Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
[email protected]

“Tempo Compartilhado”: Marketing e Publicidade criam “Capitalismo Pentecostal”, por Wilson Ferreira

Por Wilson Ferreira

O pensador alemão Karl Marx teve que escrever muitas páginas para demonstrar que por trás da racionalidade do Capitalismo existia uma gigantesca fantasmagoria – mercadoria, capital e dinheiro apareciam como entidades-fetiches autônomas aos nossos olhos. Hoje, o Marketing e a Publicidade, sem maiores rodeios, diariamente nos mostram que a gestão corporativa e o discurso publicitário se tornaram análogos a seitas ou cultos. O Capitalismo sempre foi uma religião, mas hoje ele é “pentecostal” – é o “american way of management”. O filme mexicano “Tempo Compartilhado” (“Tiempo Compartido”, 2018) mostra as férias frustradas de uma típica família de classe média que acreditava ser possível comprar o Paraíso a preços módicos em suaves prestações. Um resort internacional esconde um propósito sinistro: transformar tanto seus “colaboradores” como clientes em membros de um tipo de seita messiânica no qual o Paraíso religioso se confunde com o próprio turismo.  

Deus não morreu. Ele baixou à Terra e se transformou em dinheiro e capital. Em fetichismo, em suma. Por isso, o pensador alemão Karl Marx começou a estudar o processo de produção do capitalismo (na obra máxima “O Capital”) através da mercadoria como a ponta visível de uma gigantesca fastasmagoria que animaria o Capitalismo – mercado, dinheiro e capital ganham vida própria e dominam o homem. 

Essa nova religião seria racionalizada por meio da “ciência econômica”, que transforma relações sociais em “econometria” que analisaria a vida, humores e tendências dessas entidades sencientes.

Por muito tempo a Economia criou essa fachada racional. Isso até o “american way of management” (uma estranha mistura de administração com messianismo e puritanismo luterano – aquilo que Arthur Kroker chamava de “Capitalismo Pentecostal”) transformar o mundo da administração capitalista em algo, em muitos aspectos, análogo a seitas ou cultos, com uma mística e impulso religioso: funcionários ou trabalhadores foram convertidos em “colaboradores” submetidos a complexos rituais de iniciação ou “batismos” nos quais “missões”, “valores”, “visões” da corporação são inculcados e “adorados” – isso chama-se “vestir a camisa” para fazer parte de uma “família”, dentro da complexa teologia corporativa.

 A performance de “colaboradores” de empresas-religião como Herbalife ou Hinode são a face mais caricata de um movimento corporativo global no qual o endomarketing passa a ser composto por táticas motivacionais de cooptação que apagam as fronteiras entre uma igreja e uma empresa.

 

 

 

 

Consumo como religião

Mas nesse momento a outra ponta do modo de produção capitalista passa a ser explicitamente “espiritualizada” – atualmente, Marketing e Publicidade estão mobilizados a transformar o consumo em um ato espiritual. Não consumimos mais utilidades, necessidades ou objetos tangíveis. E nem mais as velhas fantasias de poder, erotismo e status. Agora compramos “experiências”, “atitudes”, “renovação” e até “espiritualização”. 

Assim como o colaborador dentro da empresa é cooptado pelas estratégias motivacionais-religiosas, também o consumidor se torna um alvo não somente econômico, mas principalmente de cooptação mística-espiritual. Como numa seita. O Marketing chama isso de “economia afetiva”

O filme mexicano Tempo Compartilhado (Tiempo Compartido, 2018), de Sebastián Hofmann e disponível no Netflix, traz para a telona esse tema com um mix de humor negro e traços de distópica ficção científica, somado com elementos do fantástico: a indústria turística, no filme representado por um gigantesco resort internacional, que não pretende apenas vender pacotes turísticos, serviços de hotelaria e praias paradisíacas aos clientes. Pretende também conquistá-los, a partir da manipulação das suas fraquezas, para fazerem parte, para sempre, de uma “família”. Através da exploração das fraquezas psíquicas, domésticas e conjugais dos clientes para gerar conformismo e alienação.

No passado, tudo o que deveríamos nos preocupar era até que ponto a Publicidade supostamente nos empurra apenas fantasias e ilusões supérfluas. Mas Tempo Compartilhado nos alerta para outra ameaça: como a Publicidade, aliada ao Marketing, tenta nos cooptar para algo muito além do mero consumo de produtos ou serviços – dessa vez, corações e mentes imersos em novas experiências místicas e religiosas. Seitas travestidas em inocentes atividades de consumo.

 

 

O Filme

O personagem principal é Pedro (Luis Geraldo Mendéz), um marido levando a sua família (e certamente gastando aquilo que não tem, como faz a típica classe média) para um autoproclamado paraíso – o Everfields Resort International, outrora chamado “Vistamar” até ser comprado por uma rede norte-americana de hotéis.

Percebemos que não é apenas um mero passeio com a família: na abertura vemos que Pedro tenta resgatar alguma coisa perdida na relação com a esposa Eva (Cassandra Ciangherotti) – Pedro tenta persuadir sua esposa a fazer sexo, mas ela está mais preocupada em acordar seu filho para irem nadar na piscina.

Mas o que deveria ser um período de férias para buscar reconciliação e a intimidade perdida, acaba frustrado quando Pedro descobre que terá que compartilhar seu apartamento com outra família por um suposto erro de overbooking cometido pelo setor de reservas do resort.

Paralelo a esse aparente drama banal de férias frustradas, conhecemos Andrés (Miguel Rodarte), um funcionário que trabalha há anos no resort e que passou por um sério drama familiar no passado – a morte do seu filho. Com a compra do lugar pela rede norte-americana, Andrés perdeu seu cargo de destaque para se tornar um funcionário comum da lavanderia e limpeza de quartos. 

 

 

O trauma familiar o deixou psiquiatricamente abalado (toma comprimidos para evitar a depressão e eventuais alucinações) e ressentido com a arbitrariedade do “american way of management”. Enquanto isso, sua esposa Gloria (Montserrat Marañión), que também trabalha na empresa, consegue uma ascensão meteórica no setor de vendas – ela aprendeu a falar inglês e “vestiu a camisa” da principal filosofia de endomarketing da “Everfields”: a questão não é contar histórias verdadeiras para os clientes, mas criar uma relação de confiança. Mais do que a verdade poderia fazer.

Essa é a filosofia cínica que transpassa as palestras motivacionais internas para os funcionários, verdadeiras sessões coletivas de lavagem cerebral – com muitos eufemismos do pensamento positivo neurolinguístico. O espectador começa a suspeitar que há algo de estranho naquele resort: não há um mero objetivo comercial (empurrar para os clientes o “tempo compartilhado”), mas o propósito de criar uma seita de seguidores cegos – sejam “colaboradores” ou clientes.

>>>>>Continue lendo no Cinegnose>>>>>>>

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. sugiro um roteiro tb surreal

    sugiro um roteiro tb surreal na espanha, onde um turista  adoece e vai para uma clínica onde éimagina ser sequestrado por milenaritas tipo aquele padre da seita religiosa que mata no livro código da vinci….

    o sequestrado é levado para um hospital onde pasrticipa como trofeu simbolizando um

    primitivo que bba enquanto é apresentado para a multidão numa especie de desfile de escola de samba…

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador