Coluna Econômica: a estratégia da “dupla circulação” do plano quinquenal chinês

A metodologia é direta. Xi define as metas. Depois, líderes de grupos analisam propostas para cumprir as metas. As conclusões serão enfeixadas no plano quinquenal. Há consenso de que haverá prioridade para as medidas que contemplam o mercado interno.

Um relato de Chris Buckley, no New York Times, traz um retrato detalhado do trabalho de Xi Jinping, líder da China. A diferença acachapante entre ele e Donald Trump explica a queda impressionante do protagonismo americano no mundo e a ocupação de espaço pela China.

Enquanto Trump despejava uma quantidade impressionante de fake news no discurso ao Partido Republicano, e celebrava a morte de adversários, Xi tinha um dia-a-dia típico de quem se considera responsável pelo país.

Primeiro, inspecionou campos de milho, preocupado com o suprimento de alimentos. Depois visitou siderúrgicas para tentar entender o motivo da queda nos lucros. Na sequência, visitou um centro de inovação, em meio à guerra deflagrada por Trump contra a tecnologia chinesa.

A voz de comando é clara. Em um mundo pós-pandêmico, com as incertezas se acumulando, a China tem que trabalhar para depender cada vez mais de economias estrangeiras instáveis.

Na sede do Partido Comunista, Xi alertou para os novos riscos, as transformações e turbulências no mundo, e o ambiente externo com ventos contrários e contracorrentes. “A China deve desenvolver tecnologias essenciais o mais rapidamente possível”, foi a orientação.

A nova estratégia foi batizada de “dupla circulação”. Significa que o principal motor da economia deve ser a demanda doméstica e a inovação, mantendo mercados e investidores estrangeiros como segundo motor de crescimento.

Esse foco no mercado interno começou em 2006. Agora, tornou-se questão central, especialmente após a deterioração das relações com os Estados Unidos.

A estratégia de Xi é lançar comandos abrangentes. Depois, os técnicos elaboram propostas detalhadas.

A palavra de ordem resultou em dois movimentos paralelos. De um lado, especialistas pedindo para o governo aumentar o apoio às empresas chinesas de tecnologia. De outro, setores pedindo a redução das barreiras a investidores estrangeiros, para mantê-los aliados da China nas grandes batalhas globais.

Segundo Buckley, essa transformação está se realizando na China, mas de forma lenta. Já se depende menos das exportações, mas o crescimento do consumo interno tem sido incremental. E ainda há muita dependência de importação de tecnologia, alimentos e energia, como microchip e componentes de smartphones, computadores e outros equipamentos eletrônicos.

As investidas de Trump ajudaram a clarear a estratégia e a acelerar as mudanças. E as últimas avaliações mostram que, apesar de uma recuperação rápida das exportações chinesas, o ambiente externo é incerto, somando mais um motivo para o reforço do mercado interno.

O novo plano quinquenal terá como eixo central a tal “dupla circulação”.

A metodologia é direta. Xi define as metas. Depois, líderes de grupos analisam propostas para cumprir as metas. As conclusões serão enfeixadas no plano quinquenal. Há consenso de que haverá prioridade para as medidas que contemplam o mercado interno.

Por este caminho, haverá estímulos aos setores de serviços domésticos, como o turismo, e para fontes de energia capazes de substituir as importações.

Mas a estratégia será mais complexa do que simplesmente expandir gastos do consumidor. Um dos desafios será reduzir significativamente a desigualdade. As faixas de renda baixa não têm renda disponível, e tendem a guardar dinheiro para emergências. E aí se entra no mesmo campo de conflitos de economias de mercado, que impõe resistência a qualquer tentativa de mudanças sociais.

Um novo decreto de Xi tenta quebrar  barreiras burocráticas que tornam difícil para o homem do campo que trabalha nas cidades conseguir atendimento médico ou encaminhar os filhos para a escola.

De qualquer modo, embora defensivo, esses movimentos não significa uma aposta no rompimento com os Estados Unidos.  Há consciência de que um rompimento total será desastrosos para os dois lados.

Luis Nassif

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