Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Por que as aves atacam em “Os Pássaros”?

Por WIlson Ferreira

Hitchcock não levava a sério as ideias freudianas e irritava-se com as interpretações psicanalíticas de seus filmes, principalmente do filme “Os Pássaros” (The Birds, 1963): “Idiotas estúpidos! Sempre estive consciente do que fiz em todas as minhas obras”, esbravejava. Mas as imagens dos pássaros atacando seres humanos em um pequeno vilarejo litorâneo tornaram-se atemporais, como se Hitchcock, mais do que roteirizar, dirigir, montar e editar, inconscientemente tivesse buscado seus insights tanto em fatos científicos ocorridos com aves em 1961 na Califórnia, quanto nos arquétipos do inconsciente coletivo da humanidade. Por isso, de todos os filmes do diretor (Hitchcock considerava o filme como o “menos Hitchcock” da sua carreira), “Os Pássaros” foi o filme que mais rendeu interpretações, sejam científicas, psicanalíticas, filosóficas e gnósticas: por que os pássaros de Hitchcock atacaram? É o que vamos tentar responder.

A crítica especializada em geral considera o filme Os Pássaros o último grande filme de Hitchcock, rodado em 1963 quando a reputação do diretor estava no auge. O filme anterior Psicose (1960) tinha sido um sucesso e a Universal Pictures deu para o diretor três milhões de dólares para o seu próximo projeto. Hitchcock já havia se tornado a marca exclusiva do cinema de suspense com narrativas sobre espionagem, psicopatia, frieza, romance e muito humor negro.

Porém, Os Pássaros foi o filme que o redefiniu ou, como o próprio diretor considerou, era o filme “menos Hitchcock” da sua cinematografia até aquele momento: ele pela primeira vez se valeu da tecnologia como os efeitos sonoros construídos por um instrumento eletrônico chamado Mixtur-trautonium (o filme não possui trilha musical a não ser diegéticas – crianças cantando na escola, som do rádio do carro ou quando a protagonista toca ao piano); efeitos especiais indicados ao Oscar para criar os temíveis pássaros assassinos; e a utilização de muitas tomadas externas, técnica que ele nunca preferiu – costumava rodar os filmes completamente em estúdios.

 

Mas a grande inovação em Os Pássaros foi o roteiro. Livremente baseado no conto “The Birds” de 1952 escrito por Daphne Du Maurier, o que surpreende na narrativa é a aparente falta de explicação para o principal evento que conduz o filme: o porquê do ataque de pássaros de diversas espécies se unirem para atacar os seres humanos em um pequeno vilarejo litorâneo.

Sem explicações lógicas

Aos 63 anos, Hitchcock já estava seguro o suficiente para dispensar as tradicionais engrenagens da narrativa lógica. Ao contrário das explicações freudianas sobre o psicopata Norman Bates do filme anterior, em Os Pássaros tudo está solto, além das próprias aves: não há um motor condutor, nem trilha musical para amarrá-lo e nada para mantê-lo no ar, a não ser uma ambígua atmosfera sensual e medo existencial.

Hitchcock estava vivamente preocupado em como embrulhar a narrativa de maneira que desse sentido ao espectador. Por isso, ele abandonou a cena final original do roteiro em favor de uma não resolução, um final aberto – uma paisagem final apocalíptica onde os pássaros parecem ter dominado a Terra e expulsado o homem, enquanto a imagem desaparece em um fade out sem o tradicional “The End”, deixando o mistério intacto.

A partir daí surgiram as mais variadas interpretações para a revolta dos pássaros de Hitchcock contra os seres humanos: psicanalíticas, filosóficas, científicas etc.

Por incrível que pareça, a primeira explicação foi do próprio diretor. Em uma entrevista concedida a Maurice Seveno em 1962 no Jardin des Plantes em Paris (e ironicamente em frente a um viveiro de pássaros), Hitchcock explicou da seguinte maneira: “Os pássaros estão cansados de serem mortos, depenados e comidos pelos homens. Então eles decidem se vingar. Um dia se agrupam e mergulham sobre as pessoas em um pequeno vilarejo”. Simples assim! – veja vídeo e a tradução abaixo.

Mas críticos, filósofos e psicanalistas insistiam que havia algo mais, para a irritação de Hitchcock que, certa vez, explodiu depois de uma análise freudiana sobre seus filmes publicada na revista New Yorker: “Os idiotas estúpidos! Como eu não sei o que estou fazendo. Minha técnica é séria. Sempre estive consciente do que faço em toda a minha obra”.

Só para relembrar o plot de Os Pássaros: Melanie Daniels (Tippi Hedren), uma socialite da cidade de São Francisco, vai até uma pequena cidade litorânea, Bodega Bay, para entregar um presente (uma gaiola com um casal de love birds) para Mitch Brenner (Rod Taylor) por quem está interessada. Deposita o presente secretamente na casa da sua mãe de Mitch, Lydia (Jessica Tandy). Melanie cria um triângulo tenso de relações entre ela, Mitch e Lydia, momento em que inexplicavelmente todas as espécies de pássaros começam a atacar a população com uma violência crescente.

As imagens do filme são atemporais: a cena em que o posto de gasolina pega fogo e tudo é visto pelo plano subjetivo de uma ave no céu, a travessia silenciosa de Melanie em um pequeno barco para entregar os love birds, o bêbado apocalíptico, o ornitóloga que duvida das notícias de uma rebelião das aves enquanto pede uma galinha assada. Por isso, os estudiosos de cinema acreditam que embora tecnicamente o diretor esteja consciente do seu ofício quando roteiriza, decupa, captura imagens no set, edita e monta, há um plano inconsciente: o momento onde o diretor vai buscar a sua intuição e insights nas fontes arquetípicas, no plano atemporal de um inconsciente coletivo que, no final, é o que dá a força espiritual para uma obra-prima.

Por isso, vamos reunir aqui algumas teorias sobre o porquê dos pássaros Hitchcock atacarem.

1 – A Ciência

Sibel Bargu, pesquisador oceanográfico na Louisiana State University afirma que em 1961,  Hitchcock havia demonstrado interesse em um evento ocorrido em Monterey, Califórnia: pessoas informaram que enormes bandos de aves marinhas, sem nenhuma explicação, começaram a chocar-se contra suas casas. Isso deixou um rastro de terror na baia de Monterey.

Mais tarde, cientistas encontraram no estômago dessas aves mortas algas tóxicas que, segundo Sibel Bargu, causam amnésia, desorientação e convulsões. Bargu explica que naquela época houve um boom imobiliário na região e que alguns agentes tóxicos poderiam ter vazado dos canteiros sépticos das obras, contaminando algas e os pássaros, que se tornaram frenéticos e assustadores – veja “Alfred Hitchcock ‘The Birds’ Attack Mystery Solved”.

2 – Psicanálise

O filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek parte de um interessante pressuposto: o cinema é a mais perversa das artes porque ela não te dá aquilo que deseja, mas te diz como desejar. Por isso, a psicanálise conteria as chaves de interpretação do cinema, sem levar em conta o valor estético e a autonomia dos jogos formais. A equação psicanálise-autor-obra pretenderia revelar algo de escondido e nebuloso na criação autoral dos diretores.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

14 Comentários

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  1. Por aqui nós sabemos porque

    Por aqui nós sabemos porque certas aves plumadas e de grandes bicos coloridos atacam tresloucadamente os avanços sociais dos últimos anos.

    Sem mistério nenhum…

    1. É duro viu. Você lê uma

      É duro viu. Você lê uma matéria interessantíssima, se alegra, viaja, com um pouco de cultura entra tanta imundície, e aí, no primeiro comentário, um troll desses faz você cair na real, na real da mediocridade que ter cerca.

      Haja paciência. 

      Perdi até o tezão de comentar.

        1. Não é ave

          É um Cão Pache! Defensor das aves tucanas do blog. Que insiste em dizer que o PT fez coisa ruins no governo. Mas não lembra que, por pior que o PT seja, não aprontou um centésimo da merda do FHC ou das admiunistrações tucanas Aécio e Alkmim. Um quebrou MG, desviou 4 bilhões da saude, encheu de funcionário publico não concursado e diz ser choque de gestão. Outro deixou SP na seca, roubou mais de 3,5 bilhões do metro, acabou com a USP e Butantan. É dificil para o PT chegar a um currículo tão edificante.

  2. Um charuto, às vezes é só um charuto.

     “Os pássaros estão cansados de serem mortos, depenados e comidos pelos homens. Então eles decidem se vingar. Um dia se agrupam e mergulham sobre as pessoas em um pequeno vilarejo”.

    Nas cenas iniciais, quando Tippi Hedren entra na loja para comprar os pássaros, Hitchcock cruza com ela, saindo carregando uma gaiola com pássaros.  Sempre acreditei que estaria ali, naquela breve cena, uma chave para interpretar aos ataques dos pássaros: a forma de vingança contra a violência dos humanos.

    Era um menino quando vi o filme. A  explicação do  diretor bate com a minha. Fiquei feliz. Nunca concordei ou ao menos vi algum sentido nas interpretações psicanalíticas de críticos e cientistas.

     

  3. No meu tempo de faculdade de

    No meu tempo de faculdade de comunicação, a gente fez um fichamento do filme, e a conclusão meio óbvia, dado o contexto deste filme, era de que os pássaros fossem uma alusão aos comunistas… que estavam invadindo o mundo por todas as partes e era um mal que deveria ser combatido. Tempos de Guerra Fria e etc.

  4. Assisti Pássaros três vezes e..

    ..sem querer pensar o que há por trás de, simplesmente por entrenimento que prende a atençao, de repente, na última vez que vi o filme, terminei pensando que Hitchcock fala sobre a obsessao do ser humano. E esse texto, junto com as aspas do diretor!!!!, confirma mais ainda o que penso ser o tema do filme: a obsessao humana.  

  5. Inversão da realidade

    Caros

    Engraçado, dias atras acabei assistindo a esse filme num canal de cinema da Net, confesso não havia ainda visto, no final tambem finquei a pensar em que o diretor quiz transmitir, cheguei a seguinte conclusão, a mais simples possivel, decada de 60, ainda não existia esse sentimento de preservação como hoje, mesmo as crianças, viviam com estilingues no pescoço na espreita de todo e qualquer passaro que tivesse a infelicidade em dar algum rasante proximo ao atirador.

    Açalpões e gaiolas transitavam impunimente pelas cidades principalmente aquelas do interior, penso então que o autor quiz fazer uma inversão da realidade, colocando os passaros nos lugar do predador e o homem como o sistematicamente perseguido e atacado, sem motivos, sem logica e na hora que os passaros bem entendenssem, assim como os homens faziam com os passaros à epoca.

    O filme acaba com os homens fugindo dos passaros, que estavam em numeros crescentes e ocupando todos os lugares assim como acontecia com a população, em plena urbanização, com aglomerados cada vez maior e colocando mais pressão na existencia das aves.

     

    abraços

  6. Sempre acreditei que o ataque

    Sempre acreditei que o ataque estava ligado aos pássaros na gaiola…seria uma forma de rebeldia contra o homem.  Enfim…..por coincidência assisti sábado passado no TeleCine Cult.  Hitchcock é, para mim, o maior diretor de todos os tempos.  Pensar que ele causava todo esse suspense, sem recursos etc…é simplesmetne inacreditável. Até hoje morro de medo de assistir Psicose!!!   O mais interessante é que sua carreira,  de fato, decolou justamente contando a histórica de Jack, o estripador.  Não me recordo o nome direito do filme, acredito que se chama A Story about London Fog ( filme mudo, tinha no Youtube, não sei se ainda está lá) ou algo parecido.  Mas Hitchcock também fez comédia, ou melhor, filmes de humor negro, muito bons.  Meu preferido é The Trouble with Harry, que traz uma Shirley MacLaine super mocinha…bem  inicio de carreira, creio eu. Quem não viu, veja!!!

    Mudando um pouco de assunto…para aqueles que gostam do gênero……ótima série na HBO chamada True Detective. A primeira temporada acabou agora e realmente vale a pena assistir.  é uma das melhores séries que já vi, e melhor que muitos filmes por aí…..eu recomendo sem medo!!!  Genial!!!

  7. Lógica interna

    Uma obra de arte tem sua própria lógica interna. O que o espectador está vendo não precisa ser verossímil porque é uma ilusão produzida pelo artista, e a fruição da obra de arte está justamente em o espectador concordar em ser “enganado”, como num truque de mágica. Nesse sentido a explicação do Hitchcock, simples, vai direto ao motor da obra: os pássaros atacam porque “se cansaram” de serem oprimidos – a tensão Homem X Natureza, Racional X Irracional, Previsibilidade X Acaso.

    Caro Wilson, como você é aficionado por cinema, lembrei da forma como o Andrei Tarkovski abordava a Natureza em seus filmes. E de uma produção mais recente, o filme O Anticristo do Lars von Trier.

  8. Assisti várias vezes esse filme e ele abre diferentes interpretações para o final, assim como em 2001- Uma Odisséia no Espaço de Stanley Kubrick, no entanto, sempre pensei que o significado mais correto seria uma metáfora sobre a condição de intrusa de Melanie Daniels no local e pelos locais. Ela era uma “estranha no ninho”, assim como aquele casal de namorados que levava para Bodega Bay. Lembrem-se que os ataques começaram depois de uma bicada de gaivota na cabeça de Melanie e no final do filme quando eles vão embora, Cathy pede para levar os namorados, tudo indica que provavelmente Mitch os esqueceria, mas Cathy os levou e o carro foi se perdendo no horizonte sem que nenhuma ave os perseguissem, o contrário do que foi mostrado em outras cenas, como no fuga das crianças da escola, por exemplo, com pessoas em movimento. Logo, penso que o casal de namorados são os invasores rejeitados pelos outros pássaros ao mesmo tempo em que Melanie também passava pela mesma situação devido aos seus conhecidos escândalos, mas velados nos diálogos a partir de Bodega Bay. A explicação é uma comparação metafórica entre duas sociedades distintas sofrendo do mesmo mal. É isso.

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