Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
[email protected]

Perdido em Marte: o estranho filme destoante de Ridley Scott, por Wilson Ferreira

Por Wilson Ferreira

Um filme que destoa do conjunto da obra de Ridley Scott – “Alien”, “Blade Runner”, “Prometheus” entre outros universos distópicos. “Perdido em Marte” é um sci fi estranhamente otimista sobre um astronauta deixado só numa missão no planeta vermelho após um acidente, à espera da morte. Mas ele é cientista e botânico com a determinação de um MacGyver ou de um John McClane de “Duro de Matar”, com suas principais armas: lonas e fitas de silver tape. Contando com o velho clichê do “nenhum americano será deixado para trás”, o filme parece uma grande peça de propaganda NASA/complexo militar americano. Será que foi alguma obrigação contratual da Fox ao diretor Ridley Scott na sua quarta produção seguida pelo estúdio? Estaria Scott seguindo os supostos passos de Kubrick nas relações perigosas com a NASA?

“No espaço ninguém poderá ouvir seus gritos”. É surpreendente que o autor dessa linha de diálogo do filme Alien, o diretor Ridley Scott (artífice de universos distópicos e gnósticos como em Blade Runner e Prometheus), tenha dirigido Perdido em Marte com linhas de diálogo como “o mundo inteiro está torcendo por um só homem”. E ainda com um protagonista que tenha falas como “o primeiro homem a pisar fora dessa sonda”… “o primeiro a subir essa colina”, “o maior botânico do planeta”… “o pirata espacial”… “o colonizador de Marte”… “foda-se Marte…”.

Diante da sua obra marcada por protagonistas em estado de estranhamento e deslocamento e que desafiam a tudo e a todos ao seu redor para resgatar algo que lhe é precioso dentro de si mesmo, Perdido em Marte é um filme destoante. 

É um conto sci fi supreendentemente otimista: “vou ter de usar muita ciência para sair dessa”, desafia o astronauta Mark (Matt Damon) deixado para trás em Marte depois de uma missão abortada cuja tripulação teve que fugir às pressas. E após declarar para seu vídeo-diário que não morrerá no planeta e mandar Marte “se fuder”, ao melhor estilo de um herói americano como MacGyver ou John McClane em Duro de Matar, Mark resolverá todos os problemas sozinho completamente tranquilo. E ainda com direito a tiradas irônicas e trocadilhos nos momentos mais tensos.

Se em Prometheus toda a Ciência e racionalidade humanas levam uma tripulação a paradoxos metafísicos e filosóficos, ao contrário, em Perdido em Marte o filme preocupa-se quase que exclusivamente em Física, Química e Biologia para criar uma narrativa linear do estilo “nenhum homem será deixado para trás”. 

Ufanista e patriótico

E em estilo supreendentemente ufanista e patriótico – bem diferente das distopias de Alien, Blade Runner ou Prometheus onde astronautas são vítimas de conspirações corporativas. Em Perdido em Marte o logotipo da NASA e a bandeira dos EUA estão sempre em destaque nos enquadramentos em uniformes, objetos e fuselagens de rovers, espaçonaves e centros de controle.

O filme 2001 de Kubrick em 1968 mostrou que é possível o equilíbrio entre o realismo científico e reflexões metafísicas e filosóficas. Mas estranhamente Scott despreza essa possibilidade ao apresentar um protagonista tão linear quanto um apresentador de infomercial da TV Polishop: não há drama ou conflito psicológico que seriam factíveis numa situação tão desesperadora e deplorável como a que em se encontra Mark.

As reservas de alimentos não são suficientes para o tempo de espera de quatro anos para uma próxima missão que o resgataria, água é extremamente limitada e as intempéries são imprevisíveis com uma atmosfera constantemente acossada por tempestades e furacões.

Mark parece se divertir em Marte, fazendo piadinhas até no clímax final e desesperador. E se algo dá errado, sempre terá os seus principais amigos: uma lona e um rolo de silver tape.

E a último e não menos importante elemento que confirmaria a suspeita sobre a natureza desse filme que o Cinegnose vai defender abaixo: além de Perdido em Marte desprezar questionamentos psicológicos, metafísicos ou existenciais do protagonista ou dos próprios objetivos da missão, a narrativa simplesmente ignora os potencias e evidentes problemas políticos e diplomáticos do salvamento do astronauta – a cooperação das agências espaciais dos EUA e China é prá lá de utópica como, por exemplo, a partilha das tecnologias de lançamento e propulsão entre duas superpotências que ameaçam na atualidade iniciar uma nova Guerra Fria.

Uma peça de propaganda

Agora, juntemos as evidências: um filme nitidamente destoante no conjunto da obra de Ridley Scott, centrado unicamente na Ciência e racionalidade, despreza qualquer tensão ou conflito psicológico, ignora reflexões metafísicas ou filosóficas (embora arrisque colocar uma música metafísica de David Bowie como Space Oddity, solta no filme e sem sentido) e limpa a narrativa de qualquer tensão política entre superpotências como EUA e China.

Em outras palavras: estamos diante de uma peça de propaganda da agência espacial norte-americana (NASA), ávida por conseguir a aprovação de verba no Congresso para uma suposta missão a Marte para 2030. O timing do lançamento do filme foi perfeito: entre o anúncio da missão pelo presidente Obama e o eufórico anúncio pela imprensa da descoberta de água no planeta vermelho.

>>>>>>>>>>Leia mais>>>>>

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Importantes pontos de abordagem sobre Perdido…

    Boa tarde. No meu blogue, fiz uma digressão sobre Jornadas nas Estrelas E O Futuro Imperfeito, eivada de marcialidade, contrapondo-se ao protagonismo desta com relação aos costumes da época e vejo um ponto de intersecção com esta sua análise, pois o ufanismo e o subliminar se exacerbam neste novo filme do Ridley. No caso do Jornadas, mais estranho, pela sua mensagem utópica e triunfalista. Mas os diretores fazem ‘concessões’; ou não realizam.

  2. U LÁ LÁ. Achei que estava

    U LÁ LÁ. Achei que estava ficanco louco. Fui assistir esse filme baseado nas resenhas altamente elogiosas que li por toda parte. E achei uma das maiores drogas que já vi em se tratando de ficção científica. Não sou velhina de Taubaté. Sei que, infelizmente, serei obrigado a aturar um montão de clichês idiotas em qualquer produto do cinemão americano. Mas isso não impede grandes filmes, como o Gravidade. Esse Marte, pelo diretor e ator principal, foi uma broxada deste tamanho. 

  3. Tremenda bola fora, Wilson

    Sigo seus comentários com grande interesse e não nego que já corri atrás de muitos filmes que você indicou. Mas penso que seu posicionamento sobre o filme é uma tremenda bola fora, desta vez.

    Primeiro, a história de que Kubrick teria falsificado o pouso da Apolo 11 é uma daquelas mentiras repetidas à exaustão em que as pessoas acabam acreditando. Para maiores detalhes, veja https://pt.wikipedia.org/wiki/Acusa%C3%A7%C3%B5es_de_falsifica%C3%A7%C3%A3o_nas_alunissagens_do_Programa_Apollo, com um apanhado das acusações e um desmentido de todas elas.

    Segundo, antes de haver o filme, houve o livro “Perdido em Marte”, que li. Nele, o que existe não é um tom ufanista – afinal, a NASA já provou sua competência das mais variadas maneiras, desde o resgate dos astronautas da Apolo 13 até o envio de uma sonda não-tripulada ao planeta mais distante do sistema solar. O que o livro mostra é o uso da ciência para permitir a sobrevivência de seu protagonista, e não vejo mal nenhum nisso – principalmente quando as verbas destinadas ao ensino da ciência têm diminuído, ao mesmo tempo que equiparações do criacionismo à teoria da evolução são aceitas cada vez mais. Falar que o filme é “ufanista” suscita a seguinte discussão: que filme dos Estados Unidos com final feliz que não o é?

    De resto, se você pensa que um só filme é capaz de fazer o congresso americano reforçar o orçamento da NASA – o qual vem sendo diminuído ano a ano (ver https://en.wikipedia.org/wiki/Budget_of_NASA) – penso que você está levando teorias conspiratórias exageradamente a sério. Até porque isso contraria eventos ocorridos em 2011, como o cancelamento dos foguetes Ares e Constellation e a redução em 20% do orçamento da NASA para ciências planetárias. (Referência: https://en.wikipedia.org/wiki/Space_policy_of_the_Barack_Obama_administration.)

  4. O mesmo festival de efeitos

    O mesmo festival de efeitos especiais com aquela ladainha da propaganda americana de que são sempre os primeiros, os melhores, salvam o mundo contra alienígenas, contra terroristas, blá, blá, blá…

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador