A importância da discussão sobre a política comercial no próximo governo

Jornal GGN – Apesar de não ocupar grande espaço no debate eleitoral, a discussão sobre a política comercial brasileira vai demandar uma grande atenção do próximo governo. É o que defende Sergio Leo, especialista em Relações Internacionais, em sua coluna no jornal Valor Econômico. Para ele, as chamadas ‘cadeias globais de valor’, a fragmentação das etapas produtivas em diversos locais, serão a principal preocupação, tendo em vista que o Brasil ocupa um lugar pouco relevante nestas cadeias. Sergio afirma que os países excluídos que estão de fora destas redes de produção estão arriscados a ficar atrás em termos de inovação tecnológica e de perder o dinamismo de sua economia. Leia a coluna abaixo.

Do Valor

Cadeias globais, tema do próximo governo

por Sergio Leo

Excessivamente centrada na conveniência ou não de buscar acordos de livre comércio para além do Mercosul, a discussão sobre a política comercial do Brasil deve frequentar, marginalmente, os debates eleitorais, mas exigirá grande atenção do futuro governo, especialmente para um tema que ganhou força nos últimos dois anos, as chamadas “cadeias globais de valor”.

É como se chama a fragmentação das etapas de produção e do comércio internacionais por diversas localidades ao redor do globo, de acordo com vantagens competitivas de cada uma. O Brasil é pouco relevante nessas cadeias, e não há consenso sobre como reagir a isso.

Estudos a serem publicados em breve pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de técnicos do próprio instituto e de especialistas independentes, mostram que o debate sobre a inclusão do Brasil nessas cadeias globais de valor é incompleto e superficial quando concentra atenção em temas como a redução de tarifas de importação típicas de acordos tradicionais de livre comércio.

O Brasil ainda é pouco relevante nas cadeias globais de valor

O que está em questão são difíceis decisões de política econômica e de diplomacia, sobre adesão a regras de comércio de serviços consolidadas fora do país, de abertura financeira e proteção a propriedade intelectual, sobre a produção ou não de certos produtos intermediários no Brasil e sobre estímulos à indústria nacional.

No Brasil, apenas 10% do valor agregado das exportações brasileiras deve-se à participação estrangeira, e a participação brasileira na produção internacional se dá, principalmente, com fornecimento de produtos básicos, de baixo valor unitário.

Outros emergentes com grande mercado interno e indústria diversificada também estão fora das cadeias globais de valor – que, como mostram diversos estudos, são redes de produção e comércio de partes, peças, componentes e produtos mais regionais, em torno dos EUA, Alemanha, China e Japão, que propriamente globais.

Estão de fora a América do Sul e a África. Os países excluídos dessas grandes redes de produção arriscam-se a perder o passo das inovações tecnológicas e reduzir o dinamismo de suas economias.

Uma característica comum às cadeias globais de valor é o fato de que elas organizam as diversas etapas de produção em locais distintos, mas subordinados, todos, a uma empresa-líder, em geral localizada nos países relativamente mais desenvolvidos de uma região e proprietária dos direitos intelectuais sobre o desenvolvimento dos produtos, dos processos produtivos e até de máquinas e equipamentos usados na produção.

Buscar a incorporação às atuais cadeias de valor significa abrir mão de produzir certas mercadorias de forma autônoma, e subordinar parte do parque produtivo nacional às estratégias e conveniências de algumas empresas-líderes mundiais.

Para Pedro da Motta Veiga e Sandra Rios, diretores do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes) e dois dos maiores especialistas em comércio internacional, a necessidade de adaptar-se ao novo modelo de organização da produção mundial exige de países como o Brasil medidas para acelerar a liberalização do comércio e a convergência de suas regras de comércio e investimento “em direção aos padrões vigentes no Norte”.

São medidas para reduzir custos de comércio de produtos intermediários, ênfase na qualidade e prestação de serviços relacionados ao comércio e à facilitação de transações comerciais, para reduzir tempos e custos do deslocamento de mercadorias.

Essa receita enfrenta restrições particularmente em um governo que procura contrapor políticas geradas nos países do Sul a modelos importados do Norte. Mas os desafios vão bem além disso. Rios e Motta Veiga, no estudo “Cadeias Globais de Valor e Implicações para Formulação de Políticas” – parte da pesquisa sobre o tema liderada pelo Ipea -, admitem que a pura liberalização comercial, especialmente nos setores de bens intermediários, facilita, mas não garante, a integração bem-sucedida às cadeias de valor globais.

Há riscos nesse processo, especialmente para os países com parque industrial mais diversificado. Serão necessárias políticas industriais voltadas a determinados setores da economia, de forma a aumentar as importações e exportações desses setores, eventualmente eliminando partes deles no território nacional e apoiando a internacionalização e especialização de subsetores mais competitivos.

Menos estudado é o possível efeito da liberalização de serviços, defendida por muitos dos autores dedicados às cadeias globais de valor. A inclusão nas cadeias globais está, em geral, associada a facilidades para importação de serviços como pesquisa e desenvolvimento, marketing, design, consultorias, informática, telecomunicações, distribuição (atacado e varejo) e transporte.

A simples abertura comercial como forma de capturar investimentos destinados às cadeias globais de valor pode até funcionar em economias muito simples, de baixo desenvolvimento industrial e tecnológico. Em países como o Brasil, não se dispensam, porém, ações do governo para apoiar determinados setores, ao lado de medidas “horizontais” de investimento em sistemas de certificação e definição de padrões, melhoria de infraestrutura, estabilização macroeconômica e redução das barreiras burocráticas e tributárias aos negócios.

Diferentemente das políticas tradicionais de substituição de importações, as novas políticas “focadas” para integração sustentável às cadeias de valor não se dirigem a setores inteiros, mas só aos segmentos de maior vantagem competitiva no país. Seria interessante conhecer as ideias dos atuais candidatos à Presidência sobre temas como esse, além da tradicional catilinária sobre os acordos de livre comércio e o Mercosul.

Sergio Leo é jornalista e especialista em relações internacionais pela UnB. É autor do livro “Ascensão e Queda do Império X”, lançado em 2014. Escreve às segundas-feiras

Redação

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. O Brasil corre em raia

    O Brasil corre em raia própria como grande player global na exportação  de commodities. O país não tem porque se desesperar. As políticas públicas desenvolvidas pelo governo (maior investimento em educação,saúde e,sobretudo,distribuição de renda) levarão,sem dúvida alguma,a uma inserção privilegiada no cenário global em todas as áreas,incluídas as de alta tecnologia. É só uma questão de tempo.

  2. Acordos

    Obrigado pela citação, caro. Cabe notar que chamo atenção, também, para o fato de que essa crença dos acordos de livre comércio como grande panaceia está equivocada, e que serão necessárias medidas setoriais de política industrial, de difícil formulação.

    Abraços.

  3. Tema complexo

    O tema dos serviços é fundamental, pois implica em dreno de riquezas contra nada.

    O Brasil têm muito a oferecer em troca para firmar acordos que realmente interessem ao país.

    A diplomacia e as áreas técnicas têm muita lição de casa para fazer, separando o que interessa e o que não é tão favorável, produzindo estratégias para aproveitar as primeiras e negociar as segundas.

    Mais do que nunca uma estrutura ágil, racional e eficiênte se faz necessária para que as decisões sejam oportunas e vantajosas.

    Em pouco tempo, com inteligência e capacidade técnica será possível reverter o atual estado calamitoso da política comercial brasileira.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador