Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Pôsteres de “Central do Brasil” e “Que Horas Ela Volta?”: coincidência ou sincronicidade?

Por Wilson Ferreira

Uma incrível semelhança entre os pôsteres promocionais dos filmes brasileiros “Central do Brasil” (1998) de Walter Salles e “Que Horas Ela Volta?” (2015) de Anna Muylaert. O “Cinegnose” não acredita em coincidências, mas em sincronicidades: os dois filmes são apontados como obras-símbolos de duas eras: o primeiro filme, a era FHC; o segundo, a era Lula. Por que os dois pôsteres recorrem à mesma composição imagética? Há algo que os une, mesmo com um intervalo de 17 anos: como filmes-símbolos de cada época, representam iconicamente passado versus futuro; novo versus velho. Além de cada um desses filmes expressarem as condições pelas quais foram produzidos: em 1998 uma co-produção Brasil/França e em 2015 uma produção Globo Filmes.

Podemos considerar o filme um documento primário de uma época. Através de imagens e movimento expressam o imaginário e sensibilidade de cada época. E também as condições de produção através das quais foi realizado.

O que dizer então da semelhança entre os pôsteres promocionais de dois filmes brasileiros distantes 17 anos no tempo: Central do Brasil (1998) de Walter Salles, e Que Horas Ela Volta? (2015) de Anna Muylaert. Quem apontou essa “coincidência” foi o crítico Ricardo Calil do blog O Videota – clique aqui.

Para o crítico, essa “coincidência” se juntaria a ainda duas outras: a temática (os dois filmes tratam de relações maternais não biológicas construídas por circunstâncias sociais) e simbólica – os filmes são apontados como obras-símbolo: Central do Brasil a era FHC; e Que Horas Ela Volta, a era Lula.

Como os leitores desse blog devem saber, o “Cinegnose” não acredita em coincidências, mas em sincronicidades. Cada um desses filmes certamente foi uma síntese do imaginário da sua época – Central do Brasil que pelo seu realismo foi considerado “o retrato da tragédia brasileira”; e Que Horas Ela Volta?, um novo Brasil onde os nordestinos não vem mais para o Sul como mão de obra barata, mas para estudar. E as tensões entre classes sociais que essa nova realidade produz.

No site oficial do filme de Walter Salles, a protagonista Dora (Fernanda Montenegro) é descrita como “uma camelô de sessenta e poucos anos que luta para sobreviver no Brasil do ‘real’… optou pela malandragem como forma de sobrevivência e não se arrepende disso”. Dora aproveitava-se do analfabetismo dos passageiros da Central do Brasil para escrever cartas para eles e não enviá-las para ficar com o dinheiro dos selos.

O trajeto de Dora levando o menino Josué do Rio de Janeiro para o interior nordestino (road movies é o estilo de Walter Salles) revelava a dura vida das pessoas que migram pelo país na busca de uma vida melhor ou para reaver parentes deixados para trás. 

Retórica Visual

A cabeça de Dora no colo do menino Josué era a compaixão do futuro em relação àquele país de 1998, quebrado e estagnado economicamente e de joelhos diante do FMI.

Agora, a mesma retórica visual aparece no pôster de Que Horas Ela Volta?, desta vez com os sinais trocados – Val, a empregada doméstica alienada e oprimida pelas regras de segregação de uma casa de classe média paulistana, olha com carinho o filho de seu patrão. Lá em 1998, o futuro olhava o presente; em 2015, o passado obstinadamente tenta resistir ao futuro. 

 Filmes distantes no tempo estão entrelaçados por essa sincronia: Velho/Novo, Passado/Futuro. Ao abordar a transformação moral de Dora na sua viagem ao interior profundo do Nordeste, Walter Salles apontava para o futuro representado pelo menino Josué em busca do seu pai. Josué, o futuro, acaricia o velho Brasil representado por Dora.

E esse futuro está em 2015, agora invertido, onde Val tenta resistir à filha Jéssica que confronta a velha ordem estagnada que tenta se sustentar  num País que se torna sócio-economicamente mais dinâmico.

No pôster de 1998 Dora é o personagem que saiu do Brasil hiper-inflacionário onde as pessoas não viam o amanhã: viviam o dia-a-dia de pequenos trambiques ou grandes golpes pensando suas vidas a curtíssimo prazo. E no pôster de 2015, um Brasil meritocrático onde a divisão de classes luta para deixar de ser divisão em castas. A escolha de uma mesma cena para os pôsteres não foi mera coincidência. 

São filmes que se tornaram autoconscientes da sua importância histórica: lá na década de 1990, o pontapé que faltava para oxigenar o cinema brasileiro pós-derrocada do Cinema Novo com a ditadura militar e Embrafilme. De certa forma, Central do Brasil abriu as portas para a produção cinematográfica brasileira de qualidade: Cidade de Deus de Fernando Meirelles, e Tropa de Elite de José Padilha, foram consequências do sucesso de Salles.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

19 Comentários

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  1. “que horas ela volta” é um

    “que horas ela volta” é um filme covarde e mediocre.

    Muito esteriótipo.

    Ricos que não trabalham,

    Uma filha que vive as custas da mãe e a critica por fazer aquilo que ela mesma fez deixar o filho para outros criarem.e pior sem ajuda financeira alguma.

    Filme de espia para pequeno burguês.

     

    1.  
      Êita aliança! Quanto sal

       

      Êita aliança! Quanto sal cara!…Não há quem consiga degustar essa moqueca de giló, além do mais, salgada desse jeito. PQP…quanto amargor.

      Orlando

    2. você diz isso

      talvez porque não conhece a herança escravocrata muito forte em Recife e Pernambuco,

      provavelmente mais forte do que em qualquer outro lugar do país. 

      Eu vi e vejo isso de perto. Você não imagina o que já presenciei, e do que minha faxineira me diz (como se fosse novidade pra mim) de madames do bairro de novos ricos de Boa Viagem; e do que eu mesmo perdi a cabeça e fui cobrar da madame de um rico Duplex em Porto de Galinhas que não dá nem um copo d’água pro rapaz de eventuais serviços gerais de dia inteiro, e pagou com cheque sem fundo (mas isso é café pequeno, diante de…

      1. o jovem engenheiro construtor

        o engenheiro construtor de uns duplexes em P. de Galinhas faz tempo, disse, com sorriso de se sentir esperto, como de contar vantagem, que tinha pago em cheque a meninos pedreiros – a região tem altíssimo grau de analfabetismo, e o 2º maior PIB de Pernambuco,a sede município de Ipojuca ( Porto e Complexo Industrial de Suape, P. de Galinhas, etc) é de uma histórica corrupta Câmara de Vereadores e prefeitos fichas-suja, por sinal apoiados por Eduardo Campos e PCdoB, e de uma classe média “instruída” e “informada” passiva, tive que catar pra conseguir mais 3 assinaturas pro vergonhoso Ministério Público de PE (na Sede em Recife e direto em Ipojuca – em vão ), etc etc etc,

        1. tudo entrelaçado, mídia censurada, comem no mesmo cocho.

          tudo entrelaçado, mídia censurada, comem no mesmo cocho.

          Você não imagina, só vendo. Gente que vai ver, diz gostar, e volta reproduzindo muito pior aquela relação.

          Usar estereótipos são uma forma de ênfase, e, pior, sim, existem na “vida real”.

          O que mais gostei foi escolherem a menina

          – uma sacada da diretora: a princípio achei uma incongruência, deslocada, mas, depois, Ah !!!! que sacada !

      2. “talvez porque não conhece a

        “talvez porque não conhece a herança escravocrata muito forte em Recife e Pernambuco,”

        Por isso que disse e reafirmo é um filme covarde.

        1. tinha desligado o computador desktop e

          repensei. Você tá certo.

          O nosso público de classe média (ou não, pouco importa ) chega a rir nalgumas cenas.

          Foram assistir e elogiar o que… já estava sendo coberto de elogios mídia afora, até com chances de oscar. E depois poderiam dizer aos amigos, trocar umas idéias, tipo assim, intelectuais, umas interpretações. Se ganhou prêmio em Sundance e em Berlin (que prêmios foram mesmo?), mas, pro que interessa, atingir a gente aqui dentro, você tem razão. Parabéns.

          Não é todo o mundo que pensa com a própria cabeça, e você é um deles.

  2.  
    Gostei da crítica.

     

    Gostei da crítica. Entretanto, ao contrário do autor, se é que entendi, ao considerar “distantes 17 anos no tempo” decorrido entre as duas situações. Entendo de maneira inversa. Diria que, apesar de…as coisas mudaram tanto. No mais, tudo perfeito. É provável que minha observação decorra de algum deslocamento de paralaxe.

    Orlando 

  3. Beleza de Post
    Leve e muito, muito bacana.

    Para sorver devagar e desapegar de todos os ranços e preconceitos.

    Feliz Natal Wilson!

    P.S.: Aproveito para te parabenizar – não o fiz na ocasião, um lapso – pelo trabalho junto aos jovens estudantes. Exemplo a ser seguido por quem está sentadinho em sua poltrona, só criticando. O Brasil precisa, mais do que nunca, dos que fazem, colocando a mão na massa e dando o exemplo.

  4. Belíssima análise!
    A frase

    Belíssima análise!

    A frase “Lá em 1998, o futuro olhava o presente; em 2015, o passado obstinadamente tenta resistir ao futuro” sintetiza de forma mararavilhosa o momento que vivemos, com essa mistura de esperança e agonia: esperança de um Brasil menos desigual socialmente, menos machista, racista e homofóbico; e agonia por ver o quanto as forças que derrubaram Jango continuam aí, firmes e fortes, ainda que repaginadas e tentando outro golpe na cara dura.

     

     

  5. a melhor análise do cinema brasileiro

    foi por Reinaldo Azevedo, Reinaldão, na Folha de S. Paulo, bem antes de ele representar o papel de cutucar umas esquerdas tolinhas que caem nas suas armadilhas (e secretamente ri – acho eu, e eu rio ). Já o vi num debate numa simples frase entender o básico do básico do básico de Marx mais do que aparenta qualquer esquerdinha posuda e arrogante por aí afora ).

     

    1. assim como vi, no Salão de Atos da UFRGS, Porto Alegre

      assim como vi, no Salão de Atos da UFRGS, Porto Alegre, num tempo em que havia muitos debates, Marilena Chauí receber lição do A-B-C marxiano pelo ótimo Sérgio Paulo Rouanet, desde aquele dia e do episódio de plágio, que não mais me impressionam trejeitos, vocabulários, semblantes cerrados a la Emir Sader, uma dita filósofa XYZ, aquela outra psicóloga-psicanalista que só diz e escreve e vive palestrando pílulas de sabedoria recheadas com citações de autores que ninguém leu, mas é próxima às esquerdas, e tá em todas

      os intelectuais midiáticos.

    2. “Primeira Mâo”, foi uma revista

      muito séria, muito boa, deixava qualquer Cult da vida no bolso.

      Dirigida por Reinaldo Azevedo.

      Teve vida curta. Armar o circo, o barraco, rende mais e tem público, repercute: hoje não tem esquerda que nao saiba de sua existência ( mas – veja só –  não sabiam quando fazia coisas sérias, de senso crítico, não daquele pronto-pra-usar conforme o freguês predisposto . Pois é   )

       

  6. prefiro eu mesmo – e só pra mim – analisar um filme

    ia colocar aspas (mas poderia ser mal interpretado: aspas também são sinais de ênfase, de acentuação ).

    o risco de análises, e de se ler análises, é perder o conjunto, é examinaar o traço do traço de um quadro de pintura. Ou de fotografia, qual foi a técnica, qual é o equipamento, etc. É procurar “a mensagem” .

    É se aprisionar, e não deixar livre os sentidos, a emoção: que é isso o principal – se se pretende uma obra de arte, claro.

    ( Em se tratando de entretenimento, tudo bem, vamos analisar )

  7. um crítico de cinema, então em porto alegre

    estréia de um filme de Ingmar Bergman. Daqueles que ninguém entende. No jornal, na manhã seguinte, um crítico respeitadíssimo se derramava em elogios, decifrava tudo, interpretações e sacadas a mil, era um Bergman, afinal.

    Só um pequeno detalhe: o operador da projeção havia se enganado e tinha trocado os 2 rolos da película, a metade final passou antes, a metade inicial passou no fim. E teve gente que saiu com mais análises, interpretações assim e assado, naqueles bares, sabe? O detalhe só vei a público tempo depois. (Não tava lá na época, não sei se é lenda ou se é verdade, mas é bem possível, e o danado é que gosto muito dele, hoje crítico em São Paulo, muito bom, e não é dos badalados )

  8. Aliança, meus parabéns, dou a mão à palmatória, v. mais abaixo

    Não é todo o mundo que pensa com a própria cabeça,

    e você é um deles.

     

    humberto – nickname

  9. Onde a “incrível” semelhança?

    Onde a “incrível” semelhança?  

    Essa imagem, alguém com a cabeça repousada no colo de outro e recebendo afago, é comum.

    Semelhança, sim. Mas “incrível” ??

    “Um charuto às vezes é apenas um charuto” : frase que, parece, nunca será levada a sério.

    Ps.

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