O mercado de capitais e os investimentos em infraestrutura, por Luis Nassif

Um ponto importante em uma futura política de retomada dos investimentos em infraestrutura é a preparação de planos integrados de investimento. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) era uma carteira de obras lançadas sem nenhum planejamento sistêmico. Em alguns momentos, ensaiou-se alguma articulação

tcdb379 Ferrovia Norte Sul, Extensão Sul Encontro ALL com FNS, FNS Km 669 Foto: Tina Coêlho/Terra Imagem

Luis Stuhlberger é uma referência no mercado. Mais do que em qualquer outro ambiente, mais até que nos círculos bolsonaristas, o mercado age em manada. Cria-se um gatilho qualquer – resolução de uma crise política menor, anúncio de reforma etc. – e a manada vai atrás. Um pouco antes do desfecho, os que comandaram a manada invertem a mão e passam a vender. Dali alguns dias o mercado vai atrás e vende.

Stuhlberger é daqueles estrategistas com ideias claras sobre o impacto de cada evento na economia e nas expectativas do mercado. Assim, limita-se a traçar uma linha realista entre o momento presente e o momento futuro. Se a linha de expectativas do mercado está abaixo da sua linha, ele compra. Se está acima, ele vende.

Ontem, Stulbergher deu mais um passo para exorcizar o país do antilulismo, apostando no mercado futuro de Lula. Em evento de mercado, concordou com outro palestrante, Rogério Xavier (SPX), de tempos melhores pela frente. “Todo mundo se lembra do Lula como uma época boa, o lado dele genial”, disse ele, concordando com o outro palestrante. Finalmente, declarou que o maior desafio do país é melhorar a saúde e a infraestrutura.

Trata-se de um aggiornamento relevante, de um dos influenciadores do mercado, especialmente em uma quadra da história em que haverá enorme necessidade de remodelar o mercado, direcionando-o para as prioridades nacionais.

Há concordância geral sobre a relevância do mercado, ainda mais em uma economia que acumulou grandes fortunas bebendo nas águas plácidas do orçamento público. O grande desafio é direcionar essa poupança financeira para a economia real.

É o que ocorrerá no pós-bolsonarismo. A grande questão é como compatibilizar interesses nacionais com interesses privados. Obviamente há um ponto de ajuste, uma remuneração que satisfaça o setor privado, sem comprometer o custo das tarifas públicas.

Para isso, há a necessidade de governantes com responsabilidade para defender interesses difusos do país e clareza sobre a estratégia a ser adotada. 

Há dois objetivos indeclináveis das políticas públicas: universalizar os benefícios dos investimentos públicos; e garantir a competitividade da economia, através da redução do custo Brasil. Investimentos em infraestrutura e respectivas tarifas são elementos centrais dessas políticas.

A grande questão é o ponto de equilíbrio, que permita compatibilizar os interesses gerais com a atratividade para o investimento privado.

Se o governo impõe cláusulas leoninas, não consegue candidatos. Se deixa por conta do mercado, haverá tarifas abusivas. Daí a importância de negociações transparentes e racionais entre os dois agentes, mas com o governo jamais abrindo mão dos dois objetivos centrais.

Na semana passada, o programa GGN Nova Economia entrevistou Venilton Tadini, presidente executivo da ABDB (Associação Brasileira da Indústria de Base). É uma entrevista instrutiva por expor os principais pontos de divergência entre os dois atores. Tadini tem história no setor. Desde os anos 90 foi um dos principais formuladores de políticas públicas. Na entrevista, é um defensor feroz dos interesses das empresas.

Aqui, os pontos principais de divergência:

Melhor lance ou menor tarifa

Tadini defende que, por questão de justiça, o Estado deve ser o beneficiário das licitações, recebendo o pagamento do lance da vencedora. Ora, Estado não é um CPF nem um CNPJ. A maior ou menor justiça depende da maneira como os resultados impactam entes reais, setores, empresas e pessoas.

Ora, obras de infraestrutura impactam o custo Brasil e, por serem serviços de uso generalizado, tarifas altas penalizam classes de menor renda. Por questão de justiça, os benefícios dos investimentos públicos devem ser repartidos com os usuários.

Por isso, uma política consistente de investimentos não pode perder de vista o custo Brasil e o custo social. Tem que se privilegiar a menor tarifa.

Subsídio cruzado

Especialmente no saneamento, a universalização dos serviços é questão nacional. E o instrumento mais efetivo de universalização é o subsídio cruzado. Vende-se o filé mignon e o osso. A empresa que conquista a concessão tem que se responsabilizar pela universalização dos serviços, cobrando uma tarifa social das classes de menor renda, e compensando junto aos consumidores de melhor renda.

Tadini é contra. Diz que o governo deveria aportar recursos orçamentários para garantir a universalização. Ora, orçamento é o palco de disputa dos mais variados interesses. E a parte mais fraca são os chamados interesses difusos – como gastos com saúde, educação, políticas sociais. Depender do orçamento para garantir a universalização é retórica sem fundamento.

Há diversos instrumentos para compatibilizar tarifas com universalização. Mas os instrumentos que funcionam são aqueles que se aplicam a cada região da concessionária.

Privatização e investimentos

Um dos maiores desperdícios dos últimos anos foi a venda de ativos da Petrobras em setores em que o Brasil não é auto-suficiente. Tome-se o caso das refinarias. Se há investidores dispostos a entrar no setor, o que seria melhor para o Brasil: projetos greenfields (começando do zero) ou privatização de refinarias já existentes? Tadini levanta a hipótese de que, privatizadas, as refinarias serão mais eficientes, portanto haverá um ganho para a produtividade nacional.

Não bate. Primeiro porque, operacionalmente, a Petrobras é uma empresa eficiente. Depois, porque não dá para comparar ganhos laterais de produtividade com investimentos novos, ampliando a capacidade nacional de refino.

Tadini diz que, para o setor privado, é mais interessante adquirir uma empresa já instalada. De fato, não corre riscos e, com pequenos ajustes, consegue boa valorização do capital investido. Este modelo, que beneficia exclusivamente o investidor, criou uma geração de financistas acostumados a taxas irreais de retorno e a fugir do risco.

Eficiência sistêmica x eficiência da empresa

Aqui há um conflito complexo. Nos últimos anos, ganhou eco na opinião pública a ideia de que a privatização aumenta a eficiência da empresa privatizada; e a soma das empresas privatizadas significa um aumento da eficiência da economia como um todo.

Há duas grandes distorções nessas métricas.

A primeira, a de considerar apenas os resultados financeiros como métrica de eficiência. Ora, se uma empresa presta serviços públicos, uma das maneiras de aumentar a eficiência financeira é precarizar a entrega dos serviços. Logo, a medida correta de eficiência deve levar em conta o retorno financeiro e o retorno social-econômico.

Por exemplo, os Correios têm papel central na integração de regiões afastadas, na viabilização das vendas de pequenas empresas, na possibilidade de ajudarem a integrar tecnologicamente as mais diversas regiões, através de seus postos de serviço. Uma busca exclusiva da eficiência vai levar em conta apenas o retorno financeiro, não o social.

Significa que aumentará a eficiência? Não. Significa que abrirá mão de qualquer responsabilidade social, para se concentrar na remuneração dos acionistas.

O maior exemplo é a Eletrobras. Hoje em dia, graças à enorme geração de energia da empresa, ela garanta a modicidade tarifária do país, com a energia contratada que vende a distribuidoras. Portanto, impacta o custo Brasil em uma área estratégica.

Mais que isso, nas grandes crises de energia é um fator estabilizador graças à integração da transmissão.

Privatizada, imediatamente os novos controladores tratarão de romper com os contratos e jogar a energia no mercado livre. Obviamente, a rentabilidade irá às alturas. Mas haverá uma explosão nas tarifas e a perda do grande agente de estabilização do mercado.

Fica claro, aí, a diferença entre a eficiência da empresa para os acionistas e a eficiência para o país.

É evidente que há que se buscar a busca da eficiência da empresa estatal. Mas jamais reduzindo duas contrapartidas para a economia um todo e para os objetivos sociais.

Planejamento sistêmico

Um ponto importante em uma futura política de retomada dos investimentos em infraestrutura é a preparação de planos integrados de investimento.

O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) era uma carteira de obras lançadas sem nenhum planejamento sistêmico. Em alguns momentos, ensaiou-se alguma articulação.

Por exemplo, no seu curtíssimo período de presidente da EPL (Empresa de Planejamento em Logística), Bernardo Figueiredo ensaiou um planejamento que casava um plano de longo prazo de investimentos e, ao mesmo tempo, articulação com a indústria de máquinas e equipamentos para planejar a produção. Fio demitido antes de colocar o programa em pé.

Em determinado momento, de economia aquecida, a CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) tentou casar o planejamento de obras com treinamento regional de mão de obra, a partir doas bases de dados do Bolsa Família.

Antes dele, técnicos do setor haviam montados planos elaboradíssimos de logística, pensando na integração entre modais, no fluxo de mercadorias. Mas não foi adiante.

Luis Nassif

3 Comentários

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  1. O representante do estamento financeiro se chama Paulo Guedes. Para ele e para a maioria acachapadora dos representados, “responsabilidade social” do Estado, “custo social”, etc, é “socialismo”, “cubanizaçao”.

    Na hipótese de uma quinta vitoria eleitoral do Lula, a chacrinha contra tudo que é público vai ser até maior do que nos governos anteriores, pois a fascistada ja perdeu a modéstia.

  2. Lucinei

    Há meses, sinto falta de seus comentários neste blog.

    Em poucas palavras, você vai direta e certeira ao âmago da questão. No Brasil, da Elite do Atraso, para o mercado, “responsabilidade social” do estado é “socialismo” (rsrs…).

    Pelo relato escrito, a entrevista é uma total perda de tempo. Serviu apenas para um executivo a serviço do “mercado” fazer seu proselitismo.

    Fica a sugestão para o jornal GGN em fazer uma entrevista/live com o economista Thomas Piketty sobre seu livro “Capital e Ideologia”. Posso adiantar, é um “cabra” com muita coisa interessante a falar.

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