PL do escola sem partido contraria a Constituição

Jornal GGN – Propostas de leis que impedem os professores de veicular conteúdo que possa entrar em conflito com “convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”, apelidado de ‘escola sem partido’ tem gerado polêmica e recebido críticas de professores e também de constitucionalistas.

Para o jurista Lenio Streck, a lei tenta controlar os professores através da “criminalização do pensamento”. “Quem quer fazer escola desse modo deve ir para o canto da sala e ficar de castigo e depois ir para a lousa e escrever cem vezes: a escola deve ser pluralista”, afirma. Pedro Serrano, professor da PUC-SP, diz que os projetos de lei utilizam termos vagos como “preferência política”,  o que pode levar à “interdição do próprio conhecimento”.

“Não se pode falar de racionalidade sem ampla liberdade de formulação dos pressupostos do pensamento. Em essência, a proposta obriga a adoção de uma linhagem de pensamento político-religioso”, diz Serrano. Marcus Vinícius Furtado Coêlho, presidente da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB, diz que a proposta é inconstitucional, além de  ser “desumano exigir que o professor seja um autômato dentro da sala de aula.”

Segundo o site do Escolas Sem Partido, projetos de lei já foram apresentados em seis estados e no Distrito Federal. Dois PLs que seguem a mesma linha caminham na Câmara dos Deputados, além do  PL 1.411/2015, que tipifica o crime de “assédio ideológico”.

Do Conjur

Proibir professor de abordar temas em sala de aula contraria Constituição
 
Por Marcos Vasconcellos

Um projeto de lei que proíbe professores de veicular conteúdo ou promover atividades “que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes” tem chamado a atenção. Apelidado de “escola sem partido”, o Projeto de Lei 867/2015 ganhou similares em estados e municípios. E críticas entre constitucionalistas.

O problema apontado é que o artigo 5º da Constituição Federal garante a liberdade de expressão, enquanto o artigo 206 garante a liberdade de ensino. Assim, vedar, previamente, que professores falem sobre algo que “possa estar em conflito” com a convicção alheia contraria a Constituição.

Um dos sites em apoio ao projeto (programaescolasempartido.org) responde a tal crítica dizendo que não se trata de censura, pois o professor não desfruta de liberdade de expressão em sala de aula. O texto afirma que a Constituição “não garante aos professores a liberdade de expressão, mas, sim, a liberdade de ensinar, também conhecida como liberdade de cátedra”, fazendo referência ao artigo 206 da Carta Magna.

O site diz ainda que se o professor tivesse liberdade de expressão “sequer poderia ser obrigado (como é) a transmitir aos alunos o conteúdo da sua disciplina, pois quem exerce liberdade de expressão fala sobre qualquer assunto do jeito que bem entende”.

Para quem estuda o Direito Constitucional, no entanto, a interpretação está equivocada, pois o artigo 206 não substitui o artigo 5º, mas se soma a ele. Ou seja, por ter liberdade de ensino garantida, o professor não perde o direito à liberdade de expressão, que não pode ser suprimido de nenhum brasileiro.

Criminalização do pensamento
“Isso é tentar controlar os professores por intermédio da criminalização do pensamento”, afirma o jurista Lenio Streck, que coordenou o livroComentários à Constituição do Brasil. Na mesma obra, o constitucionalista Daniel Sarmento explica que a censura, em sua concepção mais tradicional, envolve o controle preventivo das mensagens cuja comunicação se pretende fazer. “Trata-se do mais grave atentado à liberdade de expressão que se pode conceber”, afirma Samento.

Streck se diz completamente contrário ao projeto: “Quem quer fazer escola desse modo deve ir para o canto da sala e ficar de castigo e depois ir para a lousa e escrever cem vezes: a escola deve ser pluralista. E nisso está incluído o ‘risco’ de ter um professor de esquerda… Ou de direita”.

O professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pedro Estevam Serranoaponta que, ao usar termos vagos como “preferência política”, o projeto pode levar à interdição do próprio conhecimento. “Não se pode falar de racionalidade sem ampla liberdade de formulação dos pressupostos do pensamento. Em essência, a proposta obriga a adoção de uma linhagem de pensamento político-religioso”, afirma Serrano.

Ele exemplifica: “Falar de marxismo em sala de aula, por exemplo, pode ser tido como preferência política, mas como falar do mundo contemporâneo e suas formações políticas e culturais sem falar de marxismo?”.

Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e ex-presidente do Conselho Federal da entidade, Marcus Vinícius Furtado Coêlho aponta que tão problemático quanto um professor impor sua opinião a alunos é ele ser obrigado a não ter uma opinião. “Assim, além de inconstitucional, é desumano exigir que o professor seja um autômato dentro da sala de aula.”

Furtado Coêlho diz que a solução precisa ser o equilíbrio: “Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Assegurar a liberdade de opinião do professor desde que tal seja exercida sem impor ao aluno determinada ideologia. Cautela, ponderação e razoabilidade não fazem mal a ninguém”.

Enxurrada de projetos
Atualmente, o siteescolasempartido.org contabiliza que projetos de lei com base no anteprojeto disponível no site já foram apresentados em seis estados (Rio de Janeiro, Goiás, São Paulo, Espírito Santo, Ceará e Rio Grande do Sul) e no Distrito Federal. Além disso, aponta que já há propostas semelhantes tramitando em oito câmaras municipais.

Na Câmara de Santa Cruz do Monte Castelo (PR), a proposta já foi aprovada. Em Alagoas, desde o dia 9 de maio, os professores das escolas estaduais são obrigados a manter a “neutralidade” em sala de aula, em questões políticas, ideológicas e religiosas.

O movimento ganhou destaque depois que o ministro da Educação, Mendonça Filho, em um de seus primeiros atos após tomar posse, recebeu o ator Alexandre Frota e um dos líderes do movimento pelo impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff para discutir o projeto “escola sem partido”.

Na Câmara dos Deputados, caminham o PL 867/2015 e o PL 7.180/2014, que seguem a linha do “escola sem partido”, e o PL 1.411/2015, que tipifica o crime de “assédio ideológico”. Este prevê detenção de 3 meses a 1 ano para quem expuser aluno a assédio ideológico, “condicionando o aluno a adotar determinado posicionamento político, partidário, ideológico ou constranger o aluno por adotar posicionamento diverso do seu, independente de quem seja o agente”.

Para justificar os projetos de lei, seus autores afirmam que professores e autores de livros didáticos usam aulas e obras para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas.

 

Redação

4 Comentários

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  1. Há uma compulsão na

    Há uma compulsão na extrema-direita por prisão, morte, tortura, censura e agora ficaram fanáticos pela deusa Ignorância.

    Como um professor de história vai falar de ditaduras, seja de que lado for, de Hitler, de Massacre de Canudos, de Escravidão e ficar estático, sem se posicionar a respeito? Se os partidos políticos de vocês nunca ligaram a mínima para as injustiças, brutalidades e preconceitos registrados ao longo dos tempos, pior pra vocês. Teve sempre um outro lado que se indignou a respeito.

    Já perguntaram aos seus filhos se eles realmente não querem saber a respeito? Já falaram pra eles que não se pode tergiversar com coisas tipo Democracia? Graças aos que foram à luta contra os abusos, o futuro não pertence mais aos tiranos do passado e sim aos jovens que agora estão em sala de aula.

    Como vocês querem que seus filhos cresçam aprendendo meias verdades sobre a história ou ignorando as verdades científicas já provadas, como a Evolução?

    Não adianta manipular – a Verdade, a Justiça e a História vão alcançar vocês a qualquer momento. Os fatos hão de prevalecer.

    Procurem algum socorro urgente e parem de bagunçar a cabeça dos jovens e das pessoas que só querem o bem do próximo.

     

  2. Ótima discussão

    Mas o post anterior a este é, em meu entender, muito mais fundamental. Aliás, ulma breve olhada em relatórios do MEC veremos a quantas anda a carência astronômica de professores. Os resultados do PISA apontam um desempenho sofrível do Brasil em Ciências, Matemática e Linguagem (Sétimo colocado na ordem inversa).

    E uma discussão acalorada se o professor pode ou não se manifestar politica ou religiosamente. Tamos indo bem.

  3. Descubri o inspirador da escola sem partido

    Thiers, politico frances do sec, XIX, ele escreveu:

    Há, se fosse como autrora, se a escola continuasse ainda mantida pelo cura ou pelo sacristão…Peço formalmente coisa diferente desses professores leigos, muito dos quais são detestaveis, quero frades… Quero de novo tornar poderosa influencia do clero(…) porque conto muito com ele para propagar a boa filosofia, que ensina ao homem que ele está aqui para sofrer, e não essa outra filosofia que, em oposição, diz: goza porque estás aqui para realizar a tua felicidade…

    (in Principios fundamentais de filosifia, inspirado nas aulas de Politzer transcritas por seus alunos Besse e Cavreing)

     – editora hemus

    1. Thiers é o mesmo cara que

      Thiers é o mesmo cara que comandou o massacre a Comuna de Paris e aos operários no muro dos federados no cemitério do père Lachaise.

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