Quem ganha com a apreciação do real

Coluna Econômica

Não procure entender a política cambial brasileira pela teoria econômica. Historicamente, anos a política cambial sempre foi capturada por grupos econômicos influentes.

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Tome-se o mercado de crédito e analisemos de acordo com a maior ou menor influência dos participantes.

Classe A – três grupos influentes: o sistema financeiro, as grandes corporações e os grandes grupos de mídia.

Classe B – a rapa, pequenas e médias empresas e pessoas físicas.

Há dois grupos influentes na Classe A, com interesses conflitantes: os bancos emprestam; as empresas tomam emprestado. Como conciliar os interesses de ambos?

A formula encontrada foi segmentar o mercado de crédito em dois campos: o mercado internacionalizado e o mercado doméstico. O primeiro é composto por linhas de financiamento em dólares; o segundo, por crédito em reais.

As grandes corporações têm acesso ao primeiro mercado. Pagam taxas de juros internacionais e spreads mínimos. O restante, só ao crédito doméstico.

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Com essa segmentação, todos os grupos da Classe A tornam-se beneficiários diretos da apreciação do real.

Tomador de crédito em dólares – levanta US$ 100 milhões no exterior, a uma taxa de 7% ao ano e a um câmbio de R$ 2,00 o dólar. Recebe R$ 200 milhões. Ao final de um ano, sua dívida (em dólares) estará em US$ 107 milhões. Suponha que o dólar tenha caído para R$ 1,70. Com apenas R$ 182 milhões ele comprará os US$ 107 milhões necessários para quitar a dívida  – menos do que o valor do empréstimo, em reais.

Se, em vez de tomar financiamento para capital de giro, ele receber os R$ 200 milhões e aplicar em títulos públicos a 12,5% ao ano, ao  final de um ano, terá R$ 225 milhões. Com o dólar a R$ 1,70, ele recomprará os dólares e terá US$ 132 milhões. Quitará sua dívida de US$ 107 milhões e ficará com um lucro de US$ 25 milhões.

Quando o dólar se valoriza (e o real se desvaloriza) a conta inverte. Se o dólar for a, digamos, R$ 2,50, a conta se inverte totalmente. Ao final de 12 meses, a quitação da sua dívida de US$ 107 milhões custará R$ 267,5 milhões, ou 34% ao ano. Se pegou dinheiro para especular, terá um prejuízo de R$ 42,5 milhões.

Tomador de crédito em reais – Toma R$ 200 mil no banco, por 12 meses, a uma taxa de 4% ao mês. Ao final do período, sua dívida estará em R$ 320 mil. Se tivesse os mesmos acessos a crédito internacional das grandes companhias, sua dívida estaria em apenas R$ 188 mil.

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Grandes grupos de mídia – imagine uma grande rede de televisão. Ela compra os direitos de determinado programa, pagando US$ 10 milhões ao ano. Com  o dólar a R$ 1,80, pagará R$ 18 milhões por ano. Aí, ela venda cotas de patrocínio no valor de, digamos, R$ 2 milhões mensais, ou R$ 24 milhões ano. Seu lucro será de R$ 6 milhões.

Suponhamos que no final do ano o dólar vá para R$ 2,50. Em vez de desembolsar R$ 18 milhões, ela terá que desembolsar R$ 25 milhões para pagar os direitos. O lucro de R$ 6 milhões torna-se prejuízo de R$ 1 milhão.

No caso de jornais, imagine que o papel represente 30% do custo final do jornal e a rentabilidade do negócio esteja em 10%. Se o dólar se valorizar 30%, o custo do papel sobe para 39% e a rentabilidade praticamente cai a zero.

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As explicações da política cambial brasileira estão aí, não nas teorias econômicas.

Luis Nassif

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