Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Parapolítica e subversão ocultista em “A Montanha Sagrada”, por Wilson Ferreira

Por Wilson Ferreira

Em 1980 John Lennon concedeu entrevista à “Playboy” onde dizia que caíra fora dos Beatles porque eles teriam sido criados por “craftsmen” (termo ambíguo que pode designar tanto “artistas” ou “artesãos” quanto “iniciados ao ocultismo”). Sete anos antes Lennon ajudou a financiar o filme “A Montanha Sagrada” (1973) do chileno Alejandro Jodorowsky, sobre oito “craftsmen” (poderosos industriais e políticos) que são iniciados por um alquimista na busca da verdadeira fonte do Poder: a imortalidade e o aprimoramento espiritual. Verdadeiros magos negros donos dos mercados de armas, moda, arte, brinquedos, drogas e sexo. Pretendem alcançar a chamada “montanha sagrada” em uma distante ilha. Jodorowsky buscou no filme uma dupla subversão: denunciar a dimensão parapolítica onde magos ocultistas formariam a elite mundial que aplicaria sofisticadas técnicas psíquicas de controle social; e do outro didaticamente mostrar para os espectadores os passos da iniciação ocultista que poderia nos livrar das ilusões que nos prendem ao mundo material e ao julgo dessas elites ocultistas.

Depois de conseguir a atenção do público alternativo e das chamadas “sessões da meia-noite” em cinemas underground de Nova York com o filme El Topo (1970), o diretor chileno Alejandro Jodorowsky conseguiu o suporte financeiro de John Lennon e Yoko Onno para o seu projeto espiritual cinematográfico A Montanha Sagrada – a princípio, um filme que continuaria a temática de El Topo, isto é, sobre purificação, a descoberta da Verdade por trás das aparências do mundo (Maia) e, por fim, a constante busca pelo aprimoramento espiritual.

 

Em uma entrevista dada à revista Playboy em 1980, Lennon sugeria que os Beatles tinham sido produtos de “artesãos”(craftsmen), expressão ambígua que pode designar tanto “artistas” quanto iniciados em magia e ocultismo. E que, sabendo disso, tinha pulado fora pois “não estava interessado em se tornar um” – sobre isso clique aqui

Assistindo ao filme A Montanha Sagrada é impossível não estabelecer essa conexão entre o interesse de Lennon em Jodorowsky e a temática do filme com acento naquilo que o Cinegnose chama de “parapolítica”- as secretas conexões entre política, magia e ocultismo.

A sinopse do filme deixa isso bem claro: 

“Nove dos mais poderosos industriais e políticos dos planetas desejam obter a imortalidade. Um Alquimista (Jodorowsky) lhes fala da Montanha Sagrada da Ilha de Lótus, onde moram nove imortais, que agora têm mais de 30.000 anos. ‘Alguns homens juntam forças para assaltar bancos e roubar dinheiro’, o Alquimista conta. Mas os poderosos devem unir forças para assaltar a Montanha Sagrada e roubar desses homens sábios o segredo da imortalidade. Mas para conquistar o segredo dos imortais, nós também devemos nos tornar homens sábios”.

Jodorowsky propõe no filme um paradoxo: homens politicamente poderosos e, por isso, aparentemente materialistas (acreditamos que homens poderosos querem unicamente Dinheiro e Poder) travam uma jornada espiritual de purificação onde, inclusive, devem queimar ritualisticamente malas de dinheiro. Nessa jornada deverão abandonar tudo, seus passados, posses materiais, prazeres carnais e a si mesmos, para adquirirem uma supraconsciência. Magos negros? Uma jornada iniciática que os leva a uma metáfora do Himalaia e Tibet? Uma espécie de Central Psíquica de onde, do teto do planeta, o mundo é governado psiquicamente?

O fato é que A Montanha Sagrada é uma experiência cinematográfica, sensorial e simbólica para o espectador. Parece que Jodorowsky não apenas quis mostrar o modus operandis da conquista psíquica dos corações e mentes das massas pelos poderosos, mas também criar uma espécie de manual prático e didático de Iniciação ao alcance de todos, de forma quase Universal. A Montanha Sagrada é uma subversão mágico-ocultista.

O Filme  

O filme começa com um homem largado no chão coberto por moscas e excrementos em um pequeno vilarejo. Na visão bem particular de Jodorowsky sobre o Tarô, o personagem representa O Louco (mais tarde será chamado de Ladrão). Com uma figura semelhante a Cristo, tudo o que consegue é a amizade de um anão sem braços e pernas para logo depois ser crucificado e apedrejado por crianças locais. 

Fugindo dali, conhece a Cidade repleta de prazeres baratos, violência psicológica e repressão militar. Assistimos a desfile de soldados e uma representação da conquista do México pelos espanhóis por uma companhia mambembe de teatro de rua… representados por sapos  que no final explodem em uma pequena maquete com pirâmides maias. 

 Na Cidade, O Louco não tem um melhor destino: um grupo de religiosos o sequestra para fazer cópias dele em gesso para serem vendidas como estátuas de Cristo. Religiosos acompanhados por prostitutas que seguem o novo Cristo como fossem devotas cegas – a metáfora da fé mesclada com a prostituição da religião institucionaliza

Logo o Ladrão percebe uma multidão reunida em torno de uma torre de onde desce um enorme gancho com um saco de ouro que foi enviado em troca de comida. O Louco encontra uma forma de subir para lá no alto encontrar O Alquimista. Após tentar derrota-lo em uma luta, é subjugado e submetido a um ritual de iniciação e autoconhecimento numa mistura de Yoga, Tarô e espelhos onde o seu próprio excremento é transformado em ouro – mais uma metáfora, dessa vez do autoconhecimento.

Depois desse início de mergulho interior, O Alquimista apresenta a ele os “seres mais poderosos do mundo” que o acompanharão em sua jornada iniciática. Aqui Jodorowsky faz a abordagem junguiana dos arquétipos do inconsciente coletivo: cada um representa oito planetas mitológicos – “são ladrões como você, mas em outro nível”, diz o mestre alquimista. Jodorowsky inicia então uma genial interpretação sociológica e atual dos deuses-planeta.

 Os arquétipos planetários

Vênus é dono da indústria têxtil e de modas vivendo em uma corte estilo Marquês de Sade; Saturno é proprietária de uma indústria que fabrica armas de brinquedos que trabalha ao lado de governos. Na verdade tem o objetivo de disseminar o ódio para condicionar crianças para guerras futuras planejadas por computadores:  – impossível não lembrar de brinquedos atuais como a réplica do “caveirão” do BOPE da Roma brinquedos que estimula guerra e segregação contra favelas e os “pobres” – sobre isso clique aqui.

Júpiter tem uma “fábrica de arte” – as referências à Factory, estúdio do artista pop Andy Warhol, são óbvias. Produção de arte por meio de bundas encharcadas de tinta que “carimbam” telas em uma esteira rolante para depois serem vendidas por valores astronômicos.

Urano é um consultor financeiro para os governos mundiais com uma única solução para qualquer crise econômica: exterminar sempre milhões de seres humanos – assim como as guerras e ajustes fiscais sacrificam milhões em nome da estabilidade econômica.

Na sequência temos ainda Netuno (chefe da repressão policial), Plutão (arquiteto, cujo projeto é transformar casas populares em algo parecido com um caixão), Marte (fabrica e vende armas e drogas para criar alucinações de grandeza para pessoas pacatas de repente tornarem-se armas mortais – alusão a serial killers e os projetos secretos como o famigerado MK Ultra de manipulação psíquica com objetivos militares).

Queimar o Ego e o Dinheiro

Depois dos planetas-líderes mundiais se juntarem ao Alquimista e ao Ladrão, chega o momento de se livrarem do entraves físicos que impedem a jornada espiritual: o Ego, representado por bonecos-réplicas de cada um que serão jogados em uma fogueira, juntamente com o dinheiro. Abdicarão de tudo aquilo que os torna humanos, para depois abraçarem a Morte e a Loucura.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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