Estatuto da Família deixaria até Jesus de fora, por Maurício Moraes

Sóstenes Cavalcante (PSD-RJ) e Marco Feliciano (PSC-SP) durante a sessão em que o Estatuto da Família foi aprovado

Da Carta Capital

Até Jesus ficaria de fora do Estatuto da Família de Cunha
 
Projeto é mais um episódio da cruzada contra os direitos individuais dos deputados religiosos e oportunistas

Jesus, segundo consta, era filho de uma virgem, concebido por um Espírito Santo. Maria, sua mãe, vivia com um carpinteiro, José, que se tornou o segundo pai do menino. Em suma, se vivessem no Brasil de 2015, estariam sob risco de ficar de fora do talEstatuto da Família, a mais nova e retrógrada legislação concebida pelos fundamentalistas do Congresso Nacional, capitaneados pelo suposto cristão Eduardo Cunha (PMDB-RJ). 

O tal Estatuto da Família é mais um capítulo da cruzada contra os direitos individuais que viceja em um Congresso pautado, cada vez mais, por deputados religiosos (e oportunistas). O texto, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, considera família a união única e exclusiva entre um homem e uma mulher. Famílias homoafetivas ou poliafetivas (caso da de Jesus, diga-se) estariam, em tese, fora da lei.

A comparação com a virgem de Nazaré, o carpinteiro, a pomba divina e o menino Deus pode até soar desrespeitosa. Mas se trata justamente de debater o desrespeito, neste caso do atual Congresso com parte considerável da sociedade brasileira que vive em núcleos familiares dos mais diversos – casais gays, de lésbicas, de pessoas transexuais, polifamilias, etc. 

 

A escalada conservadora tem outros capítulos perversos. Voltou a debate o Projeto de Lei 5069/2013, do próprio Cunha, outra marcha a ré nos direitos humanos e individuais das mulheres. O texto diz que a vítima de estupro só poderá receber atendimento na rede de saúde se antes tiver passado pela polícia e se submetido a um exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal.

Para piorar a história, o texto ainda quer proibir a distribuição da pílula do dia seguinte em casos de violência sexual. Ou seja, querem forçar as mulheres estupradas a levar adiante uma gravidez fruto de um crime (lembrando que esta mesma mãe e filho ainda não poderão ser chamados de “família”, na concepção destes mesmos deputados conservadores).

Tudo isso se dá logo após os mesmos fundamentalistas conseguirem barrar, País afora, a inclusão nos Planos Municipais de Educação do debate sobre a questão de gênero nas escolas. Falar sobre gênero é combater o machismo que endossa a violência sexual que as mulheres vivem no seu dia a dia. É combater bullying nas escolas, que faz com que adolescentes LGBTs estejam no topo dos rankings de suicídios.

Ou seja, falar sobre gênero é falar sobre tolerância. E a pressão dos religiosos foi tão grande que até inventaram um termo, a tal “ideologia de gênero”, uma mentira que ganhou ares de verdade no debate raso dos conservadores.

Na Comissão de Constituição e Justiça, o Estatuto da Família foi aprovado com os votos do PSDB, do PV, do PSC, do PSB, do PSD, do Solidariedade, do PP, do DEM. Votaram contra apenas o PT, o PSOL, o PCdoB e o PTN.

Por ora, “transviados” de todo o Brasil não precisam se atemorizar. Caso seja aprovado no plenário da Câmara e do Senado, é praticamente certo que o caso vá parar no Supremo Tribunal Federal, que deve considerar nulo esse ponto do tal Estatuto e derrubar a legislação. É o STF mais uma vez salvando o País da pequenez dos ditos representantes do povo.

Mas é bom lembrar que está justamente aí o ovo da serpente. Há poucos anos, ninguém poderia imaginar que em pleno século 21 deputados e senadores estivessem mais ocupados em legislar sobre o corpo alheio do que sobre questões que realmente importam para o País. Mas aí vieram os deputados pastores, irrigando campanhas com dizimo que não paga imposto e querendo cada vez mais espaço. O resultado esta aí: Eduardo Cunha, um dos mais insólitos representantes do conservadorismo religioso brasileiro, na presidência do Legislativo nacional.

Não se enganem… Depois de conquistarem a mídia, pautarem o Congresso, os fundamentalistas religiosos, logo mais, darão o próximo passo – fazer lobby para a indicação do primeiro ministro evangélico do STF. Tempos obscuros.

 

Redação

9 Comentários

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  1. Eles querem a PR

    Com a Presidência da República nas mãos, vão indicar os ministros do STF, STJ, o PGR, mais o Legislativo nas mãos e um governo talibânico. A não ser que sejam enfrentados de frente. Tem de deixar o MP e a PF investigar as maracutaias destes pastores-gângsteres.

  2. Não há contradição…

    Não vejo onde está a contradição na atitude dos evangélicos, pois eles sempre falam de Cristo, mas “operam” claramente como se ele não tivesse nada a ver com seus conceitos e “negócios”…

    Tem muita gente concordando com essa visão limitada, porque ainda não sabe que a “cruzada” do obscurantismo e do atraso não vai parar aí… Muitos preconceituosos de gênero estão ajudando a dar poder a esses vagabundos nesse assunto, mas ainda vão se arrepender muito desse apoio… Aguardem!

    Um abraço.

  3. Vejo nesse protagonismo

    Vejo nesse protagonismo legislativo de evangélicos um perigo semelhante ao das raízes religiosas do cristianismo positivo na germinação do nazismo alemão. Devemos combater decididamente qualquer imposição que se choque com a clara visão laica do Estado.

  4. Mais uma lei de merda que só

    Mais uma lei de merda que só terá uma utilidade: limpar a bunda daqueles que vão ignorá-la ou pedir sua declaração de inconstitucionalidade no Judiciário. 

  5. Não há saída: congresso

    Não há saída: congresso pequeno e STF minúsculo. Este só avança quando a mídia e os evangélicos boa etào atentos. É UM MEDO BEIRANDO O PAVOR.

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