Os desafios do papa Francisco

O publicitário Alex Periscinoto dizia que a Igreja Católica foi a primeira organização mundial a adotar ferramentas de marketing. Incluía ai o sino, o cerimonial das missas, a figura dos santos.

Pode parecer uma dessacralização excessiva da fé. Mas o recente avanço das chamadas igrejas eletrônicas em todo mundo mostra que a disputa entre as religiões se dá no campo da fé, mas também do marketing e das estratégias de comercialização de seu principal produto: o apoio espiritual/emocional.

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Nas últimas décadas, a Igreja Católica se distanciou extraordinariamente dos países emergentes, no justo momento em que eles… emergiam.

Do lado asiático, o mercado da fé já estava ocupado pelas religiões históricas da região, das asiáticas às arábicas. O grande mercado católico se situava no sul, nos países latino-americanos e nas migrações latinas para outros continentes.

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Em outros momentos, a Igreja avançava em todas as frentes. Nos anos 60 a 80, havia uma Igreja oficial, de dom Carlos Carmello Mottas, de dom Eugênio Salles, de grande peso político; outra que atuava na periferia e junto aos movimentos sociais; uma terceira, que atendia à demanda por apoio espiritual. E, também, uma Igreja interessada em participar da vida das famílias, os famosos encontros de casais dos anos 60 e 70 que juntavam das famílias de cabeça aberta de São Paulo às famílias de cidades pequenas, recém-urbanizadas..

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Um a um, a Igreja foi perdendo esses públicos. Os antigos príncipes da Igreja, cardeal Motta, dom Eugênio Salles, dom Paulo Evaristo Arns, os irmãos Lorscheider, independentemente da inclinação política, tinham ascendência sobre vastos setores relevantes da opinião pública. A geração atual de cardeais é inexpressiva no debate político.

Nas periferias, junto ao público mais politizado e o mais crente, a Igreja assistiu à invasão das religiões evangélicas. Enfrentou a modernização dos costumes ferozmente encastelada em princípios estáticos, sem entender os novos tempos. Os seminários deixaram de atrair quadros de bom nível. A bandeira da evangelização – que sempre foi o maior motor da Igreja, não apenas para os padres seculares como para as congregações – esgarçou-se. Sem a utopia da evangelização, sem uma bandeira maior para defender, houve uma profunda deterioração da ética interna, como uma empresa que perdeu valores e chefia. O resultado foi o estouro de escândalos em várias partes do mundo.

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Por trás dessa crise, a doença que afeta toda grande organização: o encastelamento em si, o comando centralizado que perde o contato com as pontas; as disputas internas que colocam o jogo interno de poder acima dos objetivos maiores da companhia; o deslumbramento e a submissão ao fausto e ao poder. Em suma, a burocracia do Vaticano.

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Esse será o duplo desafio do papa Francisco. De um lado, superar a cúpula do Vaticano, que enredou a Igreja em um universo de corrupção financeira e sexual. De outro, ampliar novamente o escopo de atuação da Igreja, voltando a dar atenção preferencial às novas classes que emergem nos países do sul.

Apenas um Papa logrou dominar essas duas frente: João 23. Até hoje provoca enormes saudades na juventude daquela época, dos religiosos aos que perderam a fé.

Luis Nassif

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