Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Perdido no labirinto da Inteligência Artificial em “Lunar”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

No filme “2001” de Kubrick o computador HAL 9000 queria matar toda a tripulação da nave Discovery a caminho de Júpiter. Já no filme de estreia do diretor Duncan Jones, “Lunar” (“Moon”, 2009), o computador Gerty de uma estação lunar automatizada é mais amigável, sempre com um “smile” no monitor. Mas não menos perigoso: ele representa o atual estágio algorítmico da inteligência artificial – sempre com uma voz amigável, é como se jogasse migalhas de pão em um labirinto para que o sigamos. Até nos perder de nós mesmos e esquecermos do que foi um dia a noção de “inteligência humana”, envolvidos que somos em bolhas virtuais que acreditamos ser a realidade. É o que acontece com Sam Bell em “Lunar” – um solitário astronauta em uma estação lunar de mineração que, após três anos na Lua, espera o final do contrato de trabalho com uma empresa, para retornar à Terra. Mas seu único companheiro, o computador Gerty, criou o seu próprio labirinto para Sam se perder.

O espaço é indiferente, frio, solitário e impiedoso com ser humano. A partir dessa ideia, o filme 2001 de Kubrick em 1968 mostrou a possibilidade da exploração de psicodramas no gênero ficção científica. E a fórmula floresceu nos anos 1970 em filmes como Silent Running (1972 – com Bruce Dern e seus pequenos autômatos solitário e perdido muito além dos anéis de Saturno) ou Solaris (1072) do mestre Tarkovsky com uma tripulação que lentamente se deteriora psiquicamente experimentando alucinações provocadas pelo oceano de um planeta.

Até alguns anos mais tarde surgir Star Wars, eclipsando o tema, marcando o início da era das space operas e cowboys no espaço. Ducan Jones (Contra o Tempo, Mudo), na sua estreia em longas com o filme Lunar (Moon, 2009) retoma o tema do psicodrama espacial. Certamente pela influência do seu pai, o gnóstico pop David Bowie. Um fã de Kubrick e da atmosfera de 2001, expressa na sua música “Space Oddity”.

A solidão de um astronauta em uma base lunar de mineração e sua lenta deterioração psíquica que conduz à descoberta de uma impactante verdade.  

Todo o design da base lunar é francamente inspirado em 2001, aplicando a mesma fórmula do tema: solitário em uma estação totalmente automatizada, sua única relação é com a voz de um computador. Lá em 2001 é HAL 9000. Aqui em Lunar, Gerty (Kevin Spacey) cuja voz sugere que foi programada pelos mesmos sintetizadores de HAL 9000.

Mas há uma grande e decisiva diferença, que inscreve o filme de Duncan Jones no simbolismo gnóstico e na própria fase atual da Inteligência Artificial. HAL 9000 representava todos os medos e ansiedades humanas de que um dia os computadores substituiriam a inteligência humana, tornando a humanidade descartável.

Em Lunar, Gerty é uma inteligência algorítmica que aprende nas conversas com o protagonista San Bell, adaptando-se às expectativas do usuário. Assim como um Alexia ou Siri nos computadores atuais. Mas Gerty, representando os interesses corporativos de uma gigantesca empresa de mineração lunar, não quer matar Sam. Ele existe e foi programado para criar uma ilusão, uma realidade virtual na qual o protagonista viva e trabalhe. E acredite  que ao final do contrato com a empresa retornará para a Terra e voltará para sua esposa.

 

A comparação que Lunar suscita (entre HAL 9000 e Gerty) revela o estágio atual da Inteligência Artificial: se no passado, as máquinas e seus engenheiros de esforçavam em emular o raciocínio humano (e um dia, virtualmente, substituí-lo), hoje os algoritmos das grandes empresas do Vale do Silício simulam diálogo e inteligência para extrair de nós informações (nossos hábitos, corportamentos e escolhas) para criar bolhas virtuais, mundos em que supostamente vivemos e controlamos. Mas será mesmo que estamos no comando? 

O Filme

Sam Bell (Sam Rockwell) tem um contrato de três anos de trabalhos para a Lunar Industries Ltd. Por toda a duração do contrato, ele é o único empregado na estação lunar. Sua responsabilidade principal é a colheita e, periodicamente,o envio para a Terra de foguetes com remessas de hélio-3, o combustível limpo e abundante usado na Terra. 

Sam não faz nenhum trabalho de mineração real, já que a estação é totalmente automatizada. Mas são necessárias as mãos e o cérebro humano para reparos, manutenção e inspeção.

Por não haver mais comunicação direta com a Terra por problemas técnicos com um satélite, a única interação em tempo real passa a ser com Gerty, o computador inteligente, cuja função é atender às suas necessidades do dia a dia. 

Tudo o que ele quer é retornar à Terra e à sua esposa Tess e sua jovem filha Eva, que nasceu pouco antes de sua partida para este trabalho. Faltando duas semanas para retornar, envolve-se em um acidente com uma das colheitadeiras mecânicas e fica inconsciente. Acorda na enfermaria sem saber como chegou lá. 

Após sua recuperação, contraria as ordens de Gerty e sai da nave para consertar a colheitadeira danificada onde faz uma descoberta inesperada: encontra no veículo acidentado uma pessoa idêntica a ele. Um clone? 

 

A partir desse ponto Sam começa a duvidar de sua sanidade mental e da sua verdadeira identidade. Qual é o verdadeiro Sam Bell? E se ambos forem clones, onde está o Sam original. Qual o envolvimento dos interesses corporativos da Lunar Industries LTD nisso tudo?

A atmosfera de um filme gnóstico está presente em Lunar: a solidez a da realidade e das memórias aos poucas vai se diluindo ao ponto do protagonista não conseguir mais distinguir o real das projeções psíquicas.

O gnosticismo de Lunar

Sam Bell é o clássico protagonista que encarna o personagem gnóstico do “detetive” –  a solução do enigma que se impõe a ele conduz ao questionamento radical de si mesmo e da própria identidade.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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