Coronavírus

A vacinação dos professores na pandemia: dois pesos e duas medidas, por Natalia Fingermann e Daniel Rei Coronato

A vacinação dos professores na pandemia: dois pesos e duas medidas

por Natalia Fingermann e Daniel Rei Coronato

O governador de São Paulo, João Dória, tem se apresentado como um contraponto ao presidente Jair Bolsonaro, principalmente, no que diz respeito a valorização da vida e da ciência. Apesar de suas contradições como político e gestor, o resultado do trabalho de Dória é inegável, uma vez que a sua ação junto ao Butantã antecipou a vacinação da população brasileira com o desenvolvimento da Coronavac, em parceria com a empresa chinesa Sinovac. Ademais, as iniciativas do governador devem ajudar o país a conquistar a autonomia completa com o potencial sucesso das pesquisas da Butanvac. 

A despeito desse notável trabalho, as decisões do governo estadual quanto à fila de prioridades na vacinação têm provocado questionamentos e dúvidas, em especial, a escolha de não incluir os professores universitários no grupo de prioritários da vacina da Covid-19. Ao aplicar uma política de dois pesos e duas medidas, o governador estabelece uma desigualdade entre a categoria profissional, negligenciando um grupo inteiro, com impactos negativos relevantes ao processo de aprendizagem da juventude brasileira. Pois, sem acesso aos laboratórios e as práticas profissionais, muitos estudantes devem ingressar no mercado de trabalho sem os conhecimentos técnicos necessários para desenvolver sua atividade profissional de maneira eficiente. Os reflexos disso no longo prazo são incomensuráveis. Pense em engenheiros ou arquitetos que não tiveram acesso as suas práticas laboratoriais, ou até mesmo administradores, economistas  ou sociólogos que não foram devidamente avaliados devido às limitações do ensino remoto.

Além disso, o adiamento  da vacinação dos docentes gera apreensão, vinculados principalmente a faculdades privadas. Com as pressões institucionais geradas pela queda nos ingressantes e aumento da evasão, os professores enfrentam a possibilidade de retornar à sala de aula sem terem sidos contemplados. Essa situação é ainda pior com o crescente aumento no desemprego e a pressão econômica causada pela pandemia.

É fundamental relembrar que essa categoria profissional é responsável em grande parte pelos esforços para o desenvolvimento da pesquisa no país. Para muitos dessas professoras, professores, pesquisadores e equipes técnicas, a sensação é de desvalorização e negligência. Com exceção daqueles que atuam na área da saúde, e já tiveram suas doses garantidas, a decisão do Estado de São Paulo  coloca em risco o futuro da pesquisa no país ao mandar um sinal que contradiz o seu próprio discurso em defesa da vida e da ciência. 

Deve-se ressaltar que esses profissionais que têm faixa etária abaixo dos 50 anos e, normalmente, receberam diversos incentivos do Estado, com o financiamento de suas pesquisas de mestrados e doutorados por instituições, tais como o CNPq, CAPES e FAPESP, correm risco de vida, ao mesmo tempo que se sentem totalmente desestimulados em permanecer aqui. Parte importante da  fuga de cérebros atual pode ser explicada exatamente por movimentos dessa natureza, uma vez que desestimulam esses profissionais a desenvolver suas atividades no Brasil ou mesmo manter a atuação na área de ensino, pesquisa e extensão.

Não se trata aqui de menosprezar os desafios que envolvem a construção da fila de vacinação, sempre motivo de disputas entre diversos grupos sociais e profissionais que buscam defender a importância de suas atividades e condições, e, portanto, sua prioridade.

Todavia, se a ciência e a vida são de fatos as pautas do governador, é preciso que os professores universitários sejam incluídos no processo de vacinação da Covid19, garantindo igualdade de condições com outros profissionais da educação, e promovendo assim a continuidade de relevantes pesquisas em São Paulo e no Brasil.  

Natalia FingermannDoutora em Administração Pública e Governo pela FGV-SP, Mestre em Social Development pela University of Sussex e professora e pesquisadora do Bacharelado em Relações Internacionais na Universidade Católica de Santos)

Daniel Rei CoronatoDoutor em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP) e coordenador do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional (Universidade Católica de Santos)

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN  

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