Coluna Econômica: as propostas do IPEA para abrir a cabeça de Guedes

Quando se sai das visões mágicas para a busca objetiva de soluções, o quadro muda e se torna objetivo.

Carlos Von Doellinger, presidente do Ipea. Foto: Reprodução

O Brasil Pós Covid-19, o estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) com sugestões para a retomada da economia, é um documento curioso. É um apanhado das medidas implementadas em vários países, um levantamento criterioso dos instrumentos disponíveis no Brasil,  mostrando um mérito do presidente Carlos Von Doellinger, de não embotar a capacidade de formulação dos quadros técnicos.

É curioso pela necessidade de compartilhar as sugestões – que exigem mais Estado – com a visão ideológica do Ministro da Economia Paulo Guedes, a quem o IPEA está subordinado.

A maneira de compatibilizar conceitos tão distintos foi curiosa.

O trabalho abre com “Cenários Macroeconômicos”, atendendo à visão ultra-ortodoxa de Guedes. Coloca como ponto central a recuperação do equilíbrio fiscal. E apela para as “reformas” para alcançar esse objetivo, dentre as quais “a proposta de emenda constitucional que extingue fundos de financiamento infraconstitucionais; e uma reforma administrativa que estimule o aumento de produtividade dos servidores e ajude a conter os gastos com pessoal”.

Quando se sai das visões mágicas para a busca objetiva de soluções, o quadro muda e se torna objetivo.

O trabalho é dividido em quatro  Eixos.

Eixo 1 – reconstrução das cadeias de produção

O objetivo é minimizar a destruição das empresas, submetidas ao terremoto da pandemia. Sugerem-se as seguintes medidas:

Reforma do sistema legal de recuperação – a ideia é flexibilizar os sistemas de recuperação judicial e falência, estendendo os instrumentos para as pessoas físicas e pessoas jurídicas não empresariais, evitando ondas de liquidações, adaptando a legislação nacional aos procedimentos da Comissão das Nações Unidas sobre Direito Comercial Internacional (Uncitral), para o caso de recuperações judiciais e falências transnacionais .

Crédito favorecido para pequenas e micro empresas – empréstimo com juros próximos a zero, proporcional ao faturamento médio mensal das empresas, condicionado à manutenção do emprego.

Criação de indústria de reciclagem automotiva – Ressuscita uma proposta apresentada no final dos anos 90, após a crise da maxidesvalorização. Renova-se a frota criando incentivos para a troca da frota mais antiga por carros novos.

Uso das compras públicas para PMEs – o Estatuto da Microempresa já prevê essa possibilidade. Basta aplicar.

Investimento da cadeia produtiva da saúde – retoma-se o que jamais deveria ter sido abandonado, o Programa de Desenvolvimento Produtivo, desenvolvido pela Fiocruz,

Aumento da subvenção econômica ao MCTI/Finep – retomando a ideia de anos atrás, de transformar a Finep em financiadora de startups. A proposta colide com a ideia de extinguir todos os fundos constitucionais.

Eixo 2 – inserção internacional

O ponto central é o estímulo ao comércio exterior.

Aumento do financiamento – aumentar linhas de crédito por meio do BNDES-Exim e do Proex, esvaziado pela ação irresponsável do Ministério Público Federal e pelos Ministérios econômicos. 

Seguro de crédito – melhorar a liberação de seguro de crédito à exportação e a devolução dos créditos tributários

Promoção comercial – elaborar Plano de Ação da Promoção Comercial, sobre coordenação da Câmara de Comércio Exterior (Camex)

Fontes de recursos –  aumento de aportes do Tesouro Nacional para programas de crédito e Apoio às exportações e reforço de instituições-chave, esvaziadas justamente na gestão Paulo Guedes. E parcerias com bancos de desenvolvimento e bancos multilaterais, movimento do qual o Brasil se afastou devido a uma diplomacia terraplanista.

Eixo 3 – investimento em infraestrutura

Obras em cidades – Inspirado em propostas levantadas pela Alemanha, de estimular a construção civil nos municípios, por pequenas empresas com boa capacidade de empregabilidade local, para reformas prédios públicos.

Manutenção de rodovias com uso do RDC  (Regime Diferenciado de Contratação Pública) – uso óbvio das medidas keynesianas colocadas em prática pelo New Deal nos anos 30.

Câmara de revisão de concessões –  a queda da atividade econômica provocou desequilíbrios nos contratos das concessionárias. A ideia é partir para a revisão preservando interesses do Estado.

Capital externo na infraestrutura – flexibilizar as licitações, permitindo a entrada de grupos estrangeiros que contratem as empresas de construção nacional.

Saneamento em áreas irregulares – maior participação da União no apoio técnico e financeiro ao planejamento dos pequenos e médio municípios, garantindo fontes de recursos públicos e privados. Propõe a criação de forças-tarefas com representantes do Ministério Público, empresas de saneamento, representantes de órgãos públicos estaduais e municipais para a regularização fundiária e solução de impasses que impedem a expansão do saneamento em áreas irregulares.

Eixo 4 – proteção às populações vulneráveis

Subsídio temporário à contratação de trabalhadores – proposta de jornadas de trabalho reduzidas, permitindo contratar mais pessoas para o mesmo trabalho – obviamente com salário reduzido. O estímulo seria através de redução da carga tributária para jornadas reduzidas.

Unificação e ampliação dos benefícios voltados para a infância – hoje o estímulo é o benefício variável e o vinculado ao adolescente do Bolsa Família; o salário família e o desconto no Imposto de Renda Pessoa Física. A idéia é trocar por um benefício infantil universal para crianças e adolescentes até 18 anos incompletos.

Criação de estratégia para promover emprego e educação dos jovens vulneráveis – estimulando serviços de cuidados para crianças nas creches, segunda chance de escolarização, assistência à procura de empresa, etc.

Agricultura familiar e abastecimento alimentar –  em torno de quatro eixos de ação: acesso à terra, à água e à moradia; estruturação produtiva; apoio à comercialização e promoção da sustentabilidade. Fosse um governo mais aberto, o modelo seria o MOvimento dos Sem Terra.

Em suma, um apanhado de boas ideias mas que, se implementadas, ajudariam na retomada da economia, mas mudariam totalmente a face do governo Bolsonaro-Guedes. E é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um facho de racionalidade penetrar na ideologia de ambos.

Aqui, uma entrevista de Carlos Von Doellinger à TV GGN:

200521-riI-o-brasil-a-pos-covid-19
Luis Nassif

2 Comentários

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  1. O final do artigo já duz tudo. É mais fácil 1 camelo passar ……. Que pena. Mas talvez nesse caso o quanto pior melhor, não seria a solução?. Porque meia boca por meia boca a médio prazo não leva a nada.

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