O clássico independente que fez Marlon Brando esquecer Hollywood

 

Por N Almeida

Um clássico do cinema político, dirigido por Gillo Pontecorvo, em 1969; roteiro de Franco Solinas e Giorgio Arlorio; música de Ennio Morricone; com Marlon Brando e Evaristo Márquez, nos papéis principais.

No começo do século XIX, um agente mercenário do imperialismo inglês é enviado, para a ilha caribenha de Queimada, colônia portuguesa. Sua missão era articular uma revolta de escravos, com uma conspiração dos latifundiários locais em prol da independência, para assim melhorar o comércio de açúcar britânico, dispensando a intermediação dos portugueses. Ao chegar, fica ciente de que a revolta foi sufocada e assiste a execução de seu líder. Na iminência de abortar a missão, vê a possibilidade de formar uma nova liderança, para iniciar outra revolta da população escrava, que levará o país à independência. Anos mais tarde, ele é reenviado, pela companhia britânica que explorava o comércio do açúcar na Ilha, para conter uma rebelião dos trabalhadores “livres” das plantações de cana.

O filme, ambientado na fictícia Queimada, é uma metáfora sobre colonialismo e imperialismo, dos processos de “independência” das colônias do Caribe e outras iberoamericanas; há alusões às revoltas de escravos do Haiti e Jamaica no século XIX, bem como ao processo de expulsão de camponeses, pelo incêndio de florestas, plantações e vilarejos, que eram promovidas na época, no final dos 1960, em pleno século XX, com o uso de napalm pelos americanos, para combater a guerrilha no Vietnã. O nome do personagem principal é uma referência ao flibusteiro William Walker, um aventureiro americano que se tornou, em 1856, “presidente” da Nicarágua.

Esplêndida atuação de Marlon Brando, que recusou papéis em Butch Cassidy e A Filha de Ryan, para interpretar nesse filme  o que ele próprio considerou uma das melhores atuações de sua carreira. O filme foi rodado quase totalmente em Cartagena, Colômbia, utilizando a população nativa para figuração e desempenho de alguns personagens, inclusive o do líder José Dolores. Pontecorvo cogitou o nome de Sidney Poitier para contracenar com Marlon Brando, não conseguiu seu intento e procurou por um ator colombiano para o papel; novamente frustrado, descobriu casualmente Evaristo Márquez, um tropeiro analfabeto, que nunca tinha assistido um filme no cinema, que o diretor viu tangendo gado numa estrada.

O filme original tem 132 minutos de duração. Encontrei dois vídeos com o filme, ambos, infelizmente, com a duração cortada; o primeiro com a narração original em italiano, legendado em espanhol e encurtado em nove minutos; o segundo, narrado em inglês, com legendas em português e vinte minutos a menos, deixei abaixo para apreciação dos fãs de Marlon Brando.

 

http://www.youtube.com/watch?v=JBrg5tcWMk4]

 

[video:http://www.youtube.com/watch?v=tQBHr8pjGXI

10 Comentários

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  1. Evaristo Márquez.

    Depois de Queimada, Evaristo Márquez atuou em mais quatro filmes nos anos 1970. Voltou à sua atividade de tropeiro em sua cidade natal; trabalhou em mais dois curta metragens em 2008 e 2010. A seguir, vídeos com um depoimento sobre sua atuação com Marlon Brando e seus dias finais em San Basilio de Palenque.
     

     

    [video:http://www.youtube.com/watch?v=laOJ2dfbJLo%5D

     

    [video:http://www.youtube.com/watch?v=F_IvBDz8FFo%5D

     

    Funeral de Evaristo Márquez em Palenque, Colômbia.

     

    [video:http://www.youtube.com/watch?v=1VCB7X3pWRQ%5D

     

    [video:http://www.youtube.com/watch?v=bnOOQakEkMY%5D

     

     

  2. O filme é mesmo surpreendente

    O filme é mesmo surpreendente e não aparece nas filmografias tradicionais. Assisti por acaso em DVD e você se surpreende desde a primeira cena com a ambientação perfeita do filme na fictícia ilha-colônia. Pensei até que fosse baseado em fatos reais, mas é uma não menos relevante aula de história sobre os interesses comerciais antigos e novos.

    O rosto “anglo-saxão”” dos protagonistas, inclusive do líder-escravo, não compromete a proposta, apenas a identifica como um legítimo representante da estética cinematográfica italiana.

  3. Filme censurado no Brasil

    Ao que parece o filme logo depois de estrear no Brasil chegou a ser censurado.

    https://jornalggn.com.br/blog/anonimo/o-classico-independente-que-fez-marlon-brando-esquecer-hollywood

    Queimada! (1968), 

    Rubens Ewald Filho

    Especial para o UOL Cinema 

      Realizado pelo mesmo diretor de “A Batalha de Argel”, “Queimada” foi o único filme de Pontecorvo rodado em inglês, por causa da presença de Brando, com quem ele teve batalhas homéricas. Originalmente, o filme iria se chamar “Quemada”, e o colonizador seria espanhol, em uma ilha imaginária das Antilhas. Optaram pelo português porque causava menos polêmica e porque os espanhóis ameaçaram proibir todos os filmes do produtor Alberto Grimaldi. Isso foi mudado durante a dublagem, em que se falou um português abrasileirado. Mas trouxe dois erros históricos: Portugal não colonizou nada nas Antilhas e, num diálogo, Brando explicou erroneamente: “Você sabe que Portugal e Inglaterra são inimigos tradicionais” (isso acontecia com a Espanha, Portugal sempre foi aliado da Inglaterra). 

    Rodado com grande dificuldade na Colômbia, o filme teve num dos papéis centrais Evaristo Marquez, totalmente inexperiente. A fita teve problemas com a censura brasileira, que a recolheu mesmo depois de ela já ter saído de cartaz. A cópia americana do filme tem 112 minutos. Ed Harris interpretou o mesmo personagem que Brando, sir William Walker, na fita “Walker” (1988, de Alex Cox). Quando estreou no Brasil em 1971, “Queimada” nos pareceu o filme que todo cineasta brasileiro do Cinema Novo sonhou fazer, mas nunca conseguiu: tratar um tema político de maneira clara, objetiva e artística. Não que seja um filme imparcial, ele tem uma tese a provar e faz isso muito bem, é engajado e polêmico. 

    Esta é uma parábola política sobre a penetração econômica dos EUA nos países subdesenvolvidos. Para tornar as coisa mais alegóricas. O agente é britânico (a potência colonialista e imperialista da época) e vai a Queimada para promover uma revolta. Quando chega à ilha, descobre que não há líderes e precisa encontrar alguém com essas qualidades. Essa pessoa acaba sendo um estivador (Evaristo), que se torna herói e líder rebelde. Mas, quando a revolução vence, patrocinada por uma companhia inglesa que explora o monopólio de cana-de-açúcar, este, despreparado para governar, afasta-se. 

    Nove anos depois, Brando volta à ilha, e Evaristo tornou-se o líder guerrilheiro lutando contra o governo, já uma ditadura. E Brando, que tinha inventado aquele rebelde, agora precisa destruí-lo. O meio de fazer isso é queimar a ilha até expulsá-lo da floresta. E, quando finalmente oferece-lhe uma alternativa – a morte ou a liberdade -, ele prefere morrer. Assim, nunca mais seu nome deixará de existir, nascerá sua lenda, bandeira para os rebeldes que o substituírem. Queimada termina com o olhar revoltado, com um grito abafado. Leva à reflexão, não à ação (são claras as referências a Cuba; os guerrilheiros se refugiam numa montanha chamada Sierra Madre). 

    Artisticamente, tem dois pontos altos: a direção de arte de Piero Gherardi, o mesmo dos filmes de Fellini, infelizmente morto por causa de uma doença adquirida nas locações, e a música de Morricone, excepcional no cortejo de chegada de Evaristo à capital. Por isso o filme é muito bonito, praticamente perfeito. A fotografia, porém, é menos feliz, com muita câmera na mão, muita teleobjetiva. Brando na época já estava ficando gordo, barrigudo e careca, mas tem uma interpretação totalmente carismática. Evaristo, que nunca sequer tinha visto um filme, tem a naturalidade do personagem. O filme, que não perdeu sua atualidade, continua a ser uma lição de cinema político. O diretor Pontecorvo (1919-2006), no entanto, nunca mais chegou a fazer outro grande filme.

     

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    http://www.documentosrevelados.com.br/repressao/chefe-da-rede-ferroviaria-federal-de-curitiba-sugeriu-censura-de-filme-queimada-de-pontecorvo/

    CHEFE DA REDE FERROVIÁRIA FEDERAL, DE CURITIBA, SUGERIU CENSURA DE FILME QUEIMADA, DE PONTECORVO

    POR  · 1 DE SETEMBRO DE 2012

    O documento em anexo  foi produzido pelo Chefe do Setor de Segurança   da Rede Ferroviária Federal  , que apos ver o filme Queimada de  Pontecorvo , no Cine  Sao João, em Curitiba, julgou que o mesmo teria ” cunho subversivo” e sugeriu que o mesmo fosse censurado.

    Rodado em exteriores na Colômbia  e no Marrocos, Queimada ( 1968), de Gillo Pontecorvo, é uma das obras cinematográficas que conjugam, com rara eficiência, o cunho politico ao didatismo, sem, com isso, deixar de ter um valor cinematográfico ou, mesmo, se tornar um espetáculo envolvente.  Pontecorvo é um cineasta político que tenta ser didático e o filme em questão, lançado no Brasil em 1971, durante a ‘era’ Médici, período de chumbo, foi logo retirado do cartaz. Vale registrar que Pontecorvo, o realizador de A batalha de Argel, morreu ano passado.

    REDE FERROVIARIA FEDERAL

    DEP/SEG

    SETOR SEGURANCA

    ORIGEM SETE/11º DIVISAO  RFFSA

    INFORME 054/71

    http://pt.scribd.com/doc/104639732

    http://pt.scribd.com/doc/104639709

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

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    http://www.documentosrevelados.com.br/repressao/chefe-da-rede-ferroviaria-federal-de-curitiba-sugeriu-censura-de-filme-queimada-de-pontecorvo/

    CHEFE DA REDE FERROVIÁRIA FEDERAL, DE CURITIBA, SUGERIU CENSURA DE FILME QUEIMADA, DE PONTECORVO

    POR  · 1 DE SETEMBRO DE 2012 ·  

    O documento em anexo  foi produzido pelo Chefe do Setor de Segurança   da Rede Ferroviária Federal  , que apos ver o filme Queimada de  Pontecorvo , no Cine  Sao João, em Curitiba, julgou que o mesmo teria ” cunho subversivo” e sugeriu que o mesmo fosse censurado.

    Rodado em exteriores na Colômbia  e no Marrocos, Queimada ( 1968), de Gillo Pontecorvo, é uma das obras cinematográficas que conjugam, com rara eficiência, o cunho politico ao didatismo, sem, com isso, deixar de ter um valor cinematográfico ou, mesmo, se tornar um espetáculo envolvente.  Pontecorvo é um cineasta político que tenta ser didático e o filme em questão, lançado no Brasil em 1971, durante a ‘era’ Médici, período de chumbo, foi logo retirado do cartaz. Vale registrar que Pontecorvo, o realizador de A batalha de Argel, morreu ano passado.

    REDE FERROVIARIA FEDERAL

    DEP/SEG

    SETOR SEGURANCA

    ORIGEM SETE/11º DIVISAO  RFFSA

    INFORME 054/71

    http://pt.scribd.com/doc/104639732

    http://pt.scribd.com/doc/104639709

     

     

  4. quemada

    Só faltou dizer que Gillo Pontecorvo teve uns arranca-rabos  com Marlon Brando durante as filmagens.

    No mais, um belo filme.

    Para que quiser ver ou rever mais dois filmes de Pontecorvo (BATALHA DE ARGEL e OPERAÇÃO OGRO),  segue o linque do sítio TOCA DOS CINÉFILOS.

    http://filmeonlinetocadoscinefilos.blogspot.com.br/search/label/Gillo%20Pontecorvo

    Recomendo especialmente o menos conhecido dos filmes de Pontecorvo: OPERAÇÃO OGRO.

    Trata-se da operação do ETA que visava a eliminação do almirante Carrero Blanco – o número dois na hierarquia franquista.

    En passant…

    Quem realmente gosta de bom cinema vai se encantar com o sítio TOCA DOS CINÉFILOS.

     

  5. Foi 1 dos melhores e 1 dos + chatos filmes q já vi

    A primeira vez que vi, adorei, considerei o melhor filme que já tinha visto. Ao rever, muitos anos depois, achei panfletário e chato… E nao entanto nao mudei de valores políticos, o que nao suporto mais é um certo tipo de retórica. Tipo “o imperialismo é um tigre de papel”, e mesmo “O povo unido jamais será vencido” (coitado do povo, que para começar raramente está mesmo unido, e quase sempre leva é trolha…). Ou, em variante já bem mais moderna, mas igualmente cega, “Seja realista, peça o impossível”; argh… A primeira condiçao para poder mudar a realidade é ser capaz de vê-la, nao a de construir quimeras auto-confortantes. 

  6. a primeira vez, vi no cinema

    Fiquei fascinado quando vi este filme num cinema não sei mais de qual cidade brasileira. Muitos anos depois, tive a sorte de comprar o DVD, e o assisto de vez em quando.

    Agora, essa de pegar um desconhecido e conseguir que ele desempenhasse um extraordinário papel num filme, é demais!  Para a sorte do diretor, o moço era tropeiro, profissão esta que, pelo menos no Brasil, consistia em fazer da vida cotidiana um papel a desempenhar, como no cinema, sob pena de ficar pelos caminhos. Meu pai foi tropeiro.

    O filme tem anúncios de venda na internet, mas achei caros alguns preços:

     http://www.submarino.com.br/produto/7244983/dvd-queimada

    DVD Queimada

  7. As “imperfeições” de Queimada são seu mérito.

    O cinema como arte, também é metáfora, prescinde de exatidão física ou de precisão histórica. Portugal não teve colônias no Caribe? Ótimo, torna Queimada mais fictícia, seu tema não é o colonialismo português em particular, mas o colonialismo e o imperialismo em geral. Fala-se espanhol na versão americana de Queimada? Errado, em mais de uma cena desta versão, assim como na versão italiana, a fala abrasileirada do português é nitida; na cena em que os escravos disputam as moedas atiradas por Walker, até palavrão em português é percebido.

    Também reclamam da pronúncia pouco britânica de Brando, não a acham convincente. Todas essas confusões são quase propositais, lembrem-se de que o nome William Walker pertenceu, a um agente americano na América Central existente de fato. No início da trama, o líder Santiago é executado no garrote vil, pena de morte associada aos espanhóis, que estava ainda em vigor na Espanha em 1969, na ocasião da filmagem; a cabeça de Santiago é decepada e exibida para a população escrava, tal como fizeram com o Zumbi dos Palmares; o novo líder se chamava José Dolores, se fosse nome português, se chamaria José das Dores, seu refúgio era Sierra Madre, mais um nome espanhol; o chefe latifundiário da independência se chamava Teddy Sánchez, que não é um nome português, nem inteiramente espanhol; e por aí vão todas as “imprecisões”, que servem para mostrar que, se o Caribe não foi colonizado por portugueses, ele não foi inteiramente colonizado por espanhóis, também ingleses, franceses, holandeses e até americanos deitaram suas garras imperialistas no pedaço.

    Queimada tem a pretensão de ser uma alegoria sobre imperialismo e colonialismo, sobre um espaço não definido e atemporal, tanto se aplica ao século XIX, quanto no que o sucedeu e, infelizmente, ainda assistido no atual. Os processos de independência colonial e suas consequências estavam na ordem do dia em 1969. Portugal mantinha uma guerra na África, para preservar seu ultracolonialismo sobre extenso território africano; vivia-se o regime de apartheid na Rodésia e África do Sul; a Revolução Cubana cumpria dez anos, a independência da Índia vinte e dois e o nasserismo árabe quinze, inúmeros países se tornaram independentes naquela década. A Guerra Fria encaminhava o EUA para a posição de sustentar, os esqueletos dos impérios coloniais desfeitos, inclusive na Indochina, onde toda a podridão imperialista era demonstrada: colonialismo, racismo e genocídio. Ditaduras eram semeadas por toda parte para sustentar o alinhamento, com a hegemonia imperial da hora, tudo faz parte do contexto de 1969.

    Gillo Pontecorvo foi do Partido Comunista Italiano, rompeu em 1956 com a ocupação da Hungria, mas sempre se definiu como de esquerda e marxista. Era o cineasta de A Batalha de Argel, o tema do colonialismo não lhe chegou com Queimada. Vinha de uma família judia não praticante, dois de seus irmãos, Guido, geneticista, e Bruno, físico, foram eminentes cientistas. Bruno foi assistente de Enrico Fermi, por suas idéias socialistas, foi recusado no Projeto Manhattan, mas veio a trabalhar no projeto da bomba nuclear britânica com Klaus Fuchs; quando este caiu como espião, teve de se mandar para a União Soviética. Os franquistas tinham motivos de sobra para censurarem filmes de Pontecorvo, não seria o detalhe da fala espanhola numa das sua fitas o preponderante, daí ser bobagem a história de que improvisou o português no roteiro do filme, para ‘agradar’, quem ele jamais se prestaria agradar, o fascismo espanhol e todos assemelhados.

    Por último, mais duas coisitas. Pontecorvo é impiedoso com a revolta pela revolta dos escravos; mostra seus limites, a frustração de um projeto que persegue a libertação, dentro dos marcos da civilização burguesa, desarticulado de qualquer interação internacional solidária. Acusam o filme de panfletário, mas qual é o filme político que não é um panfleto?

    Saudações a todos.

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