinquedo para crianças como Pokemons, Trashpacks, Gogo’s Crazy Bones, os Monstros da animação da Pixar etc. Monstrinhos ou “wild things” que povoam o imaginário como personagens de um mundo infantil que resiste em tornar-se adulto.

“Wild Things”

No filme Onde Vivem os Monstros (Where The Wild Things Are, 2009), inspirado no famoso livro infantil de 1963  de Maurice Sendak, o diretor Spike Jonze (Ela e Quero Ser John Malkovich) e o roteirista Dave Eggers conseguem fazer uma síntese dos arquétipos dos turbulentos anos iniciais das nossas vidas: a ruptura edipiana, a raiva contra os pais, a fuga desafiadora para o mundo da fantasia e a necessidade de voltar para casa para sentir-se amado e protegido.

A adaptação cinematográfica de Spike Jonze foi bem livre já que o livro original possui apenas 200 palavras – e as dificuldades de adaptar uma narrativa tão curta em longa metragem sobre um menino real vestido com uma fantasia de lobo em uma ilha habitada por monstros (“wild things”) imaginários.

Os monstros em live action foram um verdadeiro desafio técnico de produção, uma combinação de brinquedos de pelúcia, efeitos de computação gráfica, atores vestindo enormes fantasias e técnica de manipulação de fantoches. 

O resultado final é uma verdadeira cartografia alegórica da mente infantil – o mar, a ilha, a floresta, o deserto etc. como um verdadeiro mapa mental da dinâmica do psiquismo infantil com seus desejos, angústias, medos, resistências e fantasias.

Por isso, assistido cinco anos depois o filme Onde Vivem Os Monstros faz lembrar bastante a animação Divertida Mente da Pixar – enquanto nessa animação os sentimentos e emoções são representados por personagens que discutem em uma sala de controle no cérebro da protagonista, no filme de Spike Jonze cada monstro representa não só sentimentos, mas desejos, fantasias e arquétipos. Isso que torna Onde Vivem os Monstros bem superior à animação da Pixar.

O Filme

Onde Vivem os Monstros acompanha as aventuras de Max, um menino em torno dos nove anos e com uma grande imaginação. O filme começa com Max ressentido pela sua mãe não ter ido ver um forte que ele havia construído em seu quarto. 

Max percebe que não é mais o centro das atenções: sua mãe é divorciada e recebe um namorado na sua casa, parecendo para Max que ele foi deixado para segundo plano. Revoltado, veste uma fantasia de lobo e começa agir como um animal selvagem e pede para ser alimentado. Sua birra irrita sua mãe e na discussão Max acaba lhe mordendo o ombro.  Com o grito da mãe, Max corre assustado e foge de casa.

Chegando à beira de uma lagoa, Max entra em um barco que desatraca. Logo o mar transforma-se em oceano e o barco navega por horas até chegar a uma ilha onde encontra sete estranhas e enormes criaturas. Max chega num momento em que os monstros estão em conflito destrutivo por um motivo fútil.

Os monstros se detém ao ver Max. Pensam em comê-lo, mas Max convence-os de ser um poderoso rei com poderes mágicos de trazer de volta a harmonia para aquela ilha.

Uma cartografia freudiana

A trajetória de Max que vai da fuga de casa, a navegação pelo oceano até a chegada na ilha, a tentativa de harmonização dos monstros e o retorno final para casa parece representar uma alegoria do processo da individuação humana.

O mar que Max atravessa é uma clara alusão ao “sentimento oceânico” ao qual Freud se referia ao estágio inicial da criança onde não existe a diferença entre o Eu e o mundo externo: apenas o sentimento de vínculo indissolúvel com um Todo (o “sentimento oceânico” de prazer no vínculo indissolúvel entre mãe e criança – a Natureza) – leia FREUD, S. O Mal Estar da Civilização.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

3 Comentários

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  1. Vi e gostei muito. Fiquei

    Vi e gostei muito. Fiquei bestificado, pois não conhecia o livro. Sai do cinema com 10 anos e, portanto, 40 anos mais jovem. Aquela sensação durou apenas 40 segundos, mas aqueles foram segundos eternos de uma re-infância mental nas matas que circundam Eldorado SP (onde passei os melhores e mais selvagens momentos de minha infância).   

  2. Esse filme eh completamente

    Esse filme eh completamente psicotico, Wilson!  Eu sai antes do fim, nao tava interessado naquela psicotica toda, e minha filha tava detestando tambem -ela tinha 8 anos.  Talvez o livro seja muito bom mas o filme eh insuportavel!

    Mais ou menos aa mesma epoca eu sai de um filme evangelico que eu tava detestando tambem mas minha filha conseguiu assistir ate o fim:  Bridge to Terabithia.  Nao adianta me dizer que nao eh filme evangelico:  o filme eh aleijado mental de uma maneira muito especifica.

    Um pouco antes disso ja a tinha prohibido de assistir um filme evangelico que ela ganhou de presente, uma animacao sobre a “vida de cachorro” de uma vaca que um Jesus mais que estupido so “salva”  quando ela morre no fim do filme, recebendo a no ceu(!!!);  o monstrinho filho da puta dos evangelicos nao move uma palha por ela no filme inteiro e aparece la no fim clamando credito pela entrada dela no ceu, o perfeito gigola que os evangelicos norte americanos querem;  fiquei horrorizado quando assisti (minhas maos tavam chacoalhando) e quase quebrei o disco, alias.

    Pensando bem, tem tanto filme que nos ja saimos antes do fim que acho que ela ficou igual eu…  eh isso e o branco dos olhos!  (O filme do Alvin de alguns anos atraz, igualmente odiamos, igualmente caimos fora antes do final, mas teve varios outros.)

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