Os imbroxáveis, por Aracy Balbani

Vários entusiastas do Sr. Zero-Zero, que também se vangloriavam de serem imbatíveis e desdenhavam a vacina de origem chinesa, capitularam. Não há preconceito que persista depois que familiares próximos e amigos sofreram o drama da doença.

REUTERS/Amanda Perobelli

Vários entusiastas do Sr. Zero-Zero, que também se vangloriavam de serem imbatíveis e desdenhavam a vacina de origem chinesa, capitularam. Não há preconceito que persista depois que familiares próximos e amigos sofreram o drama da doença.

REUTERS/Amanda Perobelli

Os imbroxáveis

por Aracy Balbani

O desgoverno federal está em modo “não me deixem só”. É apenas repetição do clichê ‘é possível enganar (quase) todos por algum tempo, alguns o tempo todo, mas ninguém engana todos o tempo todo’.

Excetuando fanáticos, adeptos de violência e obscenidades, lunáticos, ou os que vislumbram lucro se passarem boiadas administrativas durante a crise sanitária, a maioria já se conscientizou de que esses governantes e quem ainda lhes dá sustentação não passam de ameaças à humanidade. Os cafonas Jim Jones do século 21 e suas seitas mortíferas estão no radar de quem é civilizado.

Não é à toa que muitos brasileiros têm madrugado ou até pernoitado em frente a locais de vacinação contra COVID-19 para garantir lugar na fila. Nem todo mundo conta com um planejamento em saúde e uma organização exemplares como os dos indígenas Kuikuro para enfrentar a pandemia. Na dúvida, melhor o cidadão levar um banquinho e a garrafa térmica com café para a calçada da unidade de saúde.

Vários entusiastas do Sr. Zero-Zero, que também se vangloriavam de serem imbatíveis e desdenhavam a vacina de origem chinesa, capitularam. Não há preconceito que persista depois que familiares próximos e amigos sofreram o drama da doença. Como disse Benjamin Franklin, “a experiência é uma escola severa, mas nenhuma outra consegue instruir os imbecis”.

Falando em instrução, muitas autoridades parecem inclinadas ao incentivo à ignorância. Colocaram cargos importantes da educação e cultura no colo de gente opaca, enrolada com informações curriculares não comprovadas ou plágio. Depois borbulharam no ar ideias de homeschooling (Hummm!) e aumento da tributação sobre os livros, só para ver se elas colavam.

Como a moda no país é home office, delivery e drive-thru, quiçá alguém situado entre a Esplanada dos Ministérios, o Alvorada, o Jaburu e as redações da velha imprensa se disponha a ensinar nos lares carentes a tradução de imbroxável (sic) para o inglês. Aqui no mundo real, redondo, talvez a educação domiciliar não seja adequada ao nosso quadro: miséria, fome, doença, encarceramento em massa de pobres, racismo, machismo, intolerância religiosa e outros preconceitos. The hole is far below, tradução livre para o buraco é mais embaixo. Numa coisa somos intransigentes: queremos livros acessíveis para todos. Sandices em favor da ignorância não devem prosperar.

Há poucos dias, um iluminado resumiu de forma brilhante a nossa situação: vivemos a avacalhação geral da república. Não há um moralista-negacionista que não esteja encalacrado com sonegação fiscal, dívida trabalhista, calote no IPTU ou na taxa de condomínio, caso de funcionário público fantasma, abuso sexual, caixa dois, toma-lá-dá-cá ou outra encrenca. Ética zero. Hipocrisia total.

Aos que desfilaram a partir de 2013 fantasiados de nariz de palhaço e camiseta verde-amarela clamando mudança radical contra-tudo-que-estava-aí, veio a resposta: um giro de 360º. Fantasia rasgada. O Centrão na ribalta. E chafurdamos até as orelhas na mediocridade.

A ascensão dos fascistas ao poder pelo voto direto tirou de vez do armário mais de 500 anos de ranço colonial escravocrata. Ranço violento, preconceituoso, ignorante, covarde, presunçoso, necrófilo.

Mas seguiremos resistindo a tudo isso. Contamos com muitas cabeças pensantes, de boa índole e enorme compaixão. Há um trabalho imenso a ser feito. A começar pela saúde e educação evidentemente.

Muito dinheiro público foi desperdiçado na construção de unidades de saúde e escolas que não configuram projetos, mas completos desastres arquitetônicos. Prédios medonhos, sem ventilação nem iluminação naturais, acústica sofrível, desprovidos de praticidade para quem os utiliza. Um grande número de equipamentos caros está ocioso no SUS por falta de manutenção ou de profissionais de saúde capacitados para usá-los.

Necessitamos reunir com rapidez administradores inteligentes e idôneos que viabilizem a contratação de profissionais e empresas para adequar, equipar e manter esse patrimônio do povo. Todos sabem que investimento público planejado é uma das chaves para estimular empresas nacionais, gerar muitos empregos indiretos e nos tirar do sufoco.

Que não pare por aí. Além de contratar servidores mediante concurso para administração pública direta, defendemos a avaliação periódica de desempenho dos servidores, e o expurgo dos que não oferecem comportamento ético e bons serviços à população. Basta de desperdício. Fim à falta de transparência da terceirização. Chega de compadrio.

Para quem acha que o povo só se interessa por pão e circo e não liga para nada disso, lembramos que o todo não pode ser tomado pela parte. A maioria repara, sim, nas condições de conservação e funcionamento dos bens públicos. Rechaça o vandalismo e a falta de zelo. Vê atrasos, faltas e trapalhadas dos servidores/administradores públicos como um desacato ao contribuinte. Muitos cidadãos não se manifestam por receio de represálias, mas o sentimento de indignação não morre. Os “imbroxáveis” que se cuidem.

Aos governantes que estão encurralados pelo coronavírus, dengue, zika e outras pestes, fica a dica: consultem o Cacique Afukaká Kuikuro. Ele é O cara para orientá-los sobre planejamento e logística. Não se reprimam!

Aracy Balbani é médica.

Este artigo não reflete necessariamente o posicionamento do Jornal GGN

Redação

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