Guedes e PEC da Previdência: discurso frágil, críticas e confusão, por Cristiane Sampaio

O ministro da Economia, Paulo Guedes, foi duramente criticado, nesta quarta-feira (3), durante sabatina promovida pela CCJ da Câmara

Foto: Lula Marques
Do Brasil de Fato
Por Cristiane Sampaio

Em uma sessão marcada por divergências e intensa troca de farpas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi duramente criticado, nesta quarta-feira (3), durante sabatina promovida pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados para tratar da proposta de reforma da Previdência do governo Bolsonaro (PSL).

Parlamentares se queixaram que o ministro não respondeu de forma técnica aos questionamentos feitos ao longo da audiência, que durou mais de seis horas e terminou após bate-boca com deputados.

“É muito frustrante a vinda dele aqui para a Câmara dos Deputados. Ele está fugindo de perguntas concretas exatamente porque elas não têm respostas boas para o governo, e por isso nem o presidente da República, que a enviou para a Câmara, tem coragem de defendê-la”, criticou o  líder da oposição na Casa, Alessandro Molon (PSB-RJ).

Guedes foi perguntado respeito de diferentes pontos da reforma, como, por exemplo, a rigidez das normas propostas para trabalhadores de renda mais baixa e para professores; os custos sociais da medida; a desconstitucionalização das regras do sistema previdenciário; a não proposição do sistema de capitalização para a categoria dos militares; e os cálculos atuariais que teriam embasado a formulação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6/2019, nome sob o qual tramita a reforma na Câmara.

O ministro concentrou o discurso na argumentação de que “a dimensão fiscal do problema” seria de caráter “incontornável”. Ao dizer que os gastos públicos com o setor estariam na faixa dos 45% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, Guedes criticou o volume de recursos canalizados para o custeio do funcionalismo.  Em seguida, comparou os gastos previdenciários com os recursos canalizados para a área de educação.

“O problema é tão dramático que, no ano passado, nós gastamos R$ 700 bilhões de reais com a Previdência, que é o passado, e gastamos R$ 70 milhões de reais com a educação, que é o nosso futuro. Então, nós gastamos dez vezes mais com a Previdência do que com a educação, que é o futuro. Mais importante ainda do que isso, antes de a população brasileira envelhecer, temos em torno de 9% a 10% de idosos. A Previdência, no formato atual, já está condenada”, disse.

Logo no início da audiência, a deputada oposicionista Maria do Rosário (PT-RS) se queixou do rito da sabatina, proposto pelo presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), que distribuiu o tempo das falas entre os deputados inscritos e o ministro sem prever o direito de tréplica – contestação que se dá após uma réplica. Francischini alegou que não seria possível incluir a tréplica por falta de tempo, porque havia mais 100 parlamentares inscritos para fazer perguntas a Guedes.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Rosário criticou a decisão e a qualificou como uma “submissão” do Poder Legislativo ao Executivo.

“O regimento determina que a fala do convidado – no caso, o ministro – responde as questões colocadas pelos parlamentares, mas, havendo discordância dos parlamentares, há um direito regimental de réplica e de tréplica. O governo não quer debate, e aqueles que são favoráveis também não querem”, criticou.

Reação

A Bolsa de Valores, que operava em alta até o começo da tarde, sofreu oscilações nas horas seguintes e fechou o dia com queda de quase 0,94%, após as discussões entre o ministro e parlamentares.

O líder da bancada do PSOL na Casa, Ivan Valente (SP), associou o nervosismo do mercado à carência de argumentos técnicos por parte de Guedes.

“Isso significa que ele não foi bem, para o mercado financeiro. Como essa é uma proposta do mercado, para privatizar a Previdência, [isso] mostra que o ministro estava bastante desestabilizado, e ele não tem os números reais”, completou.

A sessão foi marcada por tumultos e bate-bocas. O maior deles ocorreu depois que o deputado Zeca Dirceu (PT-PR) afirmou que o ministro é “tigrão” com os trabalhadores e “tchutchuca” com os mais privilegiados, sugerindo que Guedes favorece banqueiros e rentistas.

Articulação política

Deputados do campo oposicionista avaliaram que a postura de Guedes na sabatina deve respingar diretamente na articulação política dos aliados do governo em torno da PEC.

“Na minha opinião, a presença do ministro aqui retira votos de apoio à Previdência porque ela não dá conteúdo para que os parlamentares que defendem o governo sustentem a proposta. Portanto, a base do governo certamente sai daqui hoje menor do que entrou”, analisou Alessandro Molon.

A líder da minoria, Jandira Feghali (PCdoB-RJ), acrescentou que, diante das dificuldades do governo em dar munição para os aliados defenderem a reforma, os partidos de oposição podem contar com um terreno mais fértil para atrair votos contrários à medida. Para ser aprovada, ela precisa de 308 votos favoráveis em dois turnos de votação no plenário da Casa.

“Na medida em que ele [Guedes] não responde [as perguntas], as dúvidas permanecem. Então, nosso trabalho aqui dentro vai ser de continuar demonstrando aos deputados os prejuízos que a reforma vai trazer”, finalizou.

Tramitação

A proposta de reforma da Previdência está sob análise na CCJ para uma avaliação de admissibilidade. Nesta fase, os parlamentares averiguam apenas se a medida tem conformidade com os preceitos constitucionais.

Caso seja aprovada, a medida será avaliada por uma comissão temática especial a ser posteriormente criada. Se for rejeitada pela maioria dos 66 membros da CCJ, deverá ser engavetada.

 

Redação

4 Comentários

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  1. Desabafo de um FP

    Tem vez que o culpado de tudo é o salário mínimo e outras vezes a bola da vez é o funcionário público (FP – a sigla vai bem, volta e meia somos os filhos da p.. preferidos da imprensa e da sociedade). Em primeiro lugar é importante frisar que o FP contribui sobre todo o seu salário e não apenas sobre 5 salários mínimos, ou contribuía, como veremos abaixo. Ora, se contribui sobre todo o salário, é justo que aposente integralmente. Se você ganha 20 SM e contribui somente sobre 5, é mais que justo que se aposente com apenas 5 SM. Quanto ao fator previdenciário, se ele é ruim como se diz, deveriam lutar para acabar com ele, e não estender para os demais o que considera ruim. O mais inteligente é lutar pelo que é bom e não pelo que é ruim. A situação do FP não é boa como dizem. Apenas repetem o que ouvem ou são muito mal informados. Vejamos: na emenda de 2003 ou de 2005 (PECs), os FP perderam a aposentadoria integral, o que ficou dependente apenas de lei ordinária estadual ou municipal para que isso ocorresse, pois ficou determinado na PEC que estes entes públicos criassem a previdência complementar. No caso do Estado de São Paulo (sou paulista), ela foi implementada em 2013, ou seja, todos os funcionários que entraram a partir desta data aposentam com no máximo 5 SM e, frise-se, contribuem somente sobre esse valor. Se ganham acima desse valor, poderão, se quiser, aderir à previdência complementar. Ainda, a idade mínima para aposentar desses FP é 60 anos para homem e 55 para mulher, isso contando da data das PEC e não de 2013, coisa que não existe ainda hoje na previdência dos empregados da área privada. Na área privada não tem idade mínima para se aposentar. Eu pergunto: onde está o privilégio dos FP? Agora vamos falar dos funcionários públicos que entraram antes de 2003, que é o meu caso. Quem entrou antes desta data e somente antes desta data, tem direito a aposentadoria integral, mas lembrando que contribui sobre todo o salário, e tempo de contribuição mínimo: 35 para homens e 30 para mulheres. Não tinha idade mínima até as PEC citadas. Passaram a ter que pagar pedágio com essas PEC, inclusive com a de 1998, o que acabou, de modo indireto colocando idade mínima para aposentadoria. Vejamos exatamente o meu caso:
    Nasci em 14/02/1968 e comecei a trabalhar aos 10 anos de idade, naturalmente sem registro em carteira. Hoje conto com 51 anos, com aproximadamente 39 anos de trabalho (fiquei alguns períodos desempregado) e 34 anos de contribuição, 29 como funcionário público. Antes das PEC citadas, eu poderia aposentar com 35 anos de contribuição, o que iria ocorrer no ano que vem. Com as PEC e seus pedágios, atualmente, eu poderei (ou poderia) aposentar com 56 anos, ou seja, daqui a 5 anos. Isso vai dar, no meu caso, 39 anos de contribuição ou 44 de trabalho. Eu pergunto novamente: onde está o meu privilégio?
    Agora vamos ver como eu fico com a atual reforma da previdência. Eu poderei aposentar com 62 anos de idade, sem ter direito a aposentadoria integral. Se eu quiser ter a aposentadoria integral, terei que trabalhar até os 65 anos de idade, o que vai dar nada mais nada menos que 48 anos de contribuição, enquanto, ironicamente, nessa mesma reforma o tempo mínimo de contribuição será 40 anos.
    Isso é justo?
    Essa reforma, se é que beneficia alguém, beneficiaria somente os filhos dos ricos, que saem da faculdade perto dos 25 anos de idade, quando começarão a trabalhar. Some 40 anos de contribuição a essa idade e bingo: temos os 65 anos de idade.
    E quem, como eu, começou a trabalhar cedo, vai contribuir com muito mais de 40 anos.
    Mas a única verdade é que o objetivo dessa atual reforma é acabar com a previdência, o que todo mundo bem informado sabe. Somente pessoas ingênuas ou sem conhecimento ou de má-fé defendem essa reforma. Qual é o seu caso?

    P.S. Nassif, pretendo colocar este comentário em tudo que se tratar de previdência. Se os funcionários públicos não fizerem estes esclarecimentos, quem os fará? Por isso, por favor, não se irrite e não bloqueie, não é spam, é apenas um desabafo mesmo de quem já está irritado com tudo o que está acontecendo.

    1. Concordo que não se deve responsabilizar o FP por tudo, mas tem uma informação imprecisa no seu comentário.
      O trabalhador do regime geral tem limite de contribuição de 11% sobre +-5 salários mínimos. Porém o empregador contribui com 20% sobre o salário sem limite. Isto é parte do regime de repartição. É evidente que esta “contribuição” do patrão deve ser considerada um desconto do empregado. No mundo privado, o que importa é o custo do trabalhador. Se o patrão não pagasse para o INSS pagaria para o empregado um salário maior.

      1. No caso de São Paulo, o governo também passou a contribuir. Agora é muito difícil acreditar que o patrão vai aumentar o salário do funcionário se não tivesse que pagar INSS. Como você mesmo disse, é uma questão de custo. Ele vai aumentar o lucro dele.

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