Segredos e inconfidências, por Walnice Nogueira Galvão

Por  Walnice Nogueira Galvão

Neste momento, militantes norteamericanos correm risco quando, por uma ironia da História, tornaram-se vulneráveis a processos devido aos novos e bem-vindos acordos celebrados entre seu país e Cuba. Há vários deles nessa situação, herança de outros tempos em que o Black Power estava no auge. Cuba nunca aprovou os sequestros de avião, que iam parar em Havana, e nunca facilitou a vida dos sequestradores. Um deles, William Potts, ex-Pantera Negra, agora no torrão natal aguardando julgamento, foi preso, julgado e condenado a onze anos de cadeia (que cumpriu), assim que pousou o avião em Cuba. Agora reclama do destino, porque já saiu de uma longa pena pelo mesmo crime, só que em outro país.

Entre segredos e inconfidências, assinalam-se os casos de impeachment: dos mais rumorosos, afora Collor, é o de Richard Nixon, que acabou renunciando.

Foi em sua gestão que ocorreu o vazamento dos Papéis do Pentágono por Daniel Ellsberg, que arrastou em seu bojo o fim da Guerra do Vietnã. Como arremate, o vietcong assediou e invadiu Saigon, a capital do Vietnã do Sul, e tomou a embaixada americana. O final inglório foi fotografado, filmado e exibido por toda parte. O planeta inteiro viu os últimos defensores da embaixada fugir pelo telhado, num helicóptero em que alguns deles mal se equilibravam, agarrando-se à escada de corda.

Tudo isso abalou irremediavelmente o governo Nixon.

A onda de desassossego e o desgaste da confiança desembocariam no escândalo de Watergate, que acabaria levando à queda do presidente. As investigações revelaram que ele tinha conhecimento da invasão do diretório nacional do Partido Democrata, e, pior ainda, acobertara o crime, negando-o repetidas vezes, inclusive sob juramento, mentindo à nação. O trabalho de detetive que levou à revelação deveu-se a dois repórteres investigativos do Washington Post – Carl Bernstein e Bob Woodward – que recebiam segredos de Estado de um membro das altas esferas, protegido pelo anonimato e alcunhado de “Deep Throat”.

Meio século depois, o então vice-presidente do FBI, segundo em comando do sinistro J. Edgar Hoover, assumiria o papel desse informante. O escândalo originou um grande livro e um grande filme, ambos com o título de Todos os homens do presidente, que estamparam para o mundo esses meandros escabrosos. Ótimos atores como Robert Redford e Dustin Hoffmann encarnariam a dupla de jornalistas.

Nixon, que era bem desconfiado, mandava gravar clandestinamente todas as conversas em seu gabinete, para se proteger e poder apelar para os testemunhos contidos nas fitas. Só que o feitiço a certa altura virou-se contra o feiticeiro, e as gravações foram requisitadas pela Justiça – e nelas o papel de Nixon não mais pôde ser escondido.

Em outras circunstâncias, e ao contrário, é a publicidade extremada que pode salvar Edward Snowden.

Foi nisso que se envolveu a ganhadora do Oscar de melhor documentário deste ano, Laura Poitras, diretora de CitizenFour, sobre o grande dissidente. A intrépida cineasta há anos que tem sua vida esmiuçada e devassada, é seguida, é detida em aeroportos para interrogatório. É por isso que se mudou dos Estados Unidos para Berlim, onde se sente menos vigiada e mais à vontade.

Laura Poitras estreou há poucos anos e já mostrou sua garra em duas outras películas. Em My country, my country filma a ocupação do Iraque e em The oath registra o testemunho de um guarda-costas de Osama Bin Laden. Cineasta independente, arrisca a vida visitando campos de concentração, prisões secretas, acampamentos de refugiados, terrenos de treinamento de ativistas. Edward Snowden bem que precisava de uma artista com essa coragem. Se os filmes forem difíceis de obter, sempre se pode ler o livro de Glen Greenwald, Sem lugar para se esconder, que descreve a saga de Snowden. E também é possível acompanhar o desenvolvimento do projeto on-line de Laura Poitras intitulado The Intercept.

Só vai permanecer desinformado sobre segredos e inconfidências quem de fato tiver muita preguiça.

 

Walnice Nogueira Galvão

1 Comentário

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  1. E ………………….

    Nosso muito obrigado a estes personagens que se dedicam, e arriscam suas próprias vidas a nos mostrar os podres do sistema!!!!

    Estarei atento e verei, lerei e comnetarei tudo que eles disserem sobre estes podres !!!!!!!!!!!

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