Coluna Econômica

A fragilidade da recuperação econômica, por Luis Nassif

O cenário econômico continua nebuloso, atrapalhado por dois eventos.

O primeiro, resultados positivos de alguns grandes grupos com a alta das commodities. O segundo, a criação de um clima de expectativa positiva como colchão para alimentar politicamente a votação no Congresso pela privatização da Eletrobras.

Em relação às cotações de commodities há um evidente descompasso entre o mercado e o preço médio das exportações brasileiras.

Tome-se o caso do minério de ferro. Nos últimos 12 meses houve uma alta expressiva nos mercados, sendo de 84 dólares para 210 dólares a tonelada.

Por outro lado, quando se levanta o preço médio das exportações de minério de ferro, não se percebe essa alta. Em relação a janeiro de 2021, outubro de 2020, julho de 2020 e abril de 2020 houve quedas respectivamente de 26,4%, 30,6%, 45.7% e 48%.

Em relação à soja, a mesma discrepância. Nas bolsas, as cotações alteram de 887 dólares para 1.545.

Nas estatísticas de exportação, o preço médio caiu 13,8% em relação a janeiro e 2,8% em relação a outubro. Depois, registrou alta de 22,5% em relação a julho de 2020 e de 54,7% sobre abril de 2020.

Há inúmeras explicações para esse descompasso. De qualquer modo, mesmo medindo em reais houve aumento devido à desvalorização cambial dos últimos anos.

A partir daí, criou-se uma sensação otimista, baseada em duas hipóteses:

1. A manutenção dos ganhos com commodities.

2. Um suposto menor isolamento das pessoas, que ajudou a estimular a economia.

Há um enorme conjunto de outros fatores a serem considerados.

O primeiro, o impacto da alta das cotações sobre a inflação – e, consequentemente, sobre o poder aquisitivo do consumidor.

O segundo, o impacto das commodities sobre a cadeia produtiva. As empresas adquirem matéria prima com cotações elevadas. Em um primeiro momento, conseguiram repassar para os preços, enquanto a renda básica garantiu. Desde final do ano passado, não houve mais espaço para os repasses. A consequência é o aumento de problemas para as diversas cadeias produtivas, especialmente pequenas e médias empresas.

Por outro lado, a redução do isolamento foi forçada especialmente pela falta de ajuda pública – o que aumentou substancialmente casos e óbitos. O problema é que essa leniência tem impactos na possibilidade de uma terceira onda.

Confira os últimos dados de São Paulo, o estado com maior concentração de Covid. Desde 10 de maio há um crescimento consistente da média diária de casos.

Portanto, há uma série de vulnerabilidades, e quase nenhum fator de dinamismo. O desemprego continua alta, há pressões de custos e desarranjo em várias cadeias produtivas, uma queda de renda que não será reposta pela nenhuma renda emergencial.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • O impacto econômico do período recente só poderá ser negativo.

    Cotações sobem e descem. PIB trimestral sobe e desce. Como diz o próprio Guedes, em muitos casos, a recuperação é em V.

    As coisas mudam de figura se se analisa a economia real. Na economia real, tudo se reduz a um único fator, o homem (como dizia o sábio Ignácio Rangel).

    Se existe uma epidemia, ou uma tempestade, ou o que quer que seja que impeça o país de funcionar normalmente por um breve período (como em um breve período de lockdown, por exemplo), a perda de atividade neste período é compensada no período subsequente. Em economês: O PIB cai, mas o PIB potencial continua o mesmo. Depois da tempestade, vem a bonança, já dizia o velho ditado.

    Se o governo decide mandar as pessoas trabalharem em plena pandemia, ou no meio de um furacão, buscando evitar a queda de atividade do próximo trimestre, o quadro muda de figura. Pode até ser que a atividade do período próximo não caia tanto, mas, com a morte de pessoas produtivas, fatalmente será perdido potencial econômico para os próximos períodos. Leva tempo até formar um novo pedreiro, um novo eletricista, um novo encanador, etc.

    Sei que seria demais esperar do Guedes tal análise, apesar de tão simples.

  • Em termos absolutos temos 0,2% de mortes no Brasil. Não sei como se distribui essas mortes entre a população, mas imaginando que seja proporcional 0,2% de pedreiro a menos vai ter impacto zero no potencial econômico. Vamos aumentar a dose, pedreiros morrem mais, o dobro. 0,4% continua tendo efeito zero.
    A questão é, o potencial não está sendo mantido. As políticas neoliberais do Jegues estão é esvaziando a pressão de retomada econômica.

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