O que os dados de emprego não mostram, por Luis Nassif

Segundo os dados do CAGED, foram 15,4 milhões de contratados contra 15,3 milhões de desligamentos. O que os dados não mostram são os efeitos da substituição dos demitidos pelos novos contratados. Faltou o essencial: quantos foram contratados com emprego formal e quantos pela Carteira Verde Amarela?

Desde que se instituiu a figura do Ministro da Economia, seu papel central é de corrigir as distorções de mercado na economia, buscar soluções, resolver gargalos.

Foi assim com Oswaldo Aranha no segundo governo Dutra. O país não dispunha de reservas cambiais. Advogado, Aranha buscou conselhos com um operador do Banco do Brasil e criou o sistema de taxas múltiplas de câmbio – que aliviou por algum tempo a economia. Foi assim com os Ministros do golpe militar, criando a gambiarra da correção monetária para driblar as distorções da inflação. E foi assim com o governo Lula, de 2008 a 2010, superando a crise econômica global com intervenções práticas na economia.

Paulo Guedes é, seguramente, o pior Ministro da Economia da história por várias razões.

A grande crise da economia brasileira é fruto direto de sua falta de atuação – assim como de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. Nos anos 90, em diversos momentos críticos, com falta de reservas, o Banco Central conseguiu administrar o câmbio graças à atuação histórica de um funcionário, Emilio Garófalo, na mesa de operações do banco.

Por aqui, sentado em uma montanha de dólares herdado do período lulista, Campos e Guedes foram incapazes de controlar a explosão do dólar.

Em um primeiro momento, essa explosão se refletiu sobre os produtos comercializáveis e sujeitos a cotações internacionais. Depois, foi se espalhando por todos os preços da economia. Confira os dados abaixo, em uma do IPCA de setembro. Dos 9 grupos de produtos, 7 estavam em alta. Dos produtos da cesta do IPCA, 174 estavam em alta contra apenas 51 em queda.

As tabelas mostram um pequeno refluxo dessas altas – em agosto eram 212 produtos em alta e em julho eram 243. Significa, em parte, o fim do impacto do câmbio. Aliás, como ocorreu na gestão Joaquim Levy.

Levy produziu um choque de preços inédito, reajustando em uma só tacada o câmbio, as tarifas e, na outra ponta, contendo o crédito e explodindo os juros. Produziu um efeito inflacionário inicial. Depois, à medida em que o impacto fosse sendo diluído com o passar dos meses, a inflação voltaria a patamares mais razoáveis. 

A falta de conhecimento prático sobre a economia, na época, fez com que alguns cabeças de planilha alertassem para o fenômeno da “dominância fiscal”, circunstância em que medidas monetárias não surtiriam mais efeito devido ao descontrole fiscal. Nada disso aconteceu. À medida em que os meses foram passando, sem a reverberação dos choques de preços iniciais, a inflação voltou a cair.

Obviamente, não foi um processo neutro. Inflação é variação de preços. Se há inflação em determinado período, e os salários não acompanham, há uma óbvia corrosão no seu poder aquisitivo. Se o ritmo da inflação cai, significa que os aumentos passam a cair, mas continuam sendo aumentos. Não há a reposição do poder aquisitivo perdido.

No caso Levy, a consequência foi um desgaste inédito de popularidade do governo Dilma Rousseff, facilitando o trabalho dos golpistas liderados por Eduardo Cunha e Michel Temer.

O que Guedes fez foi muito pior.

Na quadra atual, é possível que nos próximos meses a inflação anualizada comece a ceder. Mas há um desequilíbrio generalizado entre as empresas, especialmente as pequenas e médias que conseguiram sobreviver à hecatombe dos últimos anos. Agora, há queda em alguns preços essenciais, como da carne – devido ao boicote da China sobre os produtos brasileiros. Outros produtos passam a subir menos. Mas os frigoríficos – no caso da carne – e os distribuidores se apropriam de parte da queda, não repassando na ponta.

Por outro lado, o desmonte do mercado de trabalho, com as mudanças na legislação trabalhista, tornaram a recuperação mais tênue ainda.

Desde o governo Temer, inventou-se a fantasia da carteira Verde Amarela – na verdade, um “bico” com carteira de trabalho que não assegura nenhum direito ao assalariado. Considera-se emprego formal aquele em que o funcionário goza de direitos relativos, ao INSS, ao FGTS, ao 13o e férias, e em que há uma pequena punição à empresa em caso de demissão. A Carteira Verde Amarela não garante nada disso: logo, é uma mera formalização do bico.

No ano passado, Guedes falou seguidas vezes na “recuperação em V” da economia, brandindo o número de vagas medidas pelo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Segundo matéria do R7, foi feita uma revisão dos dados, que reduziu em 46,8% o número de vagas criadas em 2020.

Com a revisão, o número de vagas formais caiu de 142.690 para 75.883. A revisão foi devido ao comunicado atrasado de empresas.

Não apenas isso. Segundo os dados do CAGED, foram 15,4 milhões de contratados contra 15,3 milhões de desligamentos. O que os dados não mostram são os efeitos da substituição dos demitidos pelos novos contratados. Faltou o essencial: quantos foram contratados com emprego formal e quantos pela Carteira Verde Amarela?

Por aí se entenderá melhor o desmonte do mercado de trabalho e, por consequência, do mercado de consumo no país, enquanto Guedes comemorava a tal “recuperação em V”.

Luis Nassif

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  1. “há queda em alguns preços essenciais, como da carne…Mas os frigoríficos – no caso da carne – e os distribuidores se apropriam de parte da queda, não repassando na ponta.”
    Ou seja não houve queda de preços ao consumidor final !

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