A farsa do Projeto Serra-Jucá: o ARO disfarçado, por Roberto Requião

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A farsa do Projeto Serra-Jucá: o ARO disfarçado

por Roberto Requião

Volta à discussão nesta Casa o Projeto de Lei do Senado – PLS 204/2016, de autoria do Senador José Serra, cujo conteúdo já havia sido discutido e rejeitado pelo plenário em dezembro do ano passado e remetido à Comissão de Assuntos Econômicos para nova discussão. Na Comissão de Assuntos Econômicos –CAE, assumiu um novo relator, o senador Romero Jucá.

Como sempre lesto e profícuo, desde o dia dez de julho, o senador tem o relatório pronto.

O que se vê é um claro esforço do governo Temer para que se evite o aprofundamento da discussão. O que se quer é a aprovação imediata do PLS com os olhos e ouvidos dos senadores bem fechados.

Afinal, são tantas as armadilhas conceituais e semânticas que caracterizam esse projeto que o governo foge do debate, para que intenções pouco republicanas não sejam desnudadas.

Logo de início, o PLS omite o objetivo de se criar uma empresa estatal nebulosa, mascarando a entidade como “pessoa jurídica de direito privado” e, no relatório do Senador Jucá, como “instituição privada”.

Essa manobra procura esconder que o que está sendo gestado é uma empresa estatal principalmente financeira supostamente independente, o que confronta a Constituição Federal, que só admite criação de empresa estatal “que atenda aos requisitos de relevante interesse público ou segurança nacional”, conforme expressa com toda a clareza o artigo 173 da Carta Magna.

Nos estados e municípios onde esse esquema já foi armado, a empresa criada foi denominada “empresa estatal não dependente”, com claro objetivo de fugir dos limites e dos controles da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei das Licitações.   

A essência de empresas de desse tipo consiste em:

  1. Emitir derivativos financeiros com garantia estatal (debêntures), comprometendo-se a pagar juros abusivos, que pela experiência prévia chegam a mais de 23% ao ano;
  2. Receber toda a receita decorrente de multas e juros sobre créditos arrecadados da União, Estados, Distrito Federal e Municípios;
  3. Receber imóveis públicos em doação, para em seguida serem leiloadas, sob a alegação de que tais recursos seriam aplicados em atividades do interesse do município. Temos aqui o exemplo de Belo Horizonte, onde um leilão foi suspenso por ordem judicial devido à ação popular que questionou os valores e as condições oferecidos;
  4. Participar de Parceria Público Privada, mediante a mercantilização de ativos do setor público.

Esclareça-se que o PLS do relator Romero Jucá, com base em iniciativa inicial do Senador José Serra, só trata de forma explícita dos itens um e dois acima; ou seja: a emissão de derivativos e o recebimento de multas e juros sobre créditos. Não se sabe o que está implícito sob a nuvem de fumaça da intricada terminologia jurídica e financeira usada nesse projeto de lei.

Os outros itens estão sendo aplicados onde já existem tais empresas, como no Estado de São Paulo (CPSEC – Companhia Paulista de Securitização) e em Belo Horizonte (PBH Ativos SA).

Mas, nada evitará que todos os itens venham a ser adotados tão logo o projeto seja eventualmente aprovado. Afinal, este querem aplicar esse modelo de jogatina financeira universalmente.

Entretanto, vamos esmiuçar como o sistema funciona, sob quaisquer denominações.

A armação inicia-se com a transferência do chamado “direito ao recebimento do crédito” da União, Estado ou Município para a empresa que o PLS pretende criar.

Esse “direito”, em tese, corresponde à concessão de garantia pública e, adicionalmente, dos valores de multas e juros pagos em atraso pelos contribuintes. Mas na verdade e nada mais nada menos uma Antecipação de Receita Orçamentária – ARO, o que é vedado por lei no Brasil.

Em seguida, à “concessão do direito”, a empresa emite derivativos financeiros, em especial debêntures, sob garantia do setor público.

Tais debêntures rendem juros estratosféricos, e são lançados mediante “esforços restritos de colocação”. Isso significa que não há oferta pública desses papéis. Com isso, foge-se do controle da CVM, que trata apenas de oferta pública, e evita-se concorrência entre os investidores. Ou seja, permite-se com essa liberalidade oferecer os títulos a preços de ocasião para “os amigos”.  

Enfim, é uma forma descarada de favorecimento a alguns apaniguados do sistema financeiro e bancário que serão, em última instância, os beneficiários desse processo.

Além de favorecer alguns “amigos” do rei, o esquema proposto nesse projeto caracteriza-se como umaoperação de crédito disfarçada, ilegal e extremamente onerosa para o Estado, um ARO.

Em Belo Horizonte, onde esse escabroso esquema foi implantado, o município teria recebido 200 milhões de reais, no entanto registrou uma obrigação no valor de 880 milhões de reais.

Note-se que, em último caso, pretende-se fazer uma operação escandalosamente direcionada por certas lideranças políticas em conluio com alguns privilegiados.

Voltando a Belo Horizonte: o banco BTG Pactual, citado na Lava-jato, e que se diz vinculado ao ministro Henrique Meirelles, foi ao mesmo tempo o coordenador líder da emissão dos derivativos (debêntures) e ocomprador único de 100% desses papéis, ou seja, estava dos dois lados do balcão ao mesmo tempo.

Este, senhoras e senhores, é o verdadeiro negócio.

E que negócio! Trata-se, pura e simplesmente, de uma operação de agiotagem a que não corresponde absolutamente nenhum tipo de trabalho real.

Que negócio!

Parabéns para as “mentes criativas” que o inventaram e para os bobos que acham que poderão aprovar isso impunemente contra o interesse público, enquanto nosso povo sofre grandes privações!

Vídeo do discurso:

 https://www.youtube.com/watch?v=HCF6HTy_waM

Roberto Requião é senador da República no segundo mandato. Foi governador do Paraná por três mandatos, prefeito de Curitiba, deputado estadual, secretário de estado, empresário, agricultor e advogado. É graduado em direito e jornalismo com pós-graduação em urbanismo e comunicação.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1. Quanto mais eu rezo, mais

    Quanto mais eu rezo, mais assombração aparece. Ditado antigo, mas cai como uma luva em tempos pós golpe…

  2. PSDB na TV: “erramos” / PSDB no governo: mamando!

    A cara de pau do PSDB atingiu novos patamares com essas inserções na TV admitindo os “erros do passado”… enquanto o partido se chafurda na lama do presente.

    1-Toda corrupção do PSDB ficou impune e hoje eles colhem os frutos diariamente no governo Temer.

    2-Os maiores nomes do PSDB foram envolvidos diretamente na corrupção de forma inegável e todos continuam atuantes no partido.

    3-Serra, Aécio e Alckmin receeberam milhões em propina… esse dinheiro será devolvido de alguma forma?

    4-Admitem que erraram mas escondem os maiores nomes do partido, não seriam eles que deveriam pedir desculpas em lugar desses atores multi-étnicos. A impressão que dá é que eles mandaram os “serviçais” pedir desculpas por eles.

    Vale mencionar:

    O PSDB admite seus erros… porém o juiz imparcial de Curitiba e Dallagnol seguem com a eterna tese de que o PSDB não era corrupto por não ser do governo… temos aqui um juíz mais partidário que o partido… ele deve ver a propaganda e pensar: “Erraram nada!”

    Sugiro ao Moro convocar o marketeiro do PSDB para explicar a ele onde foi que o partido errou… deve ter algum powerpoint para corrigir.

  3. Outra semente para destruir o patrimônio público

    As tais operações ARO foram operações que quebraram o Banespa.

    O projeto neoliberal visa transformar o Brasil numa terra arrasada mesmo.

    O Serra é o campeão das malandragens.

    Mexeu em parte do destino do ICMS na constituição de 1988 deixando assim o germe que “sucateou as estatais para serem vendidas”.

    Agora criaram sementes de veneno novamente.

    1. Sem dúvida Sidnei

      Isto é mais uma das bombas de efeito retardado que Serra continua a tramar depois da PEC do orçamento. Seu objetivo é se apropriar do estado financeiramente. Serra é a força tarefa do capital financeiro.

  4. “Securitizar”, a palavra da moda

    Falo como leigo, mas esta palavra me cheira a grossa picaretagem. Assim concluo pelos que insistem em por em prática essa “novidade”.

    A Maria Lúcia Fatorelli tem mostrado que é esta safadeza que fizeram com a Grécia e que deixou aquele país nas mãos de agiotas cosmopolitas, nacionais e não-nacionais, com negócios sediados em Luxemburgo.

    Essa mesma palavrinha mágica tem sido repetidamente propalada, como se fosse retirada de uma cartilha (do Instituto Millenium?, da Casa das Garças?) pelos defensores da adoção de uma nova taxa de juros, a TLP (MP 777/2017), em substituição à TJLP, pelo BNDES.

    Puxando a folha corrida dos defensores da aplicação desse mecanismo, onde quer que seja, vê-se que são profissionais, acadêmicos e altos funcionários serviçais do grande capital. Capachos dos verdadeiros beneficiários do liberalismo. Comedores das migalhas do banquete dos exploradores.

    Portanto, esse “novo” conceito, o de “securitização” tem se tornado a palavra chave para esconder as velhas falcatruas de sempre, com um pouco mais de servilismo e canalhice. Típicos dos tempos atuais.

  5. FACTORING DO ESPOLIO PUBLICO

    Serra e Juca… Cadê a LAVA JATO

    Vão montar uma FACTORING DO ESPOLIO PUBLICO… pratica que faria os “lobos de wall street” terem orgasmos múltiplos… simplesmente vão especular em cima dos ativos públicos… por isso esse salseiro, além de pagarmos o maior juro do mundo… agora nossas riquezas virarão commodities para politico especular e fazer um compadrio especulativo… Por isso tão passando o cerol nas empresas publicas, as PPI são engodo pra aplicar o maior golpe já visto no capitalismo mundial.

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