Streck: Até o porteiro do STF declararia o orçamento impositivo inconstitucional

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Para o ex-procurador de Justiça Lenio Streck, o papel do Congresso não é o de confrontar o Planalto engessando a maneira como o orçamento anual deve ser executado

Jornal GGN – A recente aprovação definitiva da PEC do orçamento impositivo pela Câmara Federal desperta dúvidas sobre sua legitimidade. Pode o Congresso exceder seu papel legislativo e impôr ao governo Dilma Rousseff (PT) a execução de emendas parlamentares individuais cujo impacto nas contas públicas, este ano, se aproxima de 10 bilhões de reais?

Para o ex-procurador de Justiça, doutor em Direito e professor titular da Unisinos, Lenio Streck, há uma série de razões para que a PEC do orçamento impositivo seja considerada inconstitucional e tenha seus efeitos questionados no Judiciário.

O primeiro motivo é que não há argumentos plausíveis – a não ser que se pesem os fatores “política e governabilidade” – para que os deputados exijam do Planalto o cumprimento das emendas em um ano de ajustes fiscais duros. “Não há qualquer indicativo que justifique o empenho de milhões de reais em favor de mandatos parlamentos individuais. Regiões que não elegeram representantes ficam sem a verba? Há algum dado confiável que demonstre que o Brasil vai melhorar com essa PEC? Sim, porque alterar a Constituição é coisa séria. Alterá-la necessita de forte justificativa. E essa não existiu”, escreveu ao GGN.

Leia mais: O orçamento e a nova cara do Brasil: Cunha, Gilmar, Vacarezza

O segundo motivo, na visão de Streck, é que a PEC é um ataque do Legislativo à “harmonia entre os Poderes”. “Estabelece despesas para o Poder Executivo que não podem ser feitas por emenda constitucional. Orçamento deve obedecer a uma trilogia de leis (Plano Plurianual, LDO e a própria LOA – lei anual orçamentária)”, disparou.

O uso do formato PEC para fazer lograr os desejos dos deputados tira o poder de veto do chefe do Executivo, que vira refém do Congresso. “Logo, se a moda pega, toda vez que o Legislativo resolver dar o drible no Executivo, faz uma PEC. Não é qualquer matéria que pode ser objeto de PEC. Fosse assim, não haveria Poderes distintos.”

Desequilíbrio nas eleições

Streck também colocou em xeque o acordo político entre Planalto e Câmara – que vem desde os tempos de FHC – para liberação de emendas parlamentares. Até a aprovação da PEC, o governo federal vinha usando as emendas como “moeda de troca”, uma forma de tentar garantir a governabilidade na Casa. 

Para o advogado, esses recursos ferem “a igualdade no processo eleitoral, a participação dos futuros candidatos a deputado e senador nos pleitos. Pode-se chamar a isso de violação do direito a participação igualitária nos pleitos da República. Como um candidato vai disputar uma vaga com alguém que dispõe de 16 milhões de reais para distribuir aos prefeitos ou aos governos estaduais?”

Na opinião de Streck, se vingar a PEC, “teremos dois tipos de emendas parlamentares: as que o poder executivo pode vetar e as que ele tem de engolir. Mas, então, por que votar em um chefe do poder Executivo, se, desde logo, sabemos que parte do orçamento ele não poderá alterar? Isso é tão inconstitucional que o porteiro da Suprema Corte deveria assim declarar.”

Reação da Presidência

Fontes do Supremo Tribunal Federal ouvidas pelo GGN disseram que a única coisa que se pode afirmar sobre a aprovação do orçamento impositivo é que, certamente, a Corte se debruçará sobre sua validade. Antes, claro, os agentes competentes precisam entrar em ação. Só não está claro se o governo Dilma tem interesse em encampar mais essa briga política, já que a PEC foi aprovada com forte adesão dos deputados da base aliada – a matéria teve mais de 400 dos 523 votos que existem na Câmara.

A reportagem apurou que a Advocacia-Geral da União não tem a prerrogativa de ajuizar Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) por conta própria. “A legitimidade para propor este tipo de ação é da presidente da República, competindo à AGU o assessoramento jurídico necessário. Além da presidente, há ainda outros legitimados para ajuizar a ação, como o Procurador-Geral da República, os partidos políticos, as confederações sindicais e os estados, dentre outros.”

A Casa Civil e a Secretaria-Geral da Presidência informaram que não debatem o assunto.

Sanção

O orçamento impositivo – considerado uma nova derrota de Dilma com Eduardo Cunha (PMDB) na presidência da Câmara – aguarda sanção de Renan Calheiros (PMDB) em sessão conjunta do Congresso. A Secretaria-Geral da Mesa do Senado informou que “ainda não existe previsão da data da sessão solene de promulgação, e nem prazo regimental para sua convocação.” Há, no entanto, uma sessão conjunta das Casas prevista para o próximo dia 24.

Enquanto isso, Cunha já declarou qual a próxima meta: aprovar a obrigatoriedade do governo Dilma em liberar emendas para as bancadas partidárias.

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

6 Comentários

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  1. 9,7 bilhões anuais para

    9,7 bilhões anuais para deputados gastarem como bem entenderem sem prestar contas a ninguém, e usupando uma prerrogativa do executivo ferindo o príncípio da independência entre os poderes,  daqui a pouco ele muda a constituição e implanta o parlamentarismo.

    As associações e os sindicatos deveriam entrar com ADI’S no STF.

  2. ENSINA QUEM SABE

    Na minha humilde opinião, corretíssimas as afirmações do douto jurista Lênio Streck, visto que o Orçamento Impositivo serve aos interesses escusos dos lobistas, cuja hegemonia no parlamento beneficia poucos indivíduos e prejudica a maioria da população. Na verdade, as emendas parlamentares ao Orçamento da União constituem uma excrescência antidemocrática, que avilta a imperativa isonomia eleitoral e viola o princípio da harmonia entre os Poderes da República, conforme ressalta o nobre professor Lênio. Creio também que Streck deveria ser entrevistado pela Presidente Dilma e seus assessores antes da decisão sobre a cadeira vaga no STF.

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