Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Quando a família vira uma seita mística para o sucesso em “Der Bunker”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Esse filme está na lista dos filmes mais estranhos de 2016 do Cinegnose. Como fosse um bizarro conto de fadas contemporâneo (no qual a casa da floresta é substituída por um bunker da Segunda Guerra Mundial e a bruxa uma mãe possuída alguma entidade alienígena), o filme alemão “Der Bunker” (2015) acompanha um físico quântico que aluga um quarto em um velho bunker num lugar remoto, em busca da paz e silêncio para suas pesquisas. Lá conhece uma família que é regida por uma estranha força. Pai e mãe educam o filho com seus 30 anos que se veste com penteado e roupas infantis e o tratam como tal – a família o educa de forma implacável sonhando com o dia em que ele se tornará presidente dos EUA. Uma estranha combinação entre a velha educação burguesa através da repetição e punição, a moderna meritocracia globalizada e uma família atual que se transforma em seita bizarra voltada para o modelos irreais de sucesso.

Certa vez o escritor “maldito” norte-americano Charles Bukowski  foi questionado sobre o porquê do seu estilo exagerado, sempre às voltas com temas e títulos bizarros nos seus contos – por exemplo “Kid Foguete no Matadouro”, “A Máquina de Foder”, “Doze Macacos Alados Não Conseguem Trepar Sossegados” etc. Para ele, em um mundo no qual as notícias são tão estranhas que parecem superar a imaginação literária, somente um estilo ainda mais estranho para fazer frente à realidade para melhor traduzi-la.

Atualmente, parece que os diretores gregos estão entre os melhores em compreender essa lição de Bukowski. Basta lembrarmos esquisitos filmes como Dentes Caninos (2009) de Yorgos Lanthimos ou Miss Violence (2013) de Alexander Avranas. São sempre narrativas sobre famílias tão determinadas em manter a inocência de seus filhos em um mundo corrompido, que a família se torna uma prisão domiciliar, mantendo-os isolados do resto do mundo.

Der Bunker (2015), do grego naturalizado alemão Nikias Chryssos é mais um filme que se junta aos chamados “filmes estranhos”, praticamente um gênero na cinematografia atual. Como sempre, uma narrativa em situações bizarras e com personagens totalmente incongruentes entre si, no qual violência, dominação, amor, culpa, erotismo, misticismo e horror se misturam. E sempre em pequenos espaços fechados, claustrofóbicos – a família transformada em prisão – sobre a lista dos filmes estranhos de 2016 do Cinegnose clique aqui.

Ou num bunker isolado no meio de um floresta, um resquício da Segunda Guerra Mundial em plena Alemanha moderna.

Um conto de fadas num bunker

Der Bunker tem a estrutura de um conto de fadas com a casa no meio da floresta, a bruxa má, o herói inocente, uma família que esconde segredos e um filho prisioneiro.

O filme aglutina uma série de temas da nossa bizarra realidade cotidiana: o modo burguês de educação (baseada em repetição e ausência de reflexão) que ainda é a base do atual modelo meritocrático para o sucesso, o medo dos pais do filho se tornar um fracasso, a dualidade entra a liberdade e segurança, a educação preparatória para papéis difusos que mal a criança entende e a combinação entre educação, meritocracia e terror.

 

E como uma família esmagada por essa neurose recebe alguém totalmente estranho que faz toda a situação descarrilar para o non sense.

Além de pintar a realidade em tons hiperbólicos, como um típico filme estranho nós não sabemos se rimos, se temos medo ou asco. O tom da narrativa nunca fica claro, tornando a leitura do espectador difícil e incômoda. Assim como a própria realidade.

O Filme

Todo a narrativa de desenrola no interior de um velho bunker no meio de uma floresta coberta por neve, onde mora o pai (David Scheller), a mãe (Oona von Maydell) que consegue a façanha de ser ao mesmo tempo sexy e repugnante e seu filho Klaus (Daniel Fripan). 

Fala-se que Klaus tem oito anos mas há algo de extremamente errado com ele: parece atrofiado, apertado em roupas infantis e com um cabelo de tigela. Mas seu rosto aparenta ter mais idade. Mas ele obviamente é um homem adulto. Ou um deficiente mental?

Logo nas primeiras cenas, denota-se que a rotina da família é extremamente disciplinada, ritualizada e que o “pequeno” Klaus jamais viu o mundo exterior àquele bunker. 

 

Mas todos estão excitados com a chegada de um visitante que eles logo chamam de “Student”(Pit Bukowski), um jovem que vem para ser locatário em um quarto disponível para alugar: ele é um pesquisador em busca de solidão e silêncio para dar continuidade nas suas pesquisas teóricas envolvendo física quântica e a partícula Higgs – uma partícula elementar (chamada “partícula de Deus”), supostamente a primeira partícula surgida após o Big Bang.

Aos poucos o Student conhece o bizarro cotidiano daquela família: Klaus é educado pelo pai para ser presidente dos EUA, mesmo sendo alemão. Como? Obrigando-o a decorar as capitais de todos os países do mundo, sob o castigo de golpes de vara nas mãos. Os pais são obcecados pelo sucesso do filho. Por isso, é mantido prisioneiro sob uma educação pavloviana baseada em castigos e recompensas.

Enquanto isso, a mãe parece ser possuída em alguns momentos por uma voz demoníaca que fala através de… uma ferida aberta na perna. A entidade é Heinrich, uma inteligência de uma galáxia distante que vive no interior daquela ferida… Ou pelo menos ela acredita.

E, como prova de amor e recompensa aos eventuais bons resultados educacionais de Klaus, a mãe ainda amamenta seu filho adulto que é colocado no colo com penteado e roupas infantis.

Mesmo imerso em seus estudos em seu quarto isolado e sem janelas, aos poucos o visitante torna-se o professor de Klaus e estranhamente começa a se adaptar àquele triângulo neurótico e até começa a tirar vantagens disso, melhorando os resultados na sua pesquisa.

 

Mas o equilíbrio da situação é transitório: logo tudo começa a desmoronar quando o visitante apresenta a Klaus um elemento que nunca fez parte da sua educação e da sua própria existência até ali: o lúdico e a brincadeira.

A nova função da família na ordem meritocrática

Nas entrevistas o diretor Nikias Chrysso afirma que o argumento de Der Bunker se originou em uma percepção que ele tem em relação aos pais de hoje: “há um grande medo dos pais em relação aos filhos, de não expô-los. Há uma estranha mistura de ser ao mesmo tempo exigente em relação ao sucesso e super-protetor. É uma situação difícil para a criança”.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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