Congresso

Nova Lei da Improbidade: uma luz contra o “apagão de canetas” na administração pública?

Jornal GGN – A Câmara dos Deputados aprovou na última quarta-feira (16) o projeto de lei 10.887/18, que revisa a Lei de Improbidade Administrativa (LIA) que estava em vigor desde 1992.

Se aprovada pelo Senado, o PL permitirá que os agentes públicos sejam condenados por improbidade apenas se comprovado que eles agiram com dolo, ou seja, a intenção de lesar a administração pública.

Relator da proposta, o deputado federal Carlos Zarattini disse que esta principal mudança, a respeito do dolo, visa permitir que os gestores públicos tenham o mínimo de segurança jurídica para exercer suas atribuições sem medo dos excessos permitidos pela lei.

A nova LIA seria, portanto, uma luz capaz de sustar o chamado “apagão de canetas” – uma expressão cunhada para ilustrar a inércia de prefeitos, governadores e seus subordinados na gestão pública, que preferem não tomar nenhuma medida para sanar os problemas da população a ter de responder na Justiça por suas decisões depois.

“Queremos restringir essa lei para dar mais funcionalidade à administração pública, mais garantias àqueles que propõem políticas públicas e que são eleitos com base nas suas propostas, e que muitas vezes não podem colocá-las em ação”, disse Zarattini. “Vamos separar o joio do trigo. Somente será punido por improbidade quem agir para lesar efetivamente o Estado”, acrescentou Arthur Lira. “(…) quando um gestor público, na sua gestão, enfrenta, por exemplo, um erro administrativo, isso não pode ser tratado como um crime de corrupção”, pontuou Henrique Fontana.

O PL é discutido amplamente com setores do Judiciário, Ministério Público e Congresso desde 2018, em um debate coordenado pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça,  Mauro Campbell.
Parte da grande mídia ofuscou os avanços embutidos na nova lei sob o mantra de que o combate à corrupção agora ficou “mais difícil”. Alguns jornais frisaram que Lira, o presidente da Câmara que responde a ações por improbidade administrativa, seria um dos beneficiados diretos pela nova LIA, e por isso ela foi aprovada a “toque de caixa” – embora seja fruto de dezenas de audiências públicas com mais de 60 autoridades no assunto.

O procurador lavajatista Deltan Dallagnol, coordenador da extinta força-tarefa de Curitiba, chamou a nova LIA de retrocesso “gravíssimo”. Especialmente por estabelecer prazo de investigação para o Ministério Público (1 ano), algo que ele considera “inexequível”. Ele criticou também o novo prazo para prescrição das ações (8 anos); a exigência de dolo, a retirada dos partidos políticos do alcance da LIA, o trânsito em julgado para a aplicação de penalidades, entre outros pontos. “A capacidade de combater a corrupção no Brasil está sendo liquefeita”, esbravejou Dallagnol.

Mas o que diz o PL aprovado pela Câmara? Abaixo, um breve resumo. Mas antes, a definição de improbidade administrativa: são atos que “atentam contra o Erário, resultam em enriquecimento ilícito ou atentam contra os princípios da administração pública”. Ato “com caráter civil, ou seja, não se trata de punição criminal”.

DOLO. Pelo texto aprovado, o servidor precisa ter vontade e consciência de que incorreu em ato ilícito e prejudicou o patrimônio público. Não basta apenas ter dado uma canetada no exercício de sua função. Sem prova de dolo para o fim ilícito, não há responsabilidade do autor.

TERCEIROS. Aquele que tenha influência na prática ilícita, seja induzindo ou concorrendo dolosamente para sua ocorrência, também estará ao alcance da LIA. Não serão punidos aqueles que não tenham participado minimamente do objeto da ação.

ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO: Único titular da ação, o Ministério Público ficará autorizado a fechar acordos de não-persecução. Isso significa deixar de representar na Justiça com os autores, desde que o ente federado concorde, e que os autores assumam alguns compromissos, como ressarcir o dano causado integralmente. A situação será analisada caso a caso.

NEPOTISMO. Um dos pontos mais criticados no PL prevê que familiares até terceiro grau podem assumir cargos na administração pública sem que isso seja considerado improbidade, desde que tenham prestado concurso público e comprovado qualificação para o cargo. O relator anexou ao texto o entendimento pacificado pela Suprema Corte sobre a questão.

DIREITOS POLÍTICOS. Em caso de condenação, o autor de um ato de improbidade administrativa terá de ficar 14 anos afastados de cargos públicos. Hoje são 10 anos. Empresas enquadradas na LIA também não poderão prestar serviços ao poder público por 14 anos. Hoje são 5 anos. A multa para enriquecimento ilícito ou danos ao erário equivale ao valor desviado, ou o seu dobro, no limite.

TRÂNSITO EM JULGADO. As punições só serão executadas após o trânsito em julgado da condenação, ou seja, quando não mais couberem recursos judiciais.

BLOQUEIO DE BENS. Os bens bloqueados liminarmente não poderão ter liquidez, como as contas bancárias, isto para viabilizar a sobrevivência dos investigados durante o curso da ação. Devem ser priorizados os bloqueios em carros e imóveis, por exemplo.

ABSOLVIÇÃO CRIMINAL. A ação por improbidade é proibida ou será arquivada se os mesmos fatos tiverem sido discutidos na esfera criminal e o autor, absolvido.

PRESCRIÇÃO. O novo prazo de prescrição é de 8 anos a contar a partir do fato ou do dia em que cessou a prática ilegal, no caso de crime permanente.

PARTIDOS. Os partidos políticos e suas fundações serão responsabilizados por atos que causem prejuízo ao erário com base na Lei dos Partidos, e não pela LIA.

SIGILO. Revelar revelar fatos ou circunstâncias sigilosas só será punível pela LIA se a informação prover benefícios ou colocar em risco a segurança da sociedade e do Estado.

Confira o relatório da nova LIA aqui.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2028078&filename=Tramitacao-PL+10887/2018

UM BREVE HISTÓRICO DA LEI DE IMPROBIDADE

– A Constituição de 1988 previu em seu artigo 37, inciso quarto, que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

– Em 1992, foi aprovada a Lei de Improbidade Administrativa (8.429/92) para regulamentar o dispositivo constitucional.

– Mais de 26 anos depois, em novembro de 2018, começou a tramitar na Câmara dos Deputados a proposta 10.887/18 para atualizar a Lei de Improbidade de 1992.

– Um grupo de juristas foi criado para debater o PL, ainda na gestão do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia. O coordenador do grupo é o ministro do STJ, Mauro Campbell.

– Para Campbell, o objetivo da nova LIA era “trazer mecanismos de contenção a abusos, incluindo a análise dos casos por órgãos de controle interno antes de serem levados à Justiça.”

– Para isso, seria necessário trabalhar em três frentes: apresentar novidades que corrijam os pontos sensíveis da LIA, compatibilizar nela as leis posteriores (novo CPC, Lei Anticorrupção, etc) e incorporar a jurisprudência consolidada em tribunais superiores sobre interpretações da LIA.

– 14 audiências públicas, três seminários e mais de 60 autoridades foram ouvidas no começo das discussões. Além de deputados e lideranças partidárias, juristas, acadêmicos, advogados, juízes, membros do Ministério Público e do próprio Poder Executivo deram sugestões antes e depois do relatório apresentado em 2020.

– O PL 10.887, de relatoria do deputado federal Carlos Zarattini (PT), foi aprovado com folga na Câmara em 16 de junho de 2021 e segue para o Senado.

Com informações da Agência Câmara

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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  • ESTE FDP DESSE dellagnol DEVERIA SER O PRIMEIRO A SER PRESO POR CORRUPÇÃO.
    E AINDA PERMITEM QUE O VAGABUNDO TRAIDOR DA PÁTRIA FIQUE DANDO PITACOS E RECEBENDO SALÁRIOS MARAJÂNICOS A CUSTA DO POVO BRASILEIRO.

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