A questão do déficit público

Deficit publico

        Simplício queria passar a limpo a questão do déficit público, e para isso decidiu procurar de novo o economista heterodoxo. Antes, quis saber do professor Galileu por que uma dona de casa responsável pode ter dívida, e um governo responsável não. “As coisas nunca são pão pão, queijo queijo, Simplício. Às vezes o governo não só pode, como deve ter déficit; outras vezes, ele deve se limitar a gastar o que arrecada, sem déficit. Questão de peso e medida, como diz a música. Tudo depende de uma coisa chamada ciclo econômico. Mas é melhor perguntar ao economista heterodoxo, pois nem mesmo economista eu sou.” 

        O economista heterodoxo levantou a cabeça por trás de uma papelada e concordou em explicar a Simplício o que era ciclo econômico. “Em economia você tem anos de euforia, depois anos de recessão ou depressão. Foi sempre assim em todos os tempos do capitalismo, sem exceção, com maior ou menor intensidade, com maior ou menor intervalo de tempo entre o pico da euforia e o vale da depressão. A relação disso com o déficit público é simples: quando a economia está num estado de euforia, o governo deve equilibrar o orçamento, acabando com o déficit. Quando entra em recessão, o governo deve fazer déficit público.”

       — Por quê?, quis saber Simplício.

       — Porque a recessão ou depressão existe por falta consumo na economia. As pessoas, por algum motivo, deixam de comprar, e as empresas deixam de vender e empregar. Se fizer déficit, o governo tomará dinheiro emprestado do setor privado e criará consumo novo na economia, estimulando o investimento e o emprego, que por sua vez gerarão mais consumo e emprego, e assim por diante, revertendo o ciclo econômico de baixa.

      — Mas se o governo tomar dinheiro emprestado do setor privado para consumir e investir, o setor privado terá, ele próprio, menos recursos para investir.

      — Simplício, só não vou expulsá-lo daqui a pontapés pela bobagem que acaba de dizer porque somos obrigados a tolerar a mesma coisa dita em inglês, crowding out, por parte de respeitabilíssimos economistas ortodoxos e até prêmios Nobel de economia. Saiba de uma coisa: jamais faltará dinheiro para o setor privado investir qualquer que seja o tamanho do déficit ou da dívida pública. Os bancos criam o dinheiro necessário, e pronto. Envergonhado, Simplício disse timidamente: “E quando não se deve fazer déficit?”

    — Observe, Simplício, se a economia está no auge, em pleno emprego, um aumento da demanda pelo setor público, baseado em empréstimos ao setor privado, ou seja, em déficit, vai superaquecer o consumo, gerando inflação. Por isso, no auge do ciclo, o déficit deve ser evitado. É claro que esse não é o caso da economia brasileira hoje. Ela está perto da recessão. Simplício achou que uma coisa tão inteligente como esta deveria ser consenso entre todos os economistas. E pensou: Alguém precisa dizer isso ao Mantega para ele parar de fazer bobagem na política fiscal. Entretanto, o economista heterodoxo explicou que eram razões políticas, não técnicas, que estavam por trás das divergências entre heterodoxos e ortodoxos.

    — Os ortodoxos não querem gasto público porque gasto público, em geral, favorece mais aos pobres que aos ricos. Simples assim. Simplício escreveu na agenda vermelha: “Verificar melhor isso!”

Redação

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