Criador do “Escola Sem Partido” critica o projeto de mesmo nome na Câmara

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Foto: Divulgação
 
Jornal GGN – O procurador de Justiça de São Paulo, Miguel Nagib, que foi quem criou o movimento conhecido como “Escola Sem Partido” foi à Câmara dos Deputados, nesta quinta-feira (06), para reclamar de um trecho do projeto que recebeu o mesmo nome de seu movimento. Nagib solicitou que se retire do texto que está tramitando na Casa a parte que proibe professores e educadores a tratarem de questões de gênero no ensino.
 
O objetivo do movimento, segundo Nagib, é tentar uma suposta neutralidade que fuja de “abordagens próprias da religião”. Mas o atual projeto que está prestes a ser votado em Comissão da Câmara, apontou ele, “tem artigos que se contradizem”. “Não pode ficar assim”, criticou.
 
Da Agência Brasil
 

O fundador do movimento Escola sem Partido, o procurador de Justiça de São Paulo Miguel Nagib, foi à Câmara dos Deputados hoje (6) pedir que o relator do projeto de lei que recebeu o mesmo nome, deputado Flavinho (PSC-SP), retire do texto a proibição para tratar de questões de gênero nas escolas.

Hoje haveria mais uma tentativa de votação do substitutivo apresentado por Flavinho na comissão especial que discute a matéria na Câmara, mas isso não ocorreu. Nagib, então, encontrou o parlamentar no plenário da Casa e teve com ele uma breve conversa no café do local. A intenção era ter uma reunião formal, mas o deputado embarcaria em voo para São Paulo.

“O substitutivo tem artigos que se contradizem; está errado, não pode ficar assim. Eu acho que essa lei não pode proibir conteúdos, nem questão de gênero, ela deve estabelecer que seja qual for o conteúdo, ele tem que ser apresentado sem dogmatismo, sem proselitismo, que são abordagens próprias da religião”, disse Nagib à Agência Brasil.

O tempo está cada vez mais apertado para que o projeto seja aprovado na atual legislatura, o que é o desejo daqueles que são favoráveis ao texto. Já aqueles que são contrários, querem que o projeto seja arquivado, o que ocorrerá caso a aprovação na comissão especial não seja ainda este ano. Nagib acredita que a supressão do artigo que trata de gênero vai facilitar a aprovação.

Nagib explica que o próprio substitutivo estipula, no Artigo 2º, que o Poder Público “não se imiscuirá no processo de amadurecimento sexual dos alunos nem permitirá qualquer forma de dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero”.

Depois, ressaltou o procurador, o texto apresenta uma contradição, no artigo 6º, quando diz: “A educação não desenvolverá políticas de ensino, nem adotará currículo escolar, disciplinas obrigatórias, nem mesmo de forma complementar ou facultativa, que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’.”

Após a conversa, deputado Flavinho disse que irá analisar a possibilidade de mudança na redação, mas que não abre mão da proibição de que escolas tratem de orientação sexual. “Questão de orientação sexual, questões de gênero, que são questões filosóficas, ideológicas, não são permitidas de serem tratadas no ambiente escolar, se não for de forma científica. Como não há ciência sobre isso, ele [o substitutivo] impõe uma limitação para o trato da questão”, diz.

Ele acrescenta, no entanto, que não há proibição “de se tratar de questões da sexualidade, dentro do ambiente próprio, da faixa etária própria. Não há nenhuma proibição como essa no substitutivo”.

Discussões acaloradas

As discussões do projeto de lei que conta com o apoio do presidente eleito, Jair Bolsonaro, têm sido acaloradas na Câmara dos Deputados. São frequentes os bate-boca tanto entre parlamentares quanto entre manifestantes pró e contra o texto que acompanham as sessões.

O embates ultrapassam o Congresso Nacional. No país, são diversos os movimentos de ambos os lados. Do lado favorável, estudantes têm sido incentivados a gravarem aulas de professores e pais a denunciarem os docentes. Do lado contrário, no mês passado, o Ministério Público Federal expediu recomendações para pôr fim a ações arbitrárias contra professores. Entidades educacionais também se mobilizaram criando o movimento Escola com Diversidade e Liberdade e lançando um Manual de Defesa contra a Censura nas Escolas.

O projeto de lei surge para evitar que professores usem do espaço da sala de aula para doutrinar os estudantes. Um dos pontos controversos, no entanto, é que não está claro o que poderia ser enquadrado nessa doutrinação.

Para Nagib, a ciência tem que ser prioridade na sala de aula e os assuntos devem se tratados dos mais diversos pontos de vista. “Onde houver mais de um ponto de vista relevante, contemplado pela bibliografia, o aluno tem direito de saber, não é justo professor suprimir, omitir do estudante, uma perspectiva que tem peso”.

Segundo Nagib, os professores têm o dever, por exemplo, de ensinar a teoria da evolução aos alunos. “Caso um aluno fale que acredita em criacionismo, o professor tem que, respeitosamente, dizer que isso não é ciência, é religião. ‘Você tem todo o direito de acreditar nisso e não pode ser ridicularizado, mas o que eu tenho o dever de ensinar a você é a teoria da evolução’”, defende e é taxativo: “Quando um professor vai com camiseta com Lula ou do Bolsonaro, esta é uma prática ilegal”.

O posicionamento de Nagib, no entanto, não é consenso entre os apoiadores. Alguns acreditam que gênero não deve ser abordado nas escolas de maneira nenhuma, como defende Flavinho, ou que criacionismo deve ser lecionado.

Contrário à proposta, o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que representa diversos movimentos educacionais, Daniel Cara, diz que, se aprovado, o projeto irá “prejudicar gravemente a qualidade da educação”, disse, acrescentando: “Porque um professor não vai conseguir lecionar sob um tribunal ideológico ou moral. Ele não vai conseguir lecionar sob o medo. Vai tornar o ambiente escolar tão instável, que mesmo os professores que são conservadores vão começar a atuar contra o Escola sem Partido. Isso já está acontecendo”.

 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

5 Comentários

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  1. Esses senhores que querem

    Esses senhores que querem tanto normatizar a sala de aula, só o fazem porque não a conhecem. Por que não lutam eles por mais recursos para a educação? Por que não se empenham em ouvir tanto professores como pais e alunos?  Por que não vão estudar, propor reuniões sobre os problemas da educação? Parece que estão a fazer fumaça para que coisas mais graves que ocorrem no nosso país não sejam percebidas.

  2. Pelo bem da família

    Pelo bem da família brasileira, pelo bem da Pátria, pelo bom caráter de nossas crianças, cortaremos Mateus 23 do Ensino Religioso.

    Essa gente tem que obedecer à hierarquia, como pode? 

  3. Realmente, um tema de

    Realmente, um tema de “altíssima” relevância para o país. Enquanto isso, questões “secundárias” como essa, de interesse apenas de “esquerdistas” e “comunistas” podem ficar na lista de espera.

    Total de pobres no país cresce a 54,8 milhões em 2017, afirma IBGE

    Em um ano, 2 milhões de brasileiros passaram a viver com menos de R$ 406 por mês

     

    https://goo.gl/aJ2Wm1

  4. Coisa de doido…
    Igreja tem
    Coisa de doido…

    Igreja tem partido; judiciario tem partido; midia tem partido… O unico lugar institucional que resta pra discussão com ciencia, rigor, metodo (o sistema escolar), querem cagar regra em cima…

    Biblia e “coaching” nas escolas não é doutrinaçao pra essa gente…

    … Ai, ai…

    Abaixo, texto de Fernando Brito sobre ministro da educaçao boçalnara.

    Professor pedreiro, vendedor, ‘uber’. E o problema é a ideologia…
    POR FERNANDO BRITO · 06/12/2018

    Mônica Manir publica, hoje, na Folha, reportagem que faria corar o futuro Ministro da Educação, que sustenta que o “globalismo marxista” é o maior problema da educação brasileira. Isto é, se aquele cidadão pudesse corar ainda, depois do que diz.

    Ele mostra personagens de um magistério abandonado, entregue a remunerações deprimentes, tendo que se desdobrar em “bicos”, “biscates” e trabalho exaustivo para sustentarem suas família.

    Conta a história de Cícero Ferreira de Lima, que dá aulas de educação física, mas assenta pisos e azulejos, faz chapisco de paredes, rebocos e outro serviços da arte de ser pedreiro, que aprendeu com o pai.

    Também a da mulher, Daiane, que sustenta com venda de bananas fritas o curso de doutorado em Linguística Teórico-Descritiva na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

    “Quase todo colega meu da escola pública faz alguma coisa por fora, vende cosméticos, lingerie, dá aula particular de violão ou de pintura”, diz.

    Também está no relato o “jeitinho” do professor de Matemática e Física Alexandre Gonçalo Santana, que se divide entre aulas e o volante de um “Uber”.

    É a realidade de 30% dos professores, segundo estudos apresentados no texto. Sem contar, é claro, aqueles que se desdobram em dois ou mais empregos de professor, realidade de grande parte do magistério, o que sei de casa, ainda menino.

    A meta de igualar o salário do magistério ao de outras profissões, entretanto, avança da pior forma: não porque os vencimentos dos professores aumentem, mas porque o dos outros profissionais está diminuindo.

    É uma vergonha, diante disso, que o homem que vai comandar a Educação só abra a boca para dizer que irá para o cargo com “a faca nos dentes”, para lutar contra o “marxismo” que dominaria as escolas brasileiras.

    Não é só coisa de gente burra, é coisa de gente má.

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