Seis filmes e a relação capital-trabalho, por Claudio Santana Pimentel

Seis filmes e a relação capital-trabalho

por Claudio Santana Pimentel

Tempos de incertezas, ou de crueis certezas que se impõem, reforçadas pela recente aprovação da reforma trabalhista, reforma que, como tem sido comum neste país, mais uma vez privilegia os interesses não dos trabalhadores, mas do capital.

As artes, e o cinema especialmente, propiciam oportunidades para refletir sobre a relação capital-trabalho; sobretudo, por ressaltar a assimetria entre trabalhador e patronato, a desigualdade entre o empregado e o patrão, cuja negação é a premissa interesseira do neoliberalismo e de seus representantes.

A presente lista apresenta alguns filmes que, de diferentes maneiras e mirando diferentes momentos históricos, oferecem subsídios para pensar essa relação além e contra a métrica neoliberal.

Daens, Um Grito de Justiça (1992)

Direção de Stijn Coninx. Baseado em romance de Louis Paul Boon. Adolf Daens é um padre que, retornando à cidade de Aalst, Bélgica, passa a denunciar em um jornal local a situação de miséria e exploração dos trabalhadores da indústria manufatureira local. A demissão dos trabalhadores masculinos, substituídos por mulheres e crianças com o intuito de baratear os custos/aumentar os lucros levaria ao delírio infladores de patos amarelos. Temas como a exploração do trabalho, em particular o infantil e feminino, o círculo vicioso entre baixos salários e miséria social, a relação entre capital e política e a não-representação dos trabalhadores, perpassam a narrativa, ambientada nas últimas décadas do século XIX.

https://www.youtube.com/watch?v=jnFzBoHIxf8 align:center]

 

Os Tempos Modernos (1936)

Direção e roteiro de Charles Chaplin. Provavelmente, a obra mais mencionada quando se discute a desumanização provocada pela exploração do trabalho. Os talentos de Chaplin como ator e mímico revelaram o não-sentido a que se submete o trabalhador, que deixa de ser alguém para ser simplesmente uma extensão da máquina. Aqui, pode se evocar a ideia de unidimensionalidade, desenvolvida por Herbert Marcuse cerca de trinta anos depois: para a sociedade industrial, o trabalhador e tudo o que ele faz, pensa e sente deve se restringir aquilo que interessa ao próprio capital.

https://www.youtube.com/watch?v=FNv7M-UPNuY align:center]

 

Vidas Secas (1963)

Direção de Nelson Pereira dos Santos. Adaptação do romance homônimo de Graciliano Ramos, grande escritor e membro do Partidão, viu deputado? Seca, miséria, fome, mas também ali, a exploração do trabalho pelo capital. Fabiano, um simples vaqueiro analfabeto, é incapaz de reagir aos abusos de seu patrão, mesmo sabendo-se roubado. Sobretudo, mostra-se incapaz de traduzir por meio de linguagem as violências que sofre. Situação que pode ser comparada a de trabalhadores que, questionados em reportagens sobre as mudanças trabalhistas, simplesmente não sabiam dizer como a reforma os atingiria.

https://www.youtube.com/watch?v=Szre5iVqsrI align:center]

 

Eles Não Usam Black-Tie (1981)

Direção de Leon Hirszman, roteiro adaptado da peça homônima de Gianfrancesco Guarnieri. Narra o drama de uma família, o pai, Otávio, e o filho Tião, que se veem em conflito quando este último, diante de suas novas responsabilidades como pai e marido, “fura” a greve na firma em que trabalham. Um retrato da questão trabalhista no período da abertura “democrática”, aquela, lenta, gradual… tão lenta e tão gradual que nunca se realizou plenamente e se vê definitivamente ameaçada. Especialmente importante, voltando ao filme, a personagem Romana, a mãe. Mulheres como Romana foram tema da dissertação Mulheres em luta: uma outra história do Movimento “Queixadas” de Perus (2011), de Maria Madalena Ferreira Alves, na PUC-SP.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=zZIf_eVvcyE align:center

 

Filadélfia (1993)

Direção de Jonathan Demme. Filadélfia é geralmente lembrado como um filme sobre os direitos da população homossexual, ou sobre preconceito. Ou ainda, como um “filme de tribunal”. A meu ver, ele é tudo isso, mas é também um filme sobre a relação capital-trabalho. Andrew Beckett é um advogado promissor, o mais jovem de seu escritório. Quando seus sócios percebem os sintomas das infecções em decorrência do HIV que ele se esforça por esconder – e concluem que Beckett é homossexual – armam um plano para fazê-lo passar por desleixado e incompetente. É a partir daí que a narrativa se desenvolve, o esforço de Beckett para provar que sua demissão foi resultado de uma fraude. O que passa por encontrar um advogado que aceite o seu caso, porque nenhum dos grandes escritórios aceitava enfrentar seu ex-patrão. Bom para se pensar que a Justiça deve sim mediar a relação capital-trabalho.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=e5z7AIMQ21E align:center

 

Eu, Daniel Blake (2016)

Direção de Ken Loach. Voltamos ao drama de Fabiano, o trabalhador simples de Vidas Secas. Aqui, com Daniel Blake, um carpinteiro que é afastado por ordens médicas após um infarto. Começa o drama de Blake, que não consegue obter o benefício a que teria direito, entre outras dificuldades, enfrenta o analfabetismo funcional, que o impede de conseguir preencher uma solicitação eletrônica. Em seu infortúnio, encontra outras pessoas, em situação tão ou mais vulnerável que ele próprio. Os percalços que enfrenta contra a burocracia britânica lembram O Castelo, de Franz Kafka. Pemitindo-me corrigir os Racionais MC’s, eu diria: “Margareth Thatcher sorri no inferno”

[video:https://www.youtube.com/watch?v=ob_uqy1aouk align:center

 

 

 

 

 

 

Redação

13 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Esqueceu o principal!

    Claudio, se é para nos lembrar de filmes que focalizem as conturbadas relações capital-trabalho, creio que em primeiro lugar estaria ‘Germinal”, dirigido por Claude Berri, baseado no livro homônimo de Èmile Zola, que conta a história de uma vila que vive em torno de uma mina de carvão européia, no final do século XIX ou início do século XX, onde os mineiros viviam situação de extrema miséria, explorados impiedosamente pela burguesia, até que estoura uma greve…

  2. O mundo do trabalho no cinema

    Recomendo a leitura do livro de Carolina Maria Ruy,  “O mundo do trabalho no cinema”, que teve sua primeira  notícia aqui http://www.vermelho.org.br/noticia/273154-1

    O Mundo do Trabalho no Cinema traz um apanhado de 149 filmes

    O livro O Mundo do Trabalho no Cinema, da jornalista Carolina Maria Ruy, será lançado nesta terça-feira (24), na capital paulista. A Obra traz um apanhado de 148 filmes, documentários e animações cujo ponto em comum é a relação do ser humano com o mundo do trabalho.

    O livro traz resenhas de clássicos como O Encouraçado Potemkin e A Classe Operária Vai ao Paraíso, mas descobre aspectos inusitados em filmes como a animação Ratatouille e o ícone da luxúria O Diabo Veste Prada.

    “Merecem atenção as dificuldades enfrentadas na travessia dos ratos e a consequente busca de sobrevivência”, escreve Carolina Maria Ruy à página 291. “A situação é análoga ao despejo e a migração”, assinala, para completar: “Em contrapartida, a trajetória do rato protagonista Remy mostra a ousadia e o ímpeto da juventude em buscar novos caminhos e tornar possível o impossível”.

    Com 400 páginas, o livro contribui com a reflexão e o pensamento crítico e pode ser utilizado por educadores e professores tanto na formação sindical, quanto em outras dinâmicas de ensino.

    Em textos rápidos que não pecam pela falta de profundidade, ao contrário, têm na reflexão abaixo da superfície visível um grande mérito, a autora conduz o leitor por lembranças de filmes vistos, outros perdidos e muitos somente agora apresentados. O traço de unidade se verifica na seleção e destaque, a cada resenha, da abordagem sobre as relações entre capital e trabalho, inserção e exclusão, riqueza e exploração nas películas analisadas.

    Os clássicos todos lá estão – Tempos Modernos (Charles Chaplin, 1930), As Vinhas da Ira (John Ford, 1940), Ladrões de Bicicleta (Vittorio de Sica, 1948) e A Classe Operária Vai ao Paraíso (Elio Petri, 1971), entre outros -, mas o trabalho de fôlego de Carolina Maria Ruy inclui títulos que, à primeira vista, pouco ou nada têm a ver com o tema proposto.

    Escolhas como as comédias M.A.S.H. (Robert Altman, 1970), A Vida de Brian (Terry Jones, 1979) e Sex and the City (Michael Patrick King, 2008) mescladas com os dramas O Poderoso Chefão 2 (Francis Ford Coppola, 1972), Taxi Driver (Martin Scorcese, 1976), Mississippi em Chamas (Alan Parker, 1988) e as presenças dos nacionais São Paulo Sociedade Anônima (Luís Sérgio Person, 1965), Eles não Usam Black-Tie (Leon Hirszman, 1981) e O Homem que Virou Suco (João Batista de Andrade, 1981) dão valor documental e, ao mesmo tempo, amplitude à obra.

    “Com apresentação dos sindicalistas Miguel Torres, João Carlos Gonçalves (Juruna), e Milton Baptista de Souza (Cavalo), o livro conta com abertura de José Carlos Ruy e prefácio do professor Giovanni Alves, da Unesp.

    “A disseminação das novas mídias permite que possamos nos reapropriar delas (as obras cinematográficas retratadas no livro) para promover exercícios de reflexão crítica sobre o drama humano da proletariedade exposto no cinema”, registra Giovanni. “Trabalho e cinema é um tema fundante (e fundamental) do cinema como experiência crítica capaz de nos redimir da barbárie social que aflige, hoje, a civilização do capital nos marcos do capitalismo global”.

    Jornalista que atualmente coordena o Centro de Memória Sindical, Carolina Maria Ruy apresenta em O Mundo do Trabalho no Cinema uma edição atraente e em tudo ilustrada, repleta de pontos de entrada e mergulho para a leitura. Um trabalho para ter, consultar e pensar.

  3. “A lei do mercado” é forte

    “La loi du marché” (2015, Stéphane Brizé) foi indicado à Palma de Ouro, em Cannes, entre outros reconhecimentos.

    As distribuidoras nos EUA sintomaticamente trocaram o título para “The measure of a man” (tornando-o homônimo de filmes como um de Stallone Rocky algum-número e um outro, com John Wayne, ambos “americaníssimos”), e no Brasil, para “O valor de um homem”, como se a tal “mão do mercado” devesse permanecer invisível, e seus operadores, um difuso e anônimo “eles”. Tais disfarces se devem à alta carga emocional que o filme induz. (O que esperar das ditribuidoras que transformam “Persona”, do Begman, em “Quando duas mulheres pecam”…)

    Mas o filme mostra a jornada de um homem de 51 anos, Thierry Taugordeau (Vincent Lindon) e sua relação com o mercado, em busca de emprego. Tendo sido aceito para trabalhar num supermercado terá como desafio obedecer à tal lei do mercado (daquele mercado ou do mercado, de forma genérica?) em contraposição à sua consciência.

    O diretor, ao fugir de lamentos, toma cuidado para evitar que o filme sirva para o conformismo catártico (o que levaria a um “é triste mas é assim que as coisas são e pronto”) ou algo como sentir-se vingado apenas por ver denúncia, esvaziando assim o impulso pela luta por uma sociedade mais justa, e ao deixar para o espectador a resposta à pergunta final “E agora?”. O que Thierry vai fazer? O que você faria/fará?

    Destaque tanto para a charada que o filho de Thierry faz à mesa, quanto para o fato de ser justamente o filho dele a fazê-la.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=Vaak1t3LUbA%5D

    Encontrável pelo nome “americano” nos melhores torrents do ramo.

  4. A peça de Guarnieri é um marco

    Eles não usam Black Tie é para mim o mais simbolico porque coloca na tela a nossa historia num momento nelvragico e importante da historia brasileira. Otavio/Lula revela à classe média qual era então o cotidiano do operario brasileiro. Um filme, que por força das circunstâncias, voltou a ser atual.

    [video:https://youtu.be/cCNGRO1Jl9I%5D

  5. SE MEU APARTAMENTO FALASSE
    “Eu costumava viver como Robinson Crusoé. Quero dizer… Como um náufrago no meio de 8 milhões de pessoas. Um dia eu vi uma pegada na areia e lá estava você.” (C.C. Baxter)

    Nesta comédia romântica de Billy Wilder (1960), Jack Lemmon desenvolve um tipo comum e desajeitado que vive um dilema entre agradar o chefe (J. D. Sheldrake) e seu amor pela ascensorista vivida por Shirley MacLaine, amante do chefe. Numa trama divertida, ganhadora de cinco oscar (Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Montagem, Melhor Roteiro e Melhor Direção de Arte) e outros prêmios, diálogos afiados e ótimo timing de humor, características de Wilder, arrancam risadas com facilidade.

    O filme é uma síntese da luta de classes. Desde o início, fica evidente a abordagem ao sermos apresentados ao vendedor de seguros C.C. Baxter (Lemmon) numa sala com infinitas mesas e suas máquinas de escrever (ou computadores) enfileiradas, como aquelas clássicas linhas de produções fordianas – uma cena visualmente chocante. Calvin, para conseguir sua ascensão profissional, dispõe-se à exploração de superiores hierárquicos, abrindo mão de sua vida particular ao disponibilizar seu apartamento para infindáveis e frequentes encontros amorosos das chefias. E é sintomático que seu sucesso na empresa não esteja sujeito às suas qualificações técnicas ou ganhos agregados, mas às vantagens pessoais trazidas aos superiores: corrupção. De outro lado, Fran (MacLaine), embora recatada, apaixona-se pelo dono da empresa (Sheldrake), diante do qual fica refém das falsas promessas de casamento – que lhe traria, também, ascensão social.

    Fica claro que, apenas a partir do momento em que se desvencilharem dessas relações de submissão, é que poderão viver suas próprias individualidades, alcançando a felicidade – ou continuarão sendo apenas peças para deleite das classes superiores. Poderão eles se libertar de suas ilusórias ambições burguesas e se entregar ao amor?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador