CPI da Covid

Efeito Heisenberg na CPI: atirou no que viu, acertou no que não viu… e nem percebeu, por Wilson Ferreira

Efeito Heisenberg na CPI: atirou no que viu, acertou no que não viu… e nem percebeu

por Wilson Ferreira

Ao querer terceirizar as funções investigativas da CPI da Pandemia (ou do Genocídio?) para agências de checagem, o relator Renan Calheiros revelou a natureza midiocêntrica da Comissão: um grande efeito Heisenberg no qual prints de portais de notícias entram como “provas” e as “perguntas” dos senadores são na verdade longos discursos para gerar vídeos virais nas suas redes sociais. Não há nenhuma estratégia para cercar os depoentes com perguntas indiretas para induzi-los a contradições. Por isso, a CPI passou batida por duas verdadeiras confissões de culpa do ex-ministro Pazuello: justamente nos momentos em que ele ficou mais relaxado e desandou a falar, assumindo a persona de herói militar – orgulhoso, expôs a sua “missão cumprida” dentro da psy op da guerra semiótica criptografada militar. O orgulho de caserna do general falou mais alto. E a CPI atirou no que viu e acertou no que não viu… e nem percebeu!

A posição desse Cinegnose é de que a CPI da Pandemia (ou será do Genocídio?) é um grande telecatch: um pseudo-evento cujo propósito central na guerra criptografada do conjunto das psy op dos militares é o diversionismo: enquanto as lentes das câmeras estão concentradas nas longas horas de depoimentos e inquisições, a Câmara dos Deputados vai “passando a boiada”: aprova o texto-base que privatiza a Eletrobrás – que responde a 30% da energia gerada no País. 

A grande mídia deu a notícia de passagem, já que o foco era a estrela Pazuello. No tempo breve em que foi noticiada aqui e ali, o tom sempre foi de que se tratava de algum tipo de fenômeno da natureza, assim como a previsão do tempo. 

Mas, destaque mesmo, foi dado pelos colunistas carniceiros neoliberais dos telejornais de final de noite (hora em que o povão já está na cama) comemorando que, afinal, o País se tornará “confiável aos investidores”…

Mas por que a CPI é um telecatch? Em postagem anterior, dizíamos que até aqui a CPI apenas requenta fatos conhecidos, até pelo reino mineral, desde o ano passado. Além de depoimentos cheios de conflitos de interesse, como o do CEO da Pfizer, em meio ao fechamento de um contrato de bilhões de reais da empresa farmacêutica com o Governo Federal – clique aqui.

Ou o caso de Fabio Wajngarten, que se auto convocou para a CPI com a bombástica entrevista para a Veja… que depois negou diante de senadores exasperados querendo prendê-lo – timing e provocação, táticas clássicas alt-right.

E fechamos a análise anterior apontando para o flagrante Efeito Heisenberg na CPI: 

(a) A grande maioria dos senadores empunhou como evidências para apontar “contradições” ou “mentiras” dos depoentes, prints de portais de notícias da Internet ou das versões digitais de jornalões como O Globo. Cadê as fontes primárias? Contratos? Minutas? Atas de reuniões? A grande exceção foi o senador Randolfe Rodrigues (Rede–AP), responsável pelas maiores saias justas do general Pazuello ao forçá-lo a se trair mediante apresentação documentos primários oficiais, nos momentos certos.

Efeito Heisenberg é o efeito colateral de um pseudo-evento, acontecimento cuja característica dominante é a centralidade midiática. Inclusive nos documentos que são apresentados como provas para apontar supostas mentiras dos depoentes.

(b) A maioria das formulações de perguntas aos depoentes eram iniciadas por longas afirmações de juízo de valor: protestos indignados para incriminar, de antemão, os interrogados. Antes mesmo de formular qualquer pergunta. A maioria das perguntas eram de um primarismo direto do tipo: “Vossa Senhoria se sente responsável…?” ou “Vossa Senhoria esteve na reunião…?”. Perguntas diretas, quase como bolas levantadas na rede à espera de que o depoente desse uma cortada. 

Ou ainda perguntas do tipo múltipla escolha, à espera de que o interrogado escolhesse a opção mais confortável. E isso não estamos falando das questões dos senadores do grupo de choque de apoio ao Governo. As “questões” desse grupo eram ainda mais primárias: laudatórias, agradecimentos e outras bizarrices.

Quinze minutos para viralizar

Verifica-se que não há nenhum esforço coletivo de cercar os interrogados com questões indiretas, até induzi-los a contradições. Pelo contrário, parece que cada senador está à espera dos seus 15 minutos para fazer discursos indignados que serão, em seguida, compartilhados em suas redes sociais. Como o da senadora Katia Abreu (PP-TO), acusando o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, de ter levado o País “ao iceberg que provocou o naufrágio”. Imediatamente, o vídeo viralizou nas redes sociais. Inclusive na blogosfera progressista.

Efeito Heisenberg: a CPI nunca se tratou de ser um interrogatório investigativo e metodologicamente organizado, mas de oportunidade para cada senador produzir imagens visando massificação ou viralização nas suas redes sociais ou bases eleitorais.

Efeito Heisenberg: a mídia não consegue mais reportar o real – transmite apenas os efeitos que ela produz ao cobrir os eventos e, também, o esforço que as pessoas fazem para obter a atenção da mídia – mais detalhes sobre esse conceito clique aqui.

Não é por menos que o relator Renan Calheiros (MDB-AL) planeja contratar uma agência de checagem de fatos “em tempo real” (?)… Isto é, visto que os senadores não cumprem a função primária de uma CPI, Renan quer transferir para agências de checking o trabalho de investigação. Em última instância, é uma investigação tautista: uma agência que irá checar as informações que a própria mídia publicou sobre os dados manifestados pelos depoentes. 

Em outras palavras: Renan Calheiros assume a incompetência da Comissão ao terceirizar as funções que deveriam ser inerentes a uma verdadeira CPI.

Este humilde blogueiro tenta imaginar qual agência de checking será contratada… provavelmente uma daquelas com o selo de qualidade da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo)… Aquela associação para qual “vazamento” é a mesma coisa que “furo de notícia” e “apuração” é a mesma coisa que “investigação” – sobre isso clique aqui.

Acertou naquilo que não viu

Porém, ironicamente, os melhores momentos do depoimento do ex-ministro Pazuello (momentos em que o general assinou a própria confissão de culpa) não partiram de perguntas inquisitivas dos senadores. Mas de momentos em que Pazuello estava relaxado e começou a se empolgar no papel de herói militar, fazendo sua confissão de fé ideológica motivadora de tudo que fez (e o que deixou de fazer) na pasta da Saúde.

Foram dois momentos. Vamos descrevê-los a partir, cronologicamente, do segundo momento por exigência do encadeamento de raciocínio dessa postagem.

No sistema remoto, o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) iniciou sua fala de forma despretensiosa, elogiando a resistência do ex-ministro por enfrentar tantas perguntas: “isso demonstra que o senhor é um grande aluno do Exército Brasileiro!”, disse. Coronel questionou se ele não se sentia “abandonado” por todos que estiveram na CPI que atribuíram a ele as reponsabilidades. 

Depois que Pazuello deu as costumeiras respostas vagas, dizendo, por exemplo, que “não toma decisões sozinho”, o senador Coronel soltou a corda para o general se enforcar: “Depois de afirmar que cumpriu a missão no Amazonas, o senhor teve apoiadores que querem lançá-lo como governador. O senhor se candidataria como governador ou senador?”, indagou.

“Eu não tenho a sua coragem senador, é muito sério isso aí… eu não faria esse movimento de cair de paraquedas como governador ou senador… isso exige muito conhecimento, não posso entrar nessa onda, isso aí é complicadíssimo”, foi o sincericídio de Pazuello: mas, então, ele pode “cair de paraquedas” no Ministério da Saúde… afinal, não deve exigir tanto conhecimento assim… 

A partir desse ponto Pazuello se entusiasmou e se estendeu explicando o conceito de “missão cumprida”… de um militar para outro militar. Ele achou que o senador era de fato “coronel” (cometendo uma impagável gafe) e desandou a falar: 

“Queria aproveitar a sua formaçãoe seu conhecimentoda área militar, só para esclarecer às pessoas, que quando um oficial, da Polícia Militar ou do Exército, recebe uma missão, por exemplo, combater uma gangue, uma facção, cumprir a missão dele não é acabar com o crime organizado daquele estado. É aquela fatia da missão que ele cumpre e depois retrai. É uma fatia. A compreensão de missão é muito militar, por isso que as pessoas talvez não tenham compreendido quando a gente coloca missão cumprida”, afirmou.

Continue lendo no Cinegnose.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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