Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
[email protected]

Vinte e seis anos depois, Brasil se parece com “Bob Roberts”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Num país onde a elaboração de um roteiro para o cinema e o planejamento do marketing político de um candidato são a mesma coisa, filmes como “Bob Roberts” (1992) não se limitam a fazer uma mera sátira da política. Vai mais além, misturando fatos reais da propaganda política com a ficção. Produzindo o paradoxal efeito “mockumentary” – acreditar na realidade por meio de um filme ficcional que simula ser um documentário sobre um candidato de extrema-direita ao Senado dos EUA. Um filme obrigatório, principalmente após o controvertido processo eleitoral brasileiro que levou outro candidato da extrema-direita ao poder, dessa vez à presidência. Após 26 anos da exibição de “Bob Roberts”, o filme continua assustadoramente atual, com surpreendentes semelhanças com as eleições brasileiras: manipular os fios da “política das emoções” (racismo, sexismo etc.) para esconder que por trás não existe nada.

Filmes norte-americanos sobre sátiras políticas devem ser levados muito a sério. Não tanto pelo poder corrosivo da narrativa satírica. Mas porque vem de um país no qual os roteiristas de cinema e os roteiristas do marketing político estão muito próximos. Razão pela qual, filmes como Doutor Fantástico (Dr. Strangelove), O Quarto Poder (Mad City) ou Mera Coincidência (Wag the Dog)têm muito mais do que elementos satíricos: há muitos elementos reais e históricos.

O braço do Dr. Fantástico que tem vida própria e insiste em fazer a saudação nazista em plena Sala de Guerra (alusão à Operação Paperclip pós Segunda Guerra na qual o serviço de inteligência dos EUA resgataram secretamente 104 cientistas nazistas para servirem aos projetos estratégicos norte-americanos), a guerra cenográfica produzida por Hollywood criando vídeos para serem “vazados” em links de satélites para os telejornais exibirem como “furos” de reportagem em Mera Coincidência ou a sincronia entre a grade televisiva e o controle dos acontecimentos num assalto a um museu com reféns no filme O Quarto Poder.

Já não estamos mais no campo da mera sátira. Já é a própria realidade misturando-se com a ficção produzindo o paradoxal efeito mockumentary – acreditar na realidade por meio da ficção.

Bob Roberts (1992), escrito e dirigido pelo ator Tim Robins, é outro exemplo de um filme definido pela crítica como “sátira política”. Mesmo 26 anos depois, essa produção mantém atualidade, principalmente no momento atual de rescaldo do processo eleitoral brasileiro que conduziu um candidato de extrema-direita à presidência. Bob Roberts apresenta elementos que são recorrentes nos processos políticos polarizados, como foi o caso brasileiro.

 

 

Lembre-se que nos EUA, a construção de um roteiro de cinema e o planejamento do marketing político são praticamente a mesma coisa. Por isso, Bob Roberts apresenta elementos recorrentes: a construção do mito a partir de campos simbólicos distantes da política, a política das emoções e polarizações, o atentado contra a vida do mito em momento estratégico da campanha, o plano de governo vazio que se esconde por trás da manipulação do ódio, a elaboração do candidato antissistema etc.

E para aumentar esse efeito mockumentary, Bob Roberts foi concebido como um falso documentário, metalinguístico – em vários momentos os personagens dialogam com o cinegrafista que muitas vezes consente balançando a câmera.

O Filme

Bob Roberts (Tim Robbbins) é um homem alto, rosto aberto, sempre com um sorriso infeccioso que, em segundos, pode se transformar em um retrato de ódio. De certos ângulos ele lembra o candidato populista de duas caras Cidadão Kane do filme clássico de 1941.

Roberts é um candidato ao Senado de extrema-direita do estado da Pensilvânia. Ele é um milionário cantor de folk e country com letras de platitudes do nível “Essa terra é minha” ou “Os tempos estão mudando”. Músicas com letras que falam de trabalho duro e mérito, incentiva o ódio contra os “preguiçosos” que vivem às custas do governo, os “hippies sujos comunistas” e acusa professores que dizem aos alunos que “não é necessário rezar” ou que “os árabes são nossos amigos”.

Seu adversário é um idoso senador Democrata chamado Brickley Paiste (Gore Vidal) cuja mensagem parece ser cada vez mais irrelevante para os eleitores: o público parece não querer mais ouvir sobre o que é certo ou errado, ético ou moral. Bob Roberts estimula a acreditar que toda ambição é boa. A questão é: “o que tem pra mim?”. 

 

 

Embora Roberts fale das suas origens humildes na classe trabalhadora, ele incita a divisão – raça contra raça, trabalhador contra trabalhador, incitando o ódio como motriz da política e da disputa meritocrática no mercado. Sempre com um sorriso largo e o violão debaixo do braço.

Apesar de a crítica musical acusar suas letras de “criptofascista”, além de um músico medíocre”, o público parece adorá-lo – seus vídeo-clips lembram os de Bob Dylan, enquanto os fãs das músicas de protesto acusam Roberts de manchar toda a herança da música folk dos anos 1960.

O lado sinistro de Bob Roberts

Filmado como um documentário, as câmeras nos levam a lugares onde não deveríamos estar, espionamos conversas que não deveríamos ouvir. Pedem em muitos momentos que as câmeras sejam desligadas, mas elas permanecem enquadrando.

Aos poucos começamos a entender as implicações sinistras da campanha de Bob Roberts. O ônibus da campanha que atravessa a Pensilvânia não é apenas o quartel general de marketing político. É um centro financeiro: corretores estão comprando e vendendo ações, diante das telas de computadores, dia e noite. Seu dinheiro sujo é lavado através de uma ONG chamada “Pomba Enferma” de assistência social – é suspeito de ter tomado dinheiro público para construir casas para desabrigados, mas na verdade usou o dinheiro para comprar aviões de carga para carregar drogas da América do Sul.

>>>>>Continue lendo no Cinegnose>>>>>>>

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Já disse isso faz
    Já disse isso faz tempo…..

    Esse filme é um resumo de quase toda a política podre moderna… talvez por isso seja convenientemente esquecido…..

  2. “Silvio e os outros”

    Bom lembrar esse e outros filmes que prenunciam o fim da democracia e o novo facismo. A revista Télérama sobre artes, saiu esta semana com uma capa reveladora: um tumulo onde se lê “Democracias. Desde o fim da segunda guerra mundial que as democracias se mostraram reconhecidamente estaveis em varios pontos do Globo. Durante muito tempo cometemos o erro de pensar que isso seria duravel.” 

    Saiu na Italia ha algum tempo o novo filme de Paolo Sorrentino (A grande Beleza) com o titulo de Loro (Eles), filme sobre os anos de Silvio Berlusconi no poder e o vazio que ao longo engole o proprio Berlusconi. Filme para nos brasileiros compreendermos mais ainda o que o futuro proximo nos reserva. 

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador