Covid-19 – Nós batemos no teto?, por Felipe A. P. L. Costa

Covid-19 – Nós batemos no teto?

por Felipe A. P. L. Costa [*]

Propósito. Este artigo estende e atualiza as conclusões apresentadas em artigo publicado em 2 de abril – ver ‘Covid-19: Evidências iniciais de que a pandemia está arrefecendo’ (aqui). Resumo. Para avaliar a disseminação em curso da COVID-19 em escala global, eu calculei uma taxa de crescimento diário no número de indivíduos infectados com o SARS-CoV-2 ao longo do mês de março. De acordo com os resultados, a curva que a pandemia está a descrever (em escala global) teria alcançado o seu ponto de inflexão por volta do dia 26, quando a taxa de crescimento alcançou o seu valor máximo e iniciou uma trajetória declinante. Sou de opinião que a queda na taxa de crescimento é uma indicação de que a luta contra a pandemia (e.g., adotando o distanciamento social) pode ser bem-sucedida. Implicações políticas e ideológicas. Embora alguns personagens da vida pública brasileira vivam a semear o medo e a desinformação, não estamos em nenhuma situação caótica ou incontrolável.

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Em 31/12/2019, a Organização Mundial de Saúde (Escritório de Representação na China) foi informada de casos de pneumonia de etiologia desconhecida detectados em Wuhan, a capital da província de Hubei e uma das ‘cidades centrais nacionais’, com mais de 11 milhões de habitantes. Entre 31/12 e 3/1/2020, foi registrado um total de 44 pacientes com pneumonia de etiologia desconhecida. Nesse período, o agente causal permaneceu ignorado. Em 7 de janeiro, as autoridades chinesas anunciaram que um novo tipo de coronavírus havia sido isolado.

O coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) rapidamente se espalhou por todas as províncias chinesas antes de ser exportado. Em 12 de fevereiro, havia 45.171 casos confirmados, 441 deles fora da China (24 países) e, em 1 de março, 87.137 casos, 7.169 deles fora da China (58 países, em todos os continentes exceto a Antártida). Em 11 de março, a crescente epidemia da doença do coronavírus 2019 (COVID-19), anteriormente classificada pela OMS como uma emergência de saúde pública de interesse internacional, foi caracterizada como uma pandemia.

Estou acompanhando as estatísticas mundiais da COVID-19 por meio de dois painéis, um da Universidade Johns Hopkins e o outro do sítio eletrônico Worldometer [1]. Embora os resultados reportados aqui sejam baseados nos totais diários obtidos no último, as conclusões da minha análise seriam essencialmente as mesmas, caso eu tivesse usado os dados do primeiro.

A taxa de crescimento parou de crescer.

Para avaliar a disseminação em curso da COVID-19 em escala global, eu calculei uma taxa de crescimento diário no número de indivíduos infectados com o SARS-CoV-2 ao longo do mês de março. Esta taxa (β) foi definida como β = ln [Y(t + 1) / Y(t)], onde Y(t + 1) é o número de indivíduos infectados no dia (t + 1), Y(t) é o número de infectados no dia anterior, e ln indica logaritmo natural.

Quando os valores de β assim obtidos são colocados em um gráfico (ver a figura que acompanha este artigo), três agregados de pontos se tornam evidentes: (i) Entre 1 e 10 de março, intervalo durante o qual a taxa de crescimento variou entre β = 0,0208 (2) e β = 0,0392 (10); (ii) Entre 11 e 17 de março, quando a taxa de crescimento variou entre β = 0,0592 (11) e β = 0,0828 (17); e (iii) Entre 18 e 28 de março, quando a taxa de crescimento variou entre β = 0,0988 (18) e β = 0,1215 (26).

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[FIGURA. A figura que companha este artigo documenta a variação na taxa de crescimento diário (eixo vertical; β expresso em porcentagem) no número de infectados na população mundial ao longo do mês de março e dos primeiros dias de abril. Três agregados de pontos estão indicados (A-C) e um quarto parece estar em formação (D). Em alaranjado, os resultados de março (1 a 31/3); em verde, os de abril (1 a 6/4).

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De acordo com estes resultados, a curva que a pandemia está a descrever teria alcançado o seu ponto de inflexão por volta do dia 26 de março, quando a taxa de crescimento bateu no teto (i.e., β alcançou o seu valor máximo e iniciou uma trajetória declinante). De 28 de março em diante, a distribuição dos pontos passou a ocorrer em um nível notadamente inferior, sugerindo a formação de um novo agregado de pontos. As estatísticas dos primeiros dias de abril (ver a figura que acompanha este artigo) estão de acordo com tal prognóstico.

Distanciamento social.

Devemos ter em mente que as estatísticas globais a respeito da pandemia da COVID-19 devem ser vistas com alguma cautela. E há mais de uma razão para ser cauteloso. Em primeiro lugar, a pandemia em curso pode ser afetada por diferenças sazonais entre os hemisférios Norte e Sul. Há ainda o fato de que alguns países estão mais distantes (física ou culturalmente) do epicentro (móvel) da pandemia do que outros. Em terceiro lugar, há o problema de que autoridades de diferentes países (ou mesmo de diferentes regiões de um mesmo país!) nem sempre adotam o mesmo critério para calcular as mortes causadas pela COVID-19. Por fim, mas não menos importante, há o fato de que alguns governos podem deliberadamente omitir ou manipular os dados.

Apesar disso, sou de opinião que a queda na taxa de crescimento é uma indicação de que a luta contra a pandemia (e.g., adotando o distanciamento social) pode ser bem-sucedida. O distanciamento social (a rigor, trata-se de distanciamento espacial) pode ser efetivo e eu diria que a figura que acompanha este artigo pode ser uma expressão visual do impacto positivo de tal procedimento. Houve inicialmente uma forte resistência contra a adoção do distanciamento social, especialmente por parte de políticos e empresários. Com o avanço da pandemia, no entanto, diversos governos anunciaram que algum tipo de distanciamento social teria de ser adotado.

E o distanciamento está dando resultado. Na verdade, já começaram a surgir evidências de que diminuir o contato social entre os indivíduos (ou ‘tirar o plugue da tomada’) foi uma sábia decisão. Ignorar tal procedimento ou interrompê-lo cedo demais, no caso dos países que o adotaram, pode ter consequências desastrosas – e.g., nós podemos nos deparar novamente com uma escalada acelerada no número de casos e, por extensão, no número de mortes.

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Notas.

[*] Versão completa deste artigo (com ilustrações e referências) pode ser lida e capturada aqui. Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço meiterer@hotmail.com.

[1] Fonte:  ‘Mapping 2019-nCov’ (Johns Hopkins University, EUA) e ‘Worldometer: Coronavirus’ (Dadax, EUA).

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Redação

Redação

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  • Olha o que a desobediência extremada pode levar. Contando que após a festa os participantes podem ter espalhado o vírus aos seus entornos.

    No G1 - matéria da BBC
    Coronavírus: a festa que pode ter espalhado o vírus em uma família de SP e matado 3 pessoas
    Depois do evento, ao menos 14 convidados tiveram sintomas da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus; entre os casos, três irmãos, com mais de 60 anos, tiveram complicações graves e morreram pouco mais de duas semanas depois.

    https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/04/07/coronavirus-a-festa-que-pode-ter-espalhado-o-virus-em-uma-familia-de-sp-e-matado-3-pessoas.ghtml

  • Espero que seu estudo tenha encontrado uma fórmula mágica para compensar o baixo numero de testes feito por aqui.
    Segundo o Worldmetter que vc sitou o Brasil faz apenas 258 testes /M de pessoas enquanto outros países fazem milhares.
    Alimentar qualquer programa estatísticos com dados irreais resultará numa analise equivocada.

  • Sinto muito...mas o vírus aqui no Brasil...O pessoal do estado...estão enganando a população...No mínimo já te mais de 100 mil Brasileiros...infectados...mas a tropa quer esconder...

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