Parasita: a sátira do neoliberalismo, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Parasita

Por Fábio de Oliveira Ribeiro

Somente hoje consegui ver Parasita. Esse filme é certamente uma obra prima.

No princípio a realidade entra no roteiro como se fosse uma sátira do neoliberalismo. Esse sistema econômico que gera riqueza produzindo exclusão social é impiedoso onde quer que seja adorado. Os vizinhos empobrecidos que roubam Wi-Fi podem ser os nossos vizinhos. A família coreana que mora num porão abaixo do nível da rua poderia ser norte-americana.

A sátira se transforma em conto de fadas. Falsificando diplomas e referências, um a um os membros da família pobre conseguem emprego na residência de um casal abastado. O empresário é cioso das hierarquias sociais. A mulher dele é gentil e ingênua. A menina é carente e precoce. O menino ficou traumatizado.

O conto de fadas se transforma em realidade quando a família de empregados, desfrutando a casa na ausência dos patrões, descobre um segredo que estava trancado no Bunker sob a residência. A ex-governanta mantinha o marido dela no Bunker sem que a ex-patrões soubessem.

As duas famílias entram em conflito. E para piorar a situação delas o casal abastado retorna inesperada e antecipadamente de um acampamento por causa da chuva.

Uma nova transformação. A realidade é subjugada pela caótica comicidade de uma sociedade dividida e fadada a provocar colisões inesperadas entre ricos e pobres e entre os pobres por causa dos ricos.

O resultado é uma tragédia. Mas não vou narrar aqui o fim do filme. A última cena é primorosa. O que sustenta e perpetua o neoliberalismo é a ilusão de que é possível transformar o fracasso em sucesso.

Durante a projeção de Parasita lembrei algumas coisas importantes. Há algumas décadas, enquanto estava vivo um amigo meu sempre dizia que conheceu duas pessoas que fizeram carreiras falsificando seus diplomas. Um conseguiu fazer Faculdade e se tornar um profissional competente e respeitável sem ter concluído o segundo grau. O outro precisava do diploma de curso técnico para conseguir emprego numa área que ele já dominava bem. Os atalhos no Brasil e na Coréia do Sul são semelhantes.

A colisão trágica entre a pobreza e o luxo também pode ser vista no assassinato dos pais da Suzane von Richtofem https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Caso_Richthofen. No caso do filme o ódio homicida foi desencadeado por causa do preconceito demonstrado pelo patrão que desprezava o odor dos pobres. No caso Richtofem algo semelhante parece ter ocorrido.

Quando os empregados tomam conta da casa dos patrões lembrei de uma cena análoga do filme The Servant https://en.m.wikipedia.org/wiki/The_Servant_(1963_film). O filme de Joseph Losey não envelheceu.

Os dois filmes convergem em relação à tensão latente e as vezes aberta entre patrões e empregados, em que a hierarquia social pode justificar tanto a opressão quanto os comportamentos anti-eticos e até criminosos. Mas esses dois filmes divergem no final. The Servant reforça os preconceitos de classe ao sugerir que o empregado pode substituir o patrão. Parasita opta pela persistência da realidade da hierarquia econômica reforçada pela ilusão de ascensão social.

Parasita mereceu os prêmios que ganhou. Recomendo. Esse filme vale o ingresso. 

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

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