Os 8 sofismas sobre a Covid-19

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]

O GGN desmente, contextualiza e esclarece cada um dos sofismas sobre a pandemia defendidos por apoiadores do governo

Foto: Mateus Bonomi AGIF/AFP

Jornal GGN – O Brasil é um dos líderes na vacinação mundial, isolamento social mata mais do que o vírus, o presidente perdeu a autonomia nas medidas de enfrentamento, governo federal repassou R$ 1 trilhão aos estados… Certamente você já escutou estes argumentos por parte de apoiadores do governo para defender a polêmica atuação na maior crise sanitária mundial. O GGN desmente, contextualiza e esclarece cada um destes sofismas:

1. O Brasil é o 4º na vacinação mundial

Um das defesas governistas sobre a situação da pandemia é que o Brasil está entre os países que mais aplicaram vacinas contra a Covid-19 no mundo. A tática, neste caso, é de usar os números absolutos. Assim, por ter uma das maiores populações mundiais, o país se situaria na quarta posição, atrás somente da China, Estados Unidos e Índia.

Para ser verídico neste ranking, contudo, seria necessário considerar a proporção da popução. E a quantidade de vacinados por cada 100 habitantes faz o Brasil regredir para a 64ª posição no mundo, com cerca de 30 doses aplicadas para cada 100 pessoas, de acordo com o painel Our World in Data, da Universidade de Oxford.

2. Brasil comprou 560 milhões de doses

Logo que assumiu o Ministério da Saúde, Marcelo Queiroga anunciava em peças publicitárias que o Brasil já havia comprado mais de 560 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19, até o início deste mês.

Posteriormente, em ofício ao Congresso, soube-se que não somente a informação era falsa, tendo adquirido, na realidade, 280 milhões por contrato até abril deste ano, como também as quantias omitiam as doses necessárias para imunizar a população brasileira, conforme explicado acima, o atraso logístico na entrega das vacinas atualmente contratadas, e que o governo negou a oferta de laboratórios para imunizar, ainda em 2020, 150 milhões de pessoas com a primeira dose.

Em documento encaminhado ao Congresso, o Ministério da Saúde informou ter comprado 280 milhões de ampolas e não 560 milhões, ou seja, o dobro do que anunciava em peças publicitárias. Além da informação falsa divulgada, dados levantados pela CPI da Covid mostraram que o governo rejeitou 70 milhões de doses da Pfizer e 100 milhões da CoronaVac que seriam entregues ainda em 2020.

Da mesma forma, governistas alegam que o governo contratou mais doses do que as oferecidas inicialmente pelos laboratórios. Os depoimentos do CEO da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, e do diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, à CPI da Covid revelam que essas compras só ocorreram após ampla pressão e incisivas ofertas das instituições.

Na prática, as 170 milhões de doses negadas pelo governo federal poderiam ter salvado a vida de milhares de vítimas por Covid-19, desde dezembro do ano passado.

3. Isolamento social prejudica a economia

Essa é, talvez, a principal tese do mandatário para não aplicar medidas de distanciamento social no país, o que levou às multiplicações dos contágios a cada dia na população brasileira. Trata-se, contudo, de um falso dilema o de analisar, de forma isolada, o aumento do desemprego e índices de desocupação ocasionados pelo fechamento do comércio e serviços do país.

Isso porque diversos estudos apontam justamente na contramão, de que sem “lockdown”, os custos do Orçamento público para lidar com a pandemia, seja gastos sanitários e de saúde, como também o atraso para a retomada da normalidade no país, provocam um buraco maior do que a desocupação momentânea (Aqui, aqui e aqui).

4. STF limitou atuação do governo federal

Quando criticado pela falta de medidas sanitárias, como as restrições para a mobilidade, no enfrentamento à pandemia, governistas também comumente alegam que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de abril de 2020, de dar autonomia a estados e municípios no combate à pandemia “restringiu” e “limitou” a atuação do governo federal.

Contudo, a referida decisão, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.341, não impediu que o governo federal adotasse medidas sanitárias. Ao contrário, determinou justamente que se a União não as adotasse, é que os estados e municípios teriam liberdade de atuar para determinar restrições e outras medidas de combate à Covid-19.

5. Governo repassou R$ 1,1 trilhão aos estados

Seguindo essa mesma linha, com base nessa decisão da Suprema Corte e por meio dos repasses de montantes feitos pela União aos estados e municípios, em 2020, é que apoiadores do governo não só responsabilizam os entes federativos pelos erros, como também afirmam que o governo federal repassou R$ 1,1 trilhão para os estados enfrentarem a pandemia no ano passado.

A informação não é completamente verídica, porque inclui todas as transferências obrigatórias da União aos entes federativos. Deste R$ 1,1 trilhão, R$ 76,9 bilhões foram montantes extraordinários e, destes, somente R$ 7 bilhões foram enviados para a saúde.

O que não informam é que os valores informados incluiram a recomposição do Fundo de Participação dos Estados (FPE) – uma transferência que visa somente equilibrar a capacidade fiscal dos estados e Distrito Federal, que é feita todos os anos e representaram R$ 7,4 bilhões desse total.

Também não mencionam a suspensão de dívidas dos entes à União, que representou quase a metade do total que foi informado de transfência aos estados (R$ 32,5 bilhões) e não foi um repasse, em si, mas a decisão de não cobrar as dívidas naquele momento, ficando pendente de pagamento posterior.

Já as transferências diretas ao caixa dos governadores significou, segundo informado pelo Tesouro, R$ 37 bilhões. Nessas transferências, ainda, estavam contabilizados os pagamentos de auxílios emergenciais, gastos extras com o funcionalismo público e somente R$ 7 bilhões foram realmente encaminhados pelo governo federal para os estados gastarem com o SUS (Sistema Único de Saúde).

6. A culpa é dos governadores e prefeitos

Usando os dois argumentos acima listados é que governistas alegam a máxima de que a CPI da Covid deve investigar os governadores e prefeitos, o que os 18 estados e municípios fizeram com estes recursos públicos enviados e que eles seriam os responsáveis pelos erros no manejo da pandemia.

O objetivo é de transferir a responsabilidade para os entes federativos. A responsabilidade pela saúde pública, contudo, é uma decisão centralizada no governo federal, o que está descrito na Constituição Federal, contemplado na função fiscal da União e no controle do SUS pelo Ministério da Saúde.

Na Constituição, o Art. 196. estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

A função fiscal se dá porque a União é o maior arrecadador de imposto e, portanto, o principal financiador da saúde pública, tendo a obrigatoriedade de formular políticas nacionais, criar normas, avaliar e controlar o funcionamento do SUS, que, por sua vez, deve cumprir as políticas estipuladas pelo Ministério da Saúde.

7. Ofensas à China não bloqueiam o IFA ao Brasil

Apoiadores do governo alegam que os contratos já fechados com o Brasil asseguram que o Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) seja enviado e que o atraso da remessa se deve a outros fatores. O Instituto Butantan já responsabilizou diretamente as declarações do presidente Jair Bolsonaro e a “falta de alinhamento” da diplomacia brasileira com o país no atraso do envio da matéria-prima para a produção do imunizante.

Após a sequência de ofensas do presidente à China, o Ministério de Relações Exteriores teve que acionar o embaixador do Brasil no país para negociar com as autoridades o envio dos 6 mil listros do IFA ao Brasil, que estava paralisado. Com a articulação diplomática é que o país voltou liberar as remessas do insumo. Ainda, em depoimento à CPI da Covid, o diretor do Instituto Butantan voltou a atribuir a responsabilidade direta das ofensas no atraso e informou que a entrega do insumo não sofreu atrasos para nenhum outro país contratado.

8. Cloroquina foi pedido de estados para outras doenças

A ampla polêmica em torno do Kit Covid e do uso de medicamentos contra a malária, como a cloroquina e hidroxicloroquina, e vermífugos, como ivermectina, para o tratamento precoce contra a Covid-19 ultrapassou a etapa de defesa do medicamento para este fim e, recentemente, está sendo defendido como remédios de usos habituais do sistema público de saúde de cidades e estados, que demandam os fármacos e que a distribuição por parte do governo federal teria ocorrido por essa razão.

Em seu depoimento à CPI, o ex-ministro Eduardo Pazuello chegou a afirmar que a cloroquina era um remédio “antiviral” e “anti-inflamatório” e que havia sido recomendado para o tratamento de grávidas contra a zika. Nenhuma das informações é correta. A cloroquina é indicada contra malária e tampouco houve comprovação de eficácia contra a zika, sendo os testes realizados somente em ratos. Por fim, documentos obtidos pela CPI revelam que o Ministério da Defesa ordenou produção de cloroquina pelo laboratório do Exército a pedido do Ministério da Saúde para o tratamento da Covid-19.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Por que razão não há mais comentários aqui no Nassif…como anteriormente havia. E quando tento publicar um, ele não fica disponível para leitura…..estranho, muit estranho.

  2. Os golpistas 2.0 desde seu início vem esmerando-se dia a dia e lançar baboseiras e mais baboseiras com o único intuito de provocae celeuma e,enquanto isso,eles vão desfazendo o país sem que ninguém se dê conta.
    As discussões acima expostas são o exemplo claro disso. Não existe um só argumento dentro da razoabilidade que convença a zumbizada,logo,não é este o caminho a ser seguido.
    Ainda que de forma tardia acho que, diante da situação,talvez fosse o caso deixar o sujeito,seus milicos e suas milícias assumirem o controle total sobre a pandemia.
    Já são mais de 450 mil mortes. Já existem cálculos que indicam que poderemos chegar aos 1,4 milhão de mortos.
    Se seguirmos fielmente as orientações do sujeito,tenho certeza que em menos de dois meses ou ele ajoelha-se pedindo perdão,que não virá,ou sua saída será favas contadas e,mesmo diante de tal descalabro e sofrimento,será ainda menor do que o que nos espera a continuar tal situação.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador