A Internet e a neutralidade da rede

A internet é vista, unanimemente, como o território livre, a tecnologia libertadora que, em muitos países, permitiu o florescimento da cidadania, a ampliação das oportunidades de educação, o ambiente para novas empresas e novos empreendedores, para o trabalho colaborativo em rede.

Graças a seu ambiente lilbertário, internacionalmente ajudou a derrubar ditaduras e monopólios de mídia, o controle da informação, tanto por governos como por cartéis.

No entanto, não se considere um modelo consolidado. Em outros momentos da história surgiram novas tecnologias, promovendo rupturas, abrindo espaço para a democratização e, no momento seguinte, quedaram dominadas por novos cartéis e monopólios que se formaram.

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Foi assim com o início da telefonia. Enquanto a Bell Co. se consolidava, como grande companhia nacional, surgiram inúmeras experiências locais, como a Mesa Telephone, para localidades rurais norte-americanas, de tecnologia rudimentar, porém útil, para ligar comunidades agrícolas.

Nasceram centenas de outras companhias por todo o país. Esse mesmo modelo disseminou-se pelo Brasil dos anos 40 em diante, com companhias municipais levando o telefone às cidades menores, em um surto de pioneirismo extraordinário.

Nos Estados Unidos, o movimento dos “independentes” permitiu às comunidades rurais estreitar laços, criar amizades, sistemas de informação, da mesma maneira que as redes sociais de agora. Por meio do telefone, desenvolveram noticiários sobre o clima, sobre a região, relatórios de mercado etc.

Os “independentes” chegaram a ter 3 milhões de aparelhos, contra 2,5 milhões da Bell.

Com a ajuda do JP Morgan, o mais influente banco da época, a Bell reestruturou-se em torno da AT&T.

Em vez de declarar guerra aos “independentes”, a nova direção propôs um trabalho conjunto, facilitando para eles as ligações de longa distância, desde que trocassem seus sistemas rústicos pelos padrões Bell. Quem não aderisse, não teria ligações de longa distância.

Como resultado,  a AT&T matou a concorrência dos “independentes” e construiu o mais longevo e poderoso monopólio da história, só desmembrado na década de 1980.

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O mesmo processo de concentração se repetiu no rádio.

No início, o rádio tornou-se uma ferramenta tão democrática e disseminada quanto a internet. Não havia controle e qualquer pessoa, adquirindo um kit de rádio, montava sua estação sem fio.

Em 1921 havia 525 estações transmissoras nos Estados Unidos. Até o final de 1924, mais de 2 milhões de aparelhos de rádio. Segundo Tim Wu, autor do importante “Impérios da Comunicação”, antes da ,nternet os rádios foram a maior mídia aberta do século.

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Repetiu-se o mesmo processo do telefone. À medida que aumentava o público e criava escala, o mercado libertário era enquadrado pelo poder público, e a ocupação do espaço, entregue a grupos particulares.

Hoje em dia, as concessões de rádio se tornaram ativos de empresas privadas, as rádios comunitárias são criminalizadas e o exercício pessoal se restringe aos rádios amadores.

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É esse o desafio atual da internet. Se não for garantida a neutralidade da rede – isto é, o direito de qualquer site ou pessoa de ter acesso à rede, sem privilégios – em breve o grande sonho libertário da internet terá o mesmo destino do telefone e do rádio.

Luis Nassif

4 Comentários

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  1. A afirmação de que

    A afirmação de que “a internet é vista, unanimemente, como o território livre” não é absolutamente correta.

    Não respondo por outros, mas, ao menos para mim, trata-se de um novo instrumento que tem caracteristicas  libertarias, como, ao mesmo tempo, outras altamente controladoras.

    Basta olharmos as ultimas denuncias de como  ela serve para controlar a vida de todas as pessoas, neste planeta.

    Ela cria “ambiente para novas empresas”, mas provoca o fechamento de muitas outras, provocando desemprego.

    A internet “internacionalmente ajudou a derrubar ditaduras”, mas colaborou para criar ou fortalecer outras, como no Egito, na Libia.

    Num triste momento historico, onde as forças do atraso resolveram usar o controle da informação para dificultar avanços politicos, a internet abre espaços positivamente para blogs, como este e outros.

    Porem os grandes portais pertencem as mesma forças controladoras, assim como todo o sistema é exercido pelos americanos.

    No plano da cultura, osmais ingenuos acreditam que ela resolvera todos os problemas.

    Mas o que vemos é que, a cada dia, as manifestações culturais estão sendo desviadas para apenas um canal, onde o controle esta fora de nossas fronteiras.

    Estou vendo as relações humanas se tornarem mais “virtuais” de que reais.

  2. “A Internet…ajudou a

    “A Internet…ajudou a derrubar ditaduras e monopólios de mídia, o controle da informação, tanto por governos como por cartéis”

    O início da internet gráfica foi em 1991; antes era acessada apenas por pesquisadores (eu acessava pela Embrapa), com o gopher e o WAIS. Com o browser Mosaic, a internet passou a abarcar o público, e quem se libertou foram os cidadãos da cortina de ferro, que a usavam para desafiar seus governos inclusive com pornografia (a europa oriental foi o início disto) e pedofilia.

  3. Blog e GGN

    Desculpem se posto fora do assunto desta postagem, mas estes dias o blog se limitou aos artigos do dia do Nassif. Para me (nos) orientar, uma pergunta: vai continuar assim mesmo, o blog se limitando à coluna do dia e os outros temas, com seus comentários, sendo postados no GGN? Ou é um problema provisório, devido aos ajustes da mudança?

  4. Nassif, eu agradeço a

    Nassif, eu agradeço a iniciativa mas tem que ter exemplos concretos porque as pessoas ainda associam neutralidade com liberdade de expressão. É obvio que são assuntos correlatos mas não diretamente.

    Este é o ponto. As pessoas não sabem do que se trata o assunto.

    Então, para esclarecer, há de se exemplificar as iniciativas de hoje para acabar com a neutralidade.

    O que as operadoras dizem e querem fazer?

    O principal argumento no Brasil, obvimente infantil, já que neste país não precisa explicar muita coisa pra ninguém, é que vc paga por seviços que NÃO UTILIZA.

    A Telefônica vai te perguntar por exemplo, vc usa youtube? Não. Vc usa google Maps? Não. Vc usa aquilo lá? Não.

    Ta vendo? Esta pagando pelo que vc não utiliza.

    Como disse antes a argumentação parece coisa de adolescente…

    Então, já que nós empresas de telefonia somos bons para o Povo brasileiro, vamos resolver isso para que vc apenas pague pelo que vc utilizar.

    Vamos fazer assim. Já que vc só navega, eu vou te vender um pacote de navegação SEM youtube, SEM google maps, SEM isso e SEM aquilo.

    Mas e se eu quiser utilizar o google maps por exemplo. Bom, aí tem um pacote adicional. hehehe

     

    Esta acima é metade da história da neutralidade.

    A outra metade é a velocidade/facilidade de acesso.

    A neutralidade garante hoje que vc acesse o blog do Nassif com a mesma velocidade que acessa o Portal Globo.

    Sem a neutralidade isso acaba. Quem puder pagar pelo “acesso dedicado” pagará.

    Quem puder pagar para que a concorrência tenha um “acesso não dedicado”, ou até mesmo acesso nenhum, pagará.

    Então uma empresa de internet/telefonia poderia fazer um acordo com a MS para que o BING tenha uma velocidade X e o google tenha uma velocidade Y.

    Ou que o Portal Globo tenha uma cvelocidade X e o blog do Nassif tenha uma velocidade X/137.

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